Título: Lula e Chávez disputam, com "bondades", a liderança na AL
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2007, Brasil, p. A3

Em uma política freqüentemente interpretada como disputa implícita pela liderança na região, Brasil e Venezuela têm distribuído generosos pacotes de "bondades" aos seus vizinhos latino-americanos. Nos últimos anos, as benesses oferecidas pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez incluem perdões de dívidas, compras de títulos da dívida externa e créditos para obras de infra-estrutura.

Chávez vem usando a alta cotação do petróleo e o peso econômico da estatal PDVSA para seduzir governos ávidos por poupar milhões de dólares em importações de combustíveis. Ele criou subsidiárias da petrolífera venezuelana para operar em países caribenhos (Petrocaribe) e andinos (Petroandina), sempre com participação acionária de outras nações. No caso da Petroandina, que fará investimentos iniciais de US$ 170 milhões na Bolívia, a YPFB de Evo Morales tem 51% do capital da nova empresa. A PDVSA ficou com 49%.

Outro mecanismo que Chávez adota com freqüência é o de fornecer petróleo em condições especiais. Para vários países, a PDVSA assumiu o compromisso e já colocou em prática o suprimento de combustíveis no seguinte esquema: parte menor do pagamento é feita em até três anos; a maior parte só acontece em prazos longos, de 15 a 25 anos, com 24 meses de carência e juros que nunca ultrapassam 2% anuais.

Ou seja, trata-se de uma condição muito melhor do que qualquer possibilidade de financiamento no mercado internacional, principalmente para países com histórico de moratórias e renegociação de dívidas. O governo venezuelano também abriu linhas de crédito aos países vizinhos e chegou a oferecer 5 mil bolsas de estudo a universitários bolivianos.

Com a aquisição de títulos da dívida argentina - operação que lhe rendeu lucro financeiro -, Chávez conquistou o alinhamento de Néstor Kirchner às suas posições. "Nos momentos mais difíceis, a República Bolivariana da Venezuela esteve presente e está permanentemente colaborando", reconheceu o argentino, na sexta-feira, durante visita de Chávez a Buenos Aires.

A entrega de "regalos" (presentes, em espanhol) a governos estrangeiros foi um dos principais temas levantados pela oposição da Venezuela nas eleições presidenciais de 2006. "Não há dúvidas de que a distribuição de presentes por Chávez tem o objetivo de fortalecer sua influência", diz o analista político Luis Vicente León, sócio-diretor do instituto independente Datanálisis, de Caracas. Para ele, Chávez soube aproveitar a perda de voz dos Estados Unidos na região, com a prioridade da Casa Branca voltada à guerra contra o terrorismo.

Vicente León não considera, porém, que existe uma disputa entre Lula e Chávez para seduzir governos da vizinhança. Principalmente, segundo ele, porque os dois presidentes se vêem como amigos e não como ameaças mútuas, apesar das nítidas diferenças entre os dois. "Esse não é um jogo de soma zero. A influência que Chávez ganha, o Brasil não perde", acredita León.

Mas, diante dos presentes que partiram da Venezuela, o governo brasileiro resolveu ceder em várias negociações. Concordou em pagar mais pelo gás boliviano e topou mudar a fórmula que corrige a dívida de Itaipu, agradando o Paraguai. Sob a pressão do chanceler Celso Amorim, que defende mais "generosidade" aos sócios menores do Mercosul, fez pequenas concessões ao Uruguai e aceitou o mecanismo de salvaguardas com a Argentina. E enfrentou fortes críticas internas ao enviar tropas brasileiras para a missão de paz da ONU no Haiti.

"Com ou sem a influência de Chávez, o Brasil deveria assumir um papel mais importante no hemisfério", observa a ex-embaixadora americana em Brasília, Donna Hrinak, que antes chefiava a representação do país em Caracas. Ela lembra que a liderança traz vantagens, mas também responsabilidades. "Mas é verdade que a influência de Chávez tem crescido", diz Donna.

Para León, a diferença entre a influência de Chávez e de Lula é conceitual. O analista afirma que o venezuelano precisa fazer investimentos e distribuir benesses para influenciar os latino-americanos. "Lula é um líder relevante como qualquer presidente do Brasil seria para a América Latina, como o país mais importante do ponto de vista econômico e maior fonte de oportunidades de negócios", compara o analista.