Título: Israel provoca palestinos após revés diplomático
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Fonte: Valor Econômico, 05/12/2012, Opinião, p. A16

As chances de os palestinos terem seu próprio Estado reconhecido internacionalmente pareceram se tornar maiores quando a esmagadora maioria dos 193 países da Organização das Nações Unidas aprovou a promoção de seu status ao de um Estado "observador". Apenas oito países votaram contra, entre eles Estados Unidos e Canadá. Israel, entretanto, se considera um poder acima das leis internacionais e está prestes a incentivar ações que impedirão para sempre que Jerusalém Oriental possa algum dia vir a sediar um governo palestino, como sempre foi reivindicado.

A derrota diplomática israelense foi seguida imediatamente de várias medidas punitivas aos palestinos. Já no domingo, três dias depois da votação na ONU, o governo de Binyamin Netanyahu decidiu não repassar milhões de dólares em taxas e impostos que coleta em nome da Autoridade Palestina. O torniquete financeiro, aplicado frequentemente como forma de esgotar os recursos do frágil governo de Mahmoud Abbas, não foi, porém, a medida mais importante nem a de consequências mais duradouras. Netanyahu, no dia seguinte ao do reconhecimento preliminar dos direitos dos palestinos, disse que será autorizada a construção de mais 3 mil residências de israelenses na Cisjordânia em uma zona especialmente delicada, a E1. Se as construções forem de fato realizadas, Jerusalém Oriental ficará separada da Cisjordânia por anéis de territórios ocupados por cidadãos de Israel.

A provocação foi claramente calculada pelo governo israelense, já há anos refém da extrema-direita aninhada no Likud. Netanyahu parece querer dizer que se a ONU acha que os palestinos terão seu Estado, eles não terão a capital que historicamente desejaram. O fato de que as ocupações sempre foram ilegais não demove o comando israelense, que se fia, como sempre, no incondicional apoio dos Estados Unidos para praticar a política que bem deseja, ainda que ela espalhe novas sementes de ódio e violência em um terreno já bastante fértil.

O governo Obama advertiu Israel sobre suas intenções provocadoras. Os americanos não têm dúvidas sobre o que de fato está em jogo com a construção de 3 mil novas moradias. Segundo Mark Toner, porta-voz do Departamento de Estado americano, ela será "especialmente nociva aos esforços para se chegar à solução dos dois Estados". Países europeus foram mais contundentes. Reino Unido, França, Suécia, Espanha e Dinamarca convocaram os embaixadores de Israel a dar explicações sobre mais um gesto desafiador das leis internacionais praticado por seu país.

Há muito tempo Netanyahu se apoia no radicalismo de várias facções palestinas, como o Hamas, que comanda a Faixa de Gaza, para propagandear aos quatro ventos que não há diálogo possível com pessoas que simplesmente querem a destruição do Estado de Israel. A barragem verbal da propaganda israelense torna menos visível um outro aspecto complementar da política do Likud - a sistemática desmoralização dos potenciais interlocutores moderados palestinos. Graças a ela, Mahmoud Abbas é hoje um líder fraco de um movimento dividido, que perdeu sua autoridade sobre a faixa de Gaza para o Hamas e outros grupos. Sempre que pode, o governo do Likud se dá ao direito de dizer que não há diálogo sério porque Abbas não negociaria de boa-fé ou, o que é mais grave, que ele não representaria os anseios palestinos.

Com tudo isso, a ultradireita israelense quer se dar ao direito de até mesmo escolher qual líder fala ou não em nome dos palestinos. É algo distante da realidade, mas a trama nada tem de ingênua. Com seu poder bélico e o apoio incondicional dos Estados Unidos, Netanyahu, assim como vários de seus antecessores, não sente a menor necessidade de negociar nada. Por mais penoso que seja o status quo, com os frequentes ataques terroristas de facções radicais palestinas, ele serve para que Israel consolide sua constante expansão nos territórios que pertencem aos palestinos.

Essa é uma estratégia que torna Israel menos seguro, e não mais. A direita radical do Likud, porém, usa a via preferencial da força bruta, onde claramente tem vantagem, e realmente não acredita que possam existir forças moderadas palestinas que permitam o começo de um novo jogo político na região. Para ela, a melhor, e talvez única, estratégia parece ser a da guerra permanente.