Título: Mortos? Ninguém viu
Autor: Rizzo, Alana
Fonte: Correio Braziliense, 03/12/2010, Brasil, p. 11

Dados das polícias Civil e Militar do estado sobre a quantidade e óbitos nos conflitos não batem. Diferença passa dos 100%

Responsável por uma das polícias mais letais do Brasil, o governo do Rio de Janeiro diverge sobre a relação de mortos na megaoperação no complexo de favelas do Alemão e na Penha. Segundo a Polícia Militar (PM-RJ), foram 37 óbitos no combate. Já a Polícia Civil contabiliza apenas 17 mortos. A Defensoria Pública e o Ministério Público do estado não receberam da Secretaria de Segurança Pública do Rio a relação com os nomes dos mortos. O Ministério da Justiça também não foi informado.

Um relatório produzido pelo próprio governo fluminense revela que até setembro deste ano 626 pessoas morreram em confrontos com a polícia, registrados nos chamados ¿autos de resistência¿. Nesse mesmo período, 15 policiais foram mortos em serviço: 10 são PMs e cinco pertencem à polícia civil. Os dados demonstram, segundo especialistas, um elevado índice de abuso de força policial. Em setembro, por exemplo, foram 34 mortes, o que significa mais de uma morte por dia. Nesse mesmo mês, três policiais morreram. O número é quase o mesmo que o registrado oficialmente pela polícia em uma semana de operação.

A assessoria de imprensa da PM-RJ alega que desconhece a identidade dos mortos durante as operações. Porém, no último sábado, a reportagem do Correio presenciou a chegada do corpo de Davi Basílio Alves, 17 anos, ao Hospital Getúlio Vargas, na Penha. O corpo do jovem, morador da Vila Cruzeiro e traficante, foi levado pela própria família. Havia, no local, policiais militares que registraram a chegada do corpo e a identidade.

Já a Polícia Civil apresenta uma lista com nome, idade e bairro onde morava de 13 dos 17 mortos contabilizados pela unidade policial. Esse é o número passado à Polícia Civil pelo Instituto Médico Legal (IML), depois da perícia. A reportagem, entretanto, não conseguiu contato com o IML do estado.

¿É preocupante que a secretaria não divulgue essa relação. A sociedade precisa de esclarecimentos de quantas foram as mortes e as respectivas causas¿, defende o especialista em Segurança Pública Ignácio Cano. Segundo ele, denúncias sugerem que o número de mortos é ainda maior e que haveria corpos nas comunidades.

OS NOMES

Lista com a identidade de 13 dos 17 mortos nos conflitos, segundo a Polícia Civil

» Valdemiro Carlota, 45 anos, Vila Cruzeiro

» Everson Carlos Conceição Gonçalves, 19 anos, Favela do Jacarezinho

» Wilian Calixto de Andrade, 20 anos, Favela do Jacarezinho

» Jonatan Rosa Bonfim, 21 anos, Favela do Jacarezinho

» Manoel Dionizio da Silva Nogueira, 20 anos, Favela do Jacarezinho

» Felipe Bittencourt de Carvalho, 18 anos, Favela do Jacarezinho

» Emerson de Souza Thomé, 25 anos, Favela do Jacarezinho

» Sergio Silva de Medeiros, 25 anos, Favela do Jacarezinho

» João Carlos dos Santos Alves, 19 anos, Favela do Jacarezinho

» Thiago Ferreira Faria, 22 anos, Alemão

» Anderson Domingues Mendes, 20 anos, Alemão

» Davi Basílio Alves, 17, Vila Cruzeiro

» Rogério Costa Cavalcante (não foram divulgados a idade nem onde ele morava)

Fonte: Polícia Civil

MORADORES COBRAM RESPEITO DA POLÍCIA » Movimentos sociais do Complexo do Alemão cobram avanços nas políticas públicas para a região e pedem respeito aos direitos humanos. Uma das reclamações está relacionada à forma como muitos policiais têm entrado nas casas, arrombando portas e quebrando móveis. O assunto foi debatido na tarde de ontem durante reunião entre entidades da sociedade civil e de proteção ao meio ambiente que atuam na área. O encontro foi organizado pelo Comitê de Desenvolvimento Local da Serra da Misericórdia (CDLSM), que reúne organizações não governamentais que atuam no Alemão e no seu entorno. As reivindicações foram apresentadas em um documento de três páginas, ¿com o objetivo de aprofundar o debate com a sociedade, o Poder Público e a mídia, para além da ocupação militar¿. ¿São necessários investimentos para tirar do papel um conjunto de propostas e projetos de caráter socioambiental, cultural e nas áreas de educação, saúde, mobilidade urbana, saúde ambiental, esportes, assistência social e segurança pública¿, ressalta o documento.

EXÉRCITO COMO FORÇA DE PAZ

O Exército vai atuar, pela primeira vez, como uma força de paz no Brasil, no Complexo do Alemão, nos moldes do que já vem fazendo no Haiti. O anúncio foi feito pelo comandante do Exército, general Enzo Peri, durante visita ontem à região ocupada pelas forças militares no último fim de semana.

O militar disse que a missão não será estranha à força, pois já é desempenhada fora do país. ¿Nós já fazemos ações policiais. Mas desse tipo, com essa magnitude, é a primeira¿, observou.

O general Enzo destacou ainda que não teme qualquer desvio de conduta dos soldados, por conta de provocações de criminosos. ¿Nós estamos sempre atentos a isso tudo. O risco é inerente.¿

O comandante do Exército informou que a situação de soldados que moram em comunidades e que estariam sendo ameaçados por traficantes vem sendo investigada. ¿Nosso trabalho de inteligência está averiguando e definindo a extensão e profundidade (das ameaças). Nós daremos a proteção necessária.¿

O comandante do Comando Militar do Leste, general Adriano Pereira Junior, que acompanhou a inspeção realizada pelo comandante do Exército, afirmou que a força dispões de oito mil homens em condições de atuar no conceito de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) ¿ policiamento urbano ¿ e que estão prontos para reforçarem operações em outras favelas do Rio de Janeiro.

Pela manhã, a secretaria de Segurança do Rio informou que três batalhões de campanha da Polícia Militar serão instalados nos complexos da Penha e do Alemão. Os batalhões serão instalados até segunda-feira e ficam nos locais por tempo indeterminado. A intenção é que os policiais façam varreduras para encontrar suspeitos, drogas e armas. Ao todo, 250 homens de diversos batalhões farão o policiamento.

Na madrugada de quarta-feira para ontem, a Polícia Civil prendeu um homem suspeito de ser segurança de Fabiano Atanásio, o FB, em Santa Teresa. FB é acusado de comandar o tráfico de drogas no Complexo do Alemão e está foragido. De acordo com a polícia, o suspeito foi preso na casa de uma tia após denúncia anônima. Contra ele, há dois mandados.

Já os policiais militares encontraram mais uma bazuca escondida numa fossa do Areal, no complexo do Alemão, na tarde de ontem. A arma ¿ usada pelos criminosos para destruir tanques e fortificações leves ¿ é a segunda apreendida nos últimos dois dias.

PRESÍDIO NO PARANÁ TERÁ MAIS TRAFICANTES » Mais seis presos de alta periculosidade foram transferidos do Complexo Penitenciário de Bangu, no Rio de Janeiro, para a Penitenciária Federal em Catanduvas (PR). ¿Usamos um forte esquema de segurança para buscá-los no aeroporto¿, disse o diretor substituto do presídio, Daniel Sena, ao confirmar a remoção dos detentos. Os seis presos fazem parte do grupo de criminosos que comandava o tráfico de drogas no Complexo do Alemão. Eles foram capturados pelas forças de segurança pública durante a ocupação do conjunto de favelas. Segundo Sena, o traficante Elizeu Felício de Souza, o Zeu, está entre os transferidos para o Paraná. Zeu é um dos bandidos acusados pelo assassinato do jornalista Tim Lopes, em 2002. A Penitenciária Federal em Catanduvas tem 208 vagas destinadas a presos de alta periculosidade, que ficam em celas individuais. No momento, informou Sena, o presídio abriga 175 detentos, já incluídos 20 criminosos presos durante a ocupação policial no Complexo do Alemão.

BANCOS VÃO INSTALAR AGÊNCIAS

O complexo de favelas do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro, receberá, nas próximas semanas, uma agência do Banco do Brasil (BB). As obras já começaram e, segundo o banco, a inauguração ocorrerá antes do Natal. O banco estatal anunciou ainda a abertura de agências em mais duas comunidades cariocas. Até o fim do ano, a instituição pretende inaugurar uma unidade na Cidade de Deus e, em janeiro, a agência da Favela da Rocinha.

Na terça-feira, o BB deu início à presença em comunidades carentes com a abertura de uma agência em Paraisópolis, em São Paulo. Nessas unidades, o BB concentrará esforços na oferta de microcrédito. A instituição também fornecerá treinamento e orientações de gestão financeira para empreendedores formais e informais. Em todas as comunidades carentes, o banco proporá às associações de moradores a elaboração de um plano de desenvolvimento sustentável.

A Caixa Econômica Federal também vai instalar uma agência no Alemão, mas só em 2011. Segundo a instituição, o banco chegará à comunidade, de aproximadamente 400 mil pessoas, com a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), prevista para ser inaugurada nos próximos sete meses.