Título: China quer 20 anos de carência para reduzir as tarifas agrícolas
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2007, Internacional, p. A15

A China, a segunda nação comerciante do planeta, apresentou proposta ontem na Organização Mundial do Comércio (OMC) pela qual só começaria a reduzir suas tarifas de importação de produtos agrícolas por volta de 2027, se a Rodada Doha for concluída com sucesso até dezembro próximo.

A proposta foi feita em conjunto com outros 14 países, incluindo o Vietnã, considerado a nova China por sua rápida expansão econômica e comercial. Tratam-se dos países que entraram na OMC nos últimos tempos, conhecidos na linguagem da negociação global como RAMs, da sigla inglesa para "Recently Acceded Members".

Apesar de seu peso crescente nas trocas internacionais, Pequim tem se mantido discreta em relação à Rodada Doha. Só nesta semana é que o ministro de Comércio, Bo Xilai, elevou a voz para acusar os EUA e a União Européia de não fazerem concessões agrícolas e serem os principais obstáculos ao sucesso da negociação.

Os chineses sempre insistiram em ter mais flexibilidade para poupar sua agricultura de maior concorrência externa. Em junho do ano passado, Pequim já tinha pedido para praticamente não pagar pela liberalização na área industrial que pode ocorrer na Rodada Doha e que beneficiará enormemente seus exportadores.

A alegação de Pequim é de que já fez concessões demais com abertura de seu mercado, quando entrou na OMC, em dezembro de 2001, e que suas tarifas são bem mais baixas do que outros emergentes.

Na proposta formalizada ontem na área agrícola, a China e sua coalizão - Arábia Saudita, Albânia, Armênia, Croácia, Equador, Macedônia, Jordânia, Quirgistão, Moldávia, Mongólia, Omã, Panamá, Taiwan e Vietnã - dizem que sua média tarifária no setor é de 17%, comparado à média de 60,95% do grupo em desenvolvimento.

A alíquota agrícola média da China é de 15%. Além disso, Pequim e seus parceiros alegam que aceitaram não dar nenhum subsídio à exportação, algo que os outros países ainda estão para aceitar formalmente na Rodada Doha.

Por isso, os RAMs pedem um período de cinco anos para não fazer abertura agrícola nenhuma e outros cinco anos adicionais ao período que for dado aos países em desenvolvimento para implementar futuros acordos da Rodada Doha. Na última negociação global, a Rodada Uruguai, o prazo de implementação para as nações em desenvolvimento foi de dez anos.

Além disso, Pequim quer, depois de uns 20 anos, só precisar reduzir em 50% do corte exigido para os outros países em desenvolvimento. Também exige flexibilidade adicional para selecionar produtos que poderá indicar como "especiais", para ficarem fora de liberalização.

Na área industrial, os chineses já propuseram excluir até 15% de suas linhas tarifárias de reduções - ou seja, inferior ao que Brasil e Argentina devem ter de cortar nas importações industriais.

A proposta que começará a circular publicamente hoje em Genebra certamente será atacada principalmente pelos Estados Unidos e pela União Européia. Os dois elefantes do comércio mundial já indicaram que não aceitam "acúmulo de flexibilidades" para um país como a China, que tem se beneficiado enormemente de sua entrada no sistema multilateral de comércio. Países como o Brasil admitem flexibilidade, mas é algo a ser negociado com cuidado.

O fato é que, até pelo poderio crescente chinês, fica difícil um acordo na OMC que poupe o mercado chinês de mais abertura.

O saldo comercial chinês em janeiro e fevereiro somou US$ 39,7 bilhões, graças a aumento de 41,4% nas exportações, que mais do que dobraram em relação às importações no mesmo período. O superávit do mês passado foi um recorde, de US$ 23,8 bilhões.

Essas cifras provocam tensões na relação com os EUA, que compram muito mais do que vendem aos chineses. Senadores americanos já propuseram a imposição de uma sobretaxa de 27,5% sobre todas as importações procedentes da China em retaliação à suposta vantagem que a política cambial chinesa daria a suas empresas.

No mês passado, os EUA deflagraram uma disputa contra a China na OMC por causa dos subsídios que ela concede a suas indústrias. Washington acusa Pequim de oferecer benefícios tributários e outras ajudas para companhias instaladas no país se tornarem mais competitivas internacionalmente.

A discussão na OMC atualmente é se, afinal, a Rodada Doha será desbloqueada até junho ou fracassa de vez. Os chineses dizem que torcem por um bom resultado, mas não querem pagar a fatura.