Título: Denúncias de corrupção atingem partido de Evo
Autor: Uchôa, Rodrigo
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2007, Internacional, p. A15

Historieta sul-americana: o partido chega ao poder com a plataforma de combate à corrupção, de ética na política, de esquerda engajada. Elege um presidente de origem humilde, que cresceu no sindicalismo e quebrou a hegemonia da elite. Transforma-se numa das maiores forças partidárias do país, mas, com pouco tempo de exercício de poder, começam a pipocar denúncias de aparelhamento do Estado e de tráfico de influência. A oposição de direita quer investigar no Congresso se existe mesmo esse tráfico. O presidente não é diretamente envolvido, mas próceres do partido são acusados. Apesar de atingir a "aura de bondade" do partido, a imagem do presidente não é afetada e ele continua popular. Diz que a coisa toda tem de ser investigada a fundo, que está desapontado, quase que se sentindo traído.

Assim se desenrola o drama de corrupção e traição que recai sobre o presidente da Bolívia, Evo Morales, e seu partido, o MAS (Movimento ao Socialismo).

Nos últimos dias vieram a público denúncias de militantes feitas para o próprio MAS. O conselho de ética do partido estava prestes a arquivar essas denúncias, quando uma militante que se sentiu prejudicada foi à imprensa boliviana. "Paguei US$ 300 pelo 'aval político', mas não me deram o cargo", disse Norka Morales Alcázar, ao jornal "La Prensa", de La Paz.

O "aval político" seria uma condição indispensável para conseguir um cargo público. Segundo o "La Prensa", que disse ter acesso a uma série de documentos secretos do MAS, há listas de militantes indicados pelos dirigentes do partido para ocupar cargos no governo. Sem se importar com a capacitação técnica, as diretorias regionais teriam loteado a administração pública. Assim, por exemplo, 36 pessoas foram empregadas pela estatal de gás e petróleo YPFB apenas por causa dos "avais" dos chefes do partido. A prática se repetiria por toda a rede de serviços públicos, muitas vezes para cargos que pagam só US$ 100 mensais.

Segundo as denúncias, os dirigentes do MAS teriam formado uma comissão para receber as listas de indicações dos diretórios regionais e verificar o pagamento pelo indicação. Depois, a comissão teria de enviar essas listas para os respectivos ministérios ou órgãos públicos, com ordens de nomear este ou aquele funcionário.

A reação de Evo Morales foi de aparente estupefação e de reconhecimento de que esse esquema realmente vinha funcionando: "Estou muito chateado. Não posso entender como alguns companheiros dirigentes do MAS cobrem para que algum companheiro trabalhe em algum ministério. Esse companheiro que cobrou e esse funcionário que pagou têm de ir para a cadeia".

Para o deputado Rodrigo Ibañez, do direitista Podemos (Poder Democrático e Social), é o Congresso que teria de investigar os supostos atos de corrupção: "Já temos um grupo suprapartidário anticorrupção funcionando no Congresso. É hora de ele agir e não deixar que tudo seja encoberto".