Título: PAC e desenvolvimento regional
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2007, Opinião, p. A16

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado pelo presidente Lula no último dia de 22 de janeiro, chegou em boa hora. Ele resgata a tradição de planejamento público no Brasil, ao mesmo tempo em que reforça e atualiza o papel do Estado na coordenação dos esforços de desenvolvimento do país. O PAC instaura, na prática, uma nova concepção do papel do setor público, segundo a qual - usando as palavras de Ha-Joon Chang - cabe ao Estado prover uma visão de futuro e construir as instituições adequadas para alcançá-lo. Não estamos ainda lá, mas sólidos passos foram dados nessa direção.

Como características positivas do PAC destacamos, além do aludido posicionamento do Estado como coordenador e estimulador do crescimento, seu caráter aberto, capaz de absorver diferentes linhas de investimento e desencadear efeitos multiplicadores cumulativos; a capacidade de conjugar esforços de distintos atores sociais; a correta identificação de prioridades; e a ênfase, daí decorrente, na ampliação da infraestrutura, com destaque para os macroprojetos de energia e transporte.

As críticas são naturais e bem-vindas. O PAC é um processo em construção e depende do crivo legislativo para se materializar em ações concretas. A estrutura federativa do país torna Estados e municípios parceiros e esteios fundamentais para o êxito da iniciativa. Contudo, algumas dessas críticas são improcedentes: referimo-nos, entre outras, à alegação de que parcela significativa dos investimentos previstos já consta da agenda de empresas estatais ou integra programas setoriais consolidados. Porém, se isso não ocorresse, o Plano redundaria numa ficção, fruto da cabeça iluminada de alguns intelectuais, mas inexeqüível, pois descolado da realidade. Não, o PAC explora os limites do possível, com realismo, mas sem perder a ousadia.

Outro reparo corrente diz respeito à suposta perda de arrecadação que o Programa provocará aos Estados. Contudo, trata-se aqui de uma receita prevista, claramente intercambiável com receitas adicionais oriundas dos efeitos multiplicadores que o crescimento propicia.

O incremento do PIB projetado até 2010 - de 4,5% neste ano, e de 5% nos demais - é compatível com a magnitude dos investimentos previstos e com os prognósticos otimistas para o comportamento da economia internacional no futuro imediato, pressupondo o ajuste das políticas cambial e de juros às metas almejadas.

A evolução subseqüente do PAC deve incorporar outras dimensões do desenvolvimento brasileiro ao seu arcabouço estratégico, como a educação, a saúde e a cultura, viabilizando um autêntico projeto nacional aberto para o mundo e soberano na determinação de seu destino. Para que isto ocorra, porém, é necessário que as forças vivas do país façam valer sua voz, instaurando um círculo virtuoso democrático de liberação da energia criativa da população.

-------------------------------------------------------------------------------- A estrutura federativa do país torna Estados e municípios parceiros e esteios fundamentais para o êxito da iniciativa --------------------------------------------------------------------------------

Nesse sentido, formularemos breves sugestões para a consolidação e aprofundamento do PAC, destacando um dos seus aspectos mais sobressalentes: o caráter regionalizado dos investimentos previstos.

Por mais de duas décadas, o Brasil assistiu a um verdadeiro desmonte dos mecanismos de política regional, concorrendo para o agravamento das disparidades sociais no espaço geográfico nacional, em especial nas áreas metropolitanas.

A atuação do ministério das Cidades, no primeiro governo Lula, avançou no tratamento articulado dos problemas que assolam nossas grandes concentrações urbanas. Mas a temática regional não encontra abrigo adequado na escala territorial das cidades. É preciso acoplá-la a uma perspectiva espacial mais abrangente e construir uma visão integrada do país como um todo, cimentando as bases de um desenvolvimento equilibrado e gestões metropolitanas mais eficientes e eqüitativas. A multiplicação de aglomerações produtivas locais e o fortalecimento do sentido social e ambiental do crescimento seriam seu corolário. O Brasil reúne condições ideais para estabelecer critérios racionais e sustentáveis de ocupação do território, tornando as políticas urbano-regionais mais conseqüentes e mutuamente reforçadoras, em termos socioeconômicos.

Nesse particular, a China constitui um laboratório de políticas regionalizadas de desenvolvimento merecedor de estudos mais cuidadosos, pois tem conseguido compatibilizar altas taxas de crescimento com uma distribuição razoavelmente equânime de seus efeitos territoriais, atenuando impactos concentradores excessivos nas maiores cidades.

Assim, a regionalização do escopo do PAC mereceria uma atenção adicional na formulação do Programa, propiciando a integração orgânica dos ministérios das Cidades e da Integração Regional na identificação de vocações regionais e na mobilização das forças sociais interessadas. A multiplicação de círculos de estudos e debates viria a ser um mecanismo adequado para tal fim. Os partidos aliados (e a oposição permeável ao diálogo e a cooperação) teriam papel importante na organização dessa rede, na qual agentes econômicos, movimentos sociais e contribuições individuais encontrariam canais adequados para expressar opiniões e sugestões, e construir consensos.

Aspecto decisivo do sucesso do PAC é seu mecanismo de gestão. Circunscrevê-lo aos ministérios da Fazenda e do Planejamento, além da Casa Civil, é pouco em face de capacidade do PAC em se constituir pólo aglutinador de uma vontade coletiva de mudança. Trata-se, sim, de alargar sua administração e acompanhamento no sentido de incluir e envolver os segmentos comprometidos com o desenvolvimento do país (pensamos, em particular, nas universidades) e dar suporte político às ações previstas.

É um desenho institucional complexo e inédito no Brasil, mas nem por isso menos urgente e necessário. Os primeiros passos nessa direção merecem ser encetados. Daria uma decisiva contribuição à reforma do Estado, tornando-o mais transparente, eficaz e participativo.

Ricardo Carlos Gaspar é doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP, professor do Departamento de Economia da FEA/PUC-SP e coordenador do Curso de Especialização "Economia Urbana e Gestão Pública" (PUC-SP/COGEAE).