Título: Que o declínio da Europa seja digno
Autor: Wolf, Martin
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2007, Opinião, p. A17

A União Européia é um sucesso extraordinário. Ela ajudou a gerar prosperidade e paz através de um continente devastado pelas duas mais destrutivas guerras da história humana e mais tarde dividido pela cortina de ferro. Seu desafio agora é se adaptar ao mundo do século XXI.

Em 25 de março de 1957, os seis membros originais (Bélgica, França, Alemanha Itália, Luxemburgo e Holanda) assinaram os tratados conhecidos como de Roma. Hoje, depois de sucessivas ampliações, a UE congrega 27 membros e uma população de 493 milhões de pessoas que gera 30% do Produto Interno Bruto mundial, a preços de mercado. Se a imitação é a forma mais sincera de lisonja, então a ampliação é a sua apoteose. Cada onda de novos membros não só optou por assimilar os valores da UE, como seu arcabouço de leis, a celebrada "acquis communautaire", estimada em 170 mil páginas de leis.

A grande realização da UE é estabelecer o "Estado de serviço" cooperativo como norma para todo continente. Tal Estado enxerga o seu propósito como o ato de servir aos seus cidadãos, não dominá-los, não ditando [sua vontade] a eles. O gênio dos fundadores foi compreender que uma economia de mercado regida por leis seria o meio para alcançar esse fim. Ele o levaria à prática restringindo as intervenções arbitrárias de cada membro, gerando previsibilidade e estabilidade para todos.

Estas eram idéias liberais (no seu sentido europeu tradicional, não no estranho sentido americano) e se inspiraram fortemente nas idéias dos pensadores e formuladores de políticas alemães do pós-guerra, como Ludwig Erhard. Os grandes sucessos da UE têm sido os do liberalismo: a união aduaneira; a política da concorrência; o mercado único; a abolição dos controles cambiais; e a criação de uma moeda única administrada por um banco central independente. A economia de mercado não é a única idéia liberal cravada na UE. Outra é sua democracia representativa.

O liberalismo não foi a única base possível para unificara Europa. Foi, no entanto, a única para unificação voluntária. A unificação através da guerra, felizmente, fracassou. A intervenção dos "anglo-saxões" em sucessivas grandes guerras européias assegurou isso. Essas potências liberais finalmente derrotaram o contingente de idéias antiliberais venenosas: ultranacionalismo, fascismo, nazismo e comunismo.

Esta história insere no contexto uma das proposições falsas mais comuns sobre a UE: a de que ela garantiu a paz. A Europa não criou as condições para a paz no pós-guerra e tampouco a preservou. A prosperidade criada pela integração européia, sob a proteção dos EUA, porém, transformou o Ocidente livre e democrático em um ímã irresistível para o Leste.

A UE uniu a Europa no mais incomparável bem-sucedido esforço de cooperação regido por leis já realizado entre Estados. O continente que ele unificou, porém, também está em declínio relativo. Por quase metade de um milênio, o promontório ocidental de massa de terra eurasiática foi o local da energia intelectual, artística e econômica do mundo. Ele condensava todas boas e más idéias. Hoje, felizmente, suas melhores idéias se espalharam através da maioria do globo e os países europeus não só perderam a sua inclinação imperial, como seu predomínio econômico.

Esse declínio relativo não só é inevitável, como também desejável, já que reflete as crescentes esperanças por vidas melhores em outros lugares. O que, contudo, isso significa para o futuro da Europa? Uma enorme quantidade de energia será dedicada a debater as estruturas institucionais da UE. Posso entender os argumentos favoráveis à simplificação do processo decisório. Mas não entendo por que uma constituição deva ser uma prioridade. Nada deverá transformar a UE em uma "Estados Unidos da Europa". No fim, continuará sendo uma estrutura para cooperação e concorrência entre Estados cravada em arcabouço institucional compartilhado.

Assim sendo, quais são as prioridades para a UE e, mais ainda, para os seus países membros ao longo do próximo meio século? Permita-me enfatizar as econômicas. Faço isso não porque a área econômica seja tudo o que interessa. Se a Europa não gerar prosperidade amplamente compartilhada fracassará.

-------------------------------------------------------------------------------- Meu ideal de Europa é o de um exemplo vivo da proposição de que os interesses dos Estados residem na cooperação, não no conflito. --------------------------------------------------------------------------------

Primeiro, gerar postos de trabalho. A economia européia está agora em um momento de retomada. Mas muitos países ainda sofrem com altas taxas de desemprego. Isto vale particularmente para jovens, não-qualificados e minorias étnicas que são desproporcionalmente jovens e não-qualificadas. Liberalizar os mercados de trabalho e tornar o Estado de Bem-Estar mais propenso ao emprego é prioridade.

Segundo, modernizar Estados de Bem-Estar. A modernização econômica da Europa surgiu, penosamente, a partir de um passado agrário e feudal. As violentas tensões que isso criou só foram resolvidas através de compromissos com o Bem-Estar provido pelo Estado. Isto não desaparecerá. Mas as estruturas precisam ser mudadas para apoiar trabalho, treinamento e educação em lugar da ociosidade.

Terceiro, liberar os empreendimentos. As regulamentações comprovaram ser um acompanhante inevitável da extensão da economia de mercado. Mas se o preço de mais liberalização, no nível da UE, for regulamentação ainda maior, o jogo pode já não valer mais a pena.

Quarto, investir na criação de idéias. A Europa foi o centro do mundo intelectual. Agora esse centro é os EUA. O motivo é o predomínio das grandes universidades deste país. A Europa continental mostra os efeitos desastrosos da nacionalização: igualdade imposta; mediocridade arraigada; e falta de inovação. Sem reforma radical, a Europa corre o risco de se transformar num lugarejo atrasado.

Quinto: promover desenvolvimento. A Europa não é uma potência "bruta", mas pode se tornar uma potência "sensível". Ela deveria voluntária e entusiasticamente abrir seu mercado para países em desenvolvimento e oferecer assistência generosa aos países pobres que demonstrarem capacidade para utilizá-la bem.

Sexto, limitar as emissões de carbono eficazmente. Estou convencido da necessidade de se reduzir os riscos da mudança climática, mas com políticas que alcancem este fim ao menor custo possível.

Por fim, abraçar o futuro. Nada, exceto uma catástrofe, impedirá o desenvolvimento da China, Índia e demais países. Se os europeus se adaptarem, desfrutarão de grande variedade de oportunidades animadoras num mundo maior.

Muitos na Europa condenarão esse programa, alegando carecer de charme. Essas pessoas preferem que a Europa desponte como uma grande potência - objetivo que não considero viável ou desejável. Meu ideal de Europa é diferente. É de uma região de estabilidade e cooperação que em última instância inclua até a Turquia. É de uma região de liberdade e de império da lei. É de um exemplo vivo da proposição de que os interesses dos Estados residem na cooperação, não no conflito.

A UE seria modelo de comportamento civilizado num século fadado a ser tão repleto de opostos como o XX. A Europa está condenada ao declínio relativo. Deixemos que decline magnificentemente.