Título: Bolsas têm segundo pior dia do ano, com calote nas hipotecas
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Fonte: Valor Econômico, 14/03/2007, Finanças, p. C1

Uma onda de venda de ações abalou o mercado americano, ontem, com repercussões em outros mercados, inclusive o Brasil. O índice Dow Jones da Bolsa de Nova York teve queda de 1,97%; o índice da bolsa eletrônica Nasdaq recuou 2,15%; e o Standard & Poor's perdeu 2,04%.

Foi o segundo pior dia do ano das bolsas americanas. O movimento foi desencadeado pelo aumento da inadimplência no crédito imobiliário americano e dados fracos das vendas de varejo dos Estados Unidos.

O presidente da Contrywide Financial, Angelo Mozilo, disse que o mercado hipotecário americano está entrando em "uma crise de liquidez".

O sinal amarelo acendeu depois que a Mortgage Bankers Association (MBA), a associação americana dos bancos especializados em hipotecas, divulgou dados do aumento da inadimplência no final do ano passado. A inadimplência no crédito imobiliário subiu de 4,67% no terceiro trimestre para 4,95% no quarto trimestre, o maior percentual desde o segundo trimestre de 2003. A inadimplência nos empréstimos feitos a clientes com histórico de mau pagadores, conhecidos como créditos "subprimes", subiu para 14,4%, acima dos 13,2% do terceiro trimestre.

Os dados acentuaram a preocupação com a saúde das empresas especializadas no segmento "subprime", que há semanas vêm sendo pressionadas pelos bancos que refinanciaram as hipotecas a recomprar os contratos. A Accredited Home Loan Lending afirmou que está procurando capital no mercado. As ações da Accredited, a 15 ª do mercado "subprime", caiu 65% para US$ 3,97, acumulando perda de 85% no ano.

As ações da Accredited perderam metade de seu valor depois que os bancos aumentaram as exigências de pagamentos. A Accredited precisa levantar dinheiro depois de ter pago mais de US$ 190 milhões exigidos por seus financiadores e está "explorando várias opções estratégicas", segundo informa um comunicado divulgado ontem. A instituição financeira de San Diego também pretende eliminar um número não especificado de empregos.

Outra empresa que já estava na mira dos investidores, a New Century Financial, teve as ações suspensas do pregão de Nova York. Suas ações caíram mais 49%, ontem, para US$ 0,85, despencando 97% no ano. Além disso, a New Century Financial disse estar sujeita a uma investigação da Securities and Exchange Commission (SEC), a comissão de valores mobiliários americana, por suspeita de fraude contábil. Segunda maior instituição financeira dos Estados Unidos especializada na concessão de empréstimos imobiliários "subprime" disse na segunda-feira estar sem dinheiro para pagar seus credores, que incluem os bancos Morgan Stanley, Citigroup e Goldman Sachs.

O sentimento do mercado é puxado pelo medo de que o problema dos créditos hipotecários "subprimes" poderá reduzir o consumo e brecar a economia, levando os investidores a se desfazerem dos investimentos de risco, buscando a segurança dos títulos do governo americano. O retorno do Treasury de 10 anos caiu abaixo de 4,5%.

Os bancos estavam entre as piores performances com os investidores focados nos fortes lucros que Wall Street conseguiu com os títulos securitizados de hipotecas nos últimos anos. As ações do Lehman Brothers e do Bear Stearns despencaram mais de 5% com os resultados do primeiro trimestre divulgados hoje e ontem, respectivamente.

"Embora a economia dos EUA e o mercado de trabalho permaneçam sólidos, o mercado de imóveis residenciais continuou em desaceleração no quarto trimestre", disse Doug Duncan, principal economista da associação dos bancos especializados em hipotecas, em comunicado.

As taxas de inadimplência são um fato inicial de calotes em hipotecas, que contribuiriam para a desaceleração do mercado de imóveis residenciais, já afetado pela queda dos preços e estoques muito grandes.

O relatório da Mortgage Bankers Association é baseado em uma pesquisa de 43,5 milhões de empréstimos concedidos por companhias de crédito imobiliário, bancos comerciais, uniões de crédito e outras instituições financeiras, dos quais 14% são "subprime". Jay Brinkman, vice-presidente de análise e economia da associação, disse em uma entrevista (antes do anúncio dos dados), que as taxas de inadimplência vêm crescendo há um ano, lideradas pelos tomadores de empréstimos subprime, que conseguem esses empréstimos a juros maiores por possuírem históricos de crédito ruins.

As inadimplências são tradicionalmente maiores no quarto trimestre de cada ano, uma vez que é nesse período que os proprietários de residências começam a receber as primeiras contas de aquecimento do inverno, ao mesmo tempo em que estão gastando mais dinheiro em presentes de Natal, disse Brinkman. Os dados divulgados ontem mostram o aumento generalizado da inadimplência, mesmo em base ajustada sazonalmente.

No quarto trimestre de 2006 cerca de 2,57% dos tomadores de empréstimos prime atrasaram os pagamentos de suas hipotecas em pelo menos 30 dias. Esse número representa um quinto da taxa de inadimplência dos tomadores de empréstimos subprime. A porcentagem de residências com hipotecas em execução também cresceu nas duas categorias, com as execuções sobre os empréstimos prime crescendo 6 pontos-base para 0,5%, e as execuções sobre os empréstimos subprime em alta de 18 pontos-base para 4,53%.

"As inadimplências e calotes começaram a disparar", disse Nicholas Retsinas, diretor de Estudos Residenciais da Harvard University em Cambridge, Massachusetts. "Muitas dessas instituições começaram a conceder empréstimos e se descuidaram de alguns dos fundamentos."

Mais de duas dezenas de instituições que concedem empréstimos imobiliários subprime foram forçadas a fechar ou venderam operações por causa do aumento dos calotes sobre esses empréstimos, que segundo dados compilados pela Friedman Billings Ramsy Group de Arlignton, Virgínia, registraram a maior alta em sete anos.

Mais de 5.600 trabalhadores já perderam os empregos em empresas de crédito imobiliário nos Estados Unidos.