Título: Governo ensaia recuo na MP 579, mas decide manter prazos
Autor: Ulhôa , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 07/12/2012, Política, p. A8

Estava tudo combinado. Com aval da presidente Dilma Rousseff, o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL), relator da Medida Provisória 579, que trata da prorrogação das concessões do setor elétrico, abriria nova oportunidade para que as empresas que não aderiram às regras da MP - redução do preço da energia - no prazo previsto (4 de dezembro) pudessem fazê-lo.

Durante o dia, autoridades do Palácio do Planalto chegaram a dizer ao Valor que, "se houver interesse real das concessionárias, o governo irá reabrir os prazos".

No entanto, no início da noite, enquanto Renan se reunia com o secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, Dilma telefonou a ele pedindo que negasse a informação de que concordara com a abertura da "janela".

O sinal verde para a inclusão do novo prazo foi dado pela presidente em café da manhã com Renan, presidente da comissão de deputados, o senador encarregado de examinar a MP e líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto (SP), e o líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM). Pelo acordo, Dilma não se comprometeu em sancionar a lei sem vetar esse dispositivo, caso a MP seja aprovada na forma de projeto de lei de conversão (quando uma MP é alterada pelo Congresso).

Renan vai apresentar seu parecer na comissão de deputados e senadores encarregada de examinar a MP na terça-feira. O governo quer a aprovação no mesmo dia. Pelo calendário ideal dos governistas, a Câmara aprovaria na quarta-feira e o Senado, no dia seguinte.

Pela informação dada ao Valor, a ideia era manter inalteradas as regras da MP. Seria incluída emenda do relator dando novo prazo - provavelmente de 30 dias a partir da sanção - para que as empresas optassem pela renovação, em caso de arrependimento.

Os três líderes relataram à presidente as dificuldades de aprovação da MP na comissão mista tal como está. Na avaliação deles, essa "janela" poderia reduzir a oposição. A preocupação é com a votação na comissão. Uma vez aprovada nesse colegiado, a MP deve ser confirmada pelos plenários das duas Casas.

O fato de Dilma ter concordado em analisar a reabertura do prazo foi considerado um "avanço monumental", segundo um dos presentes. Interessava ao governo que as empresas aderissem. Na opinião dos governistas, as empresas que ficaram de fora estão "dando prejuízo a seus acionistas". Com o novo prazo, elas teriam "amparo jurídico para voltar atrás".

No café da manhã, Renan relatou a Dilma que a executiva do PMDB, em reunião na segunda-feira, vai fechar questão pela aprovação da MP. "O PMDB entende que, depois da redução dos juros, essa é uma das medidas mais importantes para o desenvolvimento e competitividade da economia", afirmou o líder.

A abertura de novo prazo foi interpretada como uma estratégia do governo para aprovar a MP, uma de suas maiores prioridades. Uma vez aprovado o projeto de lei de conversão, Dilma poderia vetar o dispositivo, caso as empresas não tivessem manifestado interesse na adesão. Teria o argumento de ter dado mais uma chance às empresas e de não ter sido intransigente, como criticam as empresas.

O endurecimento do Palácio se alinha com o discurso feito ontem pela presidente, durante a apresentação do pacote de medidas e investimentos para o setor portuário. Num ataque aos governos tucanos de São Paulo (Cesp), Minas Gerais (Cemig) e Paraná (Copel), que não aderiram à proposta de renovação de concessão de suas usinas hidrelétricas, Dilma disse que a proposta do governo "não foi feita com o chapéu alheio". Foi uma resposta direta ao governador do Paraná, Beto Richa, que acusou o governo federal de querer fazer "cortesia com o chapéu alheio".

"Esse chapéu que nós estamos usando é de todos os brasileiros, porque é deles que é a energia elétrica, eles pagaram por isso. Nós não estamos tirando de ninguém. É um equívoco. Nós estamos é devolvendo, até tributo nós estamos devolvendo", disse Dilma, que foi aplaudida pelos executivos e membros do governo que participavam da cerimônia.

A presidente garantiu ainda que a redução média de 20,2% na tarifa de energia prometida em rede nacional em agosto será cumprida. Para isso, disse Dilma, serão utilizados recursos do Tesouro Nacional, uma vez que, com a recusa de Cesp, Cemig e Copel, o governo viu sua meta de redução cair para 16,7%. "Nós tivemos não colaboradores nessa missão. E quando você tem não colaboradores, ele deixam no seu rastro uma falta de recursos", disse. "Essa falta de recursos vai ser bancada pelo Tesouro do governo federal. Agora, a responsabilidade por não ter feito isso é de quem decidiu não fazer", criticou Dilma, deixando claro que já não há espaço para rever a proposta apresentada pelo governo. "Tem hora para gente não prorrogar e hora para gente prorrogar. A hora de prorrogar já passou. Agora é hora de devolver", afirmou.

A indisposição do governo em recuar de sua decisão também foi reforçada pelo presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim. Durante participação de um evento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Tolmasquim disse que o governo não vai ceder a mudanças na medida provisória para que a posição das concessionárias estaduais seja revista. Segundo ele, o governo cedeu ao máximo ao revisar valores de indenizações e estabelecer mecanismos de reconhecimento de investimentos em modernização de ativos. "Não estou vendo mais o que a gente possa mudar [no Congresso Nacional]. O governo foi muito flexível às questões de revisão dos valores da indenização por algum tipo de erro que poderia ter cometido", disse Tolmasquim. "Houve uma decisão sobre os valores dos ativos de transmissão anteriores a 2000. Teve a questão de investimento de modernização que a gente deixou claro que isso pode ser considerado nas revisões de tarifas", ressaltou o presidente da EPE ao citar algumas decisões tomadas após a publicação da MP 579. Para Tolmasquim, as empresas estaduais que recusaram a renovação deram sinais claros de que não queriam aderir à renovação. "Elas já tomaram a decisão. Não acredito que vão agora pedir para aderir. Se quisessem aderir já teriam aderido."

Na quarta-feira, o diretor de finanças e de relações com investidores da Cemig, Luiz Fernando Rolla, chegou a sugerir que, se tivesse tido mais prazo, a companhia poderia ter aceito a proposta de renovar as concessões de suas hidrelétricas. "Nos deram 30 dias para tomar uma decisão dessa magnitude. Isso não é democrático, é um processo arbitrário", comentou ele. "Se a gente tivesse tido mais tempo de avaliar custos, levantar quais as medidas que foram feitas nos últimos 30 anos nessas usinas, nas linhas de transmissão, o custo que a gente poderia reduzir, pode ser até que a resposta que pudéssemos dar seria outra." (Colaborou Rafael Bitencourt)