Título: EUA querem que Brasil pressione Índia a abrir seu mercado na OMC
Autor: Bautzer, Tatiana e Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 12/03/2007, Brasil, p. A3

A representante comercial dos Estados Unidos, Susan Schwab, quer que o Brasil pressione a Índia e outros países do G-20 a melhorar suas propostas de acesso a mercados para que haja mudanças no corte de subsídios agrícolas americanos. Acompanhando o presidente George Bush em visita ao Brasil, Schwab disse em entrevista ao Valor que a atuação brasileira pode determinar o fracasso ou sucesso da Rodada Doha.

A ministra americana apóia negociações entre setores industriais do Brasil e EUA, como discutem as entidades empresariais dos dois países. Aos EUA interessam negociar nos setores eletroeletrônico, químico, de equipamentos hospitalares e bens ambientais, lista diferente da brasileira, liderada por joalheria e pedras preciosas.

Em relação ao etanol, Schwab descarta discutir a taxa adicional de US$ 0,14 por litro até mesmo na OMC. Ela afirma que apenas a tarifa de 2,5% está na negociação. A seguir, os principais trechos da entrevista, concedida na sexta-feira em São Paulo, antes da reunião com o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.

Valor: O que deve estar na mesa das negociações da OMC para ajudar os Estados Unidos a renovar a Trade Promotion Authority (TPA)?

Susan Schwab: Os Estados Unidos vão precisar de uma renovação do TPA para implementar a legislação resultante do acordo da Rodada Doha. Legalmente, não precisamos de um TPA até que seja o momento de mandar o projeto para o Congresso, mas claro que queremos ter essa certeza e tranqüilidade, tanto para nós como negociadores quanto para os parceiros comerciais. Um avanço na Rodada ajudaria a impulsionar a aprovação da TPA, mas já estamos de qualquer maneira pedindo a renovação ao Congresso.

Valor: Como sair do impasse na Rodada Doha?

Schwab: Na última vez em que falei com o Valor, foi logo depois da interrupção das negociações, e estávamos explorando com o Brasil diferentes caminhos para tentar retomá-las. Decidimos usar negociações bilaterais fechadas, conversas baseadas em hipóteses. Seria como eu e você sentarmos, sem alarde, e dizer, se eu pusesse isso na mesa, o que você colocaria? O foco é tentar saber os interesses exportadores prioritários, as maiores sensibilidades em importação, e usar essa informação para chegar à fórmula mais ambiciosa possível. No caso de serviços, isso significa negociações setoriais; em bens industriais, tanto a fórmula para todos quanto negociações setoriais. Em agricultura a mesma coisa, uma fórmula que afetaria todas as tarifas e tratamento diferenciado para produtos sensíveis. Seria uma combinação da fórmula geral com a setorial.

Valor: A senhora mencionou setores. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e a National Association of Manufacturers (NAM) dos EUA estão iniciando essas negociações. Quais seriam os setores mais adequados?

Schwab: Acho que é uma iniciativa maravilhosa da Fiesp e da NAM, reunir os CEOs e líderes empresariais para conversar sobre uma eliminação de barreiras comerciais mutuamente benéfica. Os Estados Unidos estão particularmente interessados em químicos, produtos eletrônicos, equipamentos hospitalares, produtos florestais, e bens industriais ambientais. Mas obviamente há uma negociação e o Brasil tem setores exportadores muito competitivos. Acredito que a indústria brasileira de pedras preciosas e joalheria estaria interessada num acordo setorial, acho que em químicos também. Então estou interessada em ouvir essas sugestões. E as duas indústrias se juntarem e depois fazer recomendações ao seus governos sobre áreas de interesse comum pode ser muito útil.

Valor: Porque a União Européia reagiu tão mal a essa iniciativa?

Schwab: Nós concordamos com a União Européia na necessidade de maximizar a abertura comercial em bens industriais. E o mais importante é a fórmula de corte de tarifas, a fórmula suíça, definindo coeficientes para países desenvolvidos e em desenvolvimento. As negociações setoriais são uma maneira de ir além, de atingir resultados mais ambiciosos em setores onde há uma massa crítica de países interessados. Acho que a Europa teme que as negociações setoriais minem as da fórmula. Eu entendo a posição deles, nós também não queremos isso. Mas a posição dos EUA é que as duas negociações podem ocorrer paralelamente.

Valor: O que os EUA precisam para reduzir mais seus subsídios agrícolas? Já existe uma previsão de redução de US$ 5 bilhões na atual legislação agrícola [farm bill]...

Schwab: Sempre defendemos que o acordo em Doha seja abrangente, ambicioso e equilibrado. No caso da agricultura, onde há os três pilares de negociação, subsídios domésticos, subsídios à exportação e acesso a mercado, é necessário equilíbrio entre os pilares. Nossa legislação agrícola tem um processo separado, e o projeto de lei para 2007 não incorpora a oferta ousada de redução que fizemos no âmbito da Rodada, em outubro de 2005. Nós já estamos procurando reformar o sistema de subsídios agrícolas por nós mesmos, porque é a coisa certa a fazer. Isso é diferente do que podemos fazer na Rodada em termos de compromisso de redução de subsídios. A chave para isso é equilíbrio, e precisamos ver mais acesso a mercados agrícolas na mesa antes de nos comprometer com outra nova proposta. Agora, há um ponto interessante, que é de interesse do Brasil.

Valor: Qual?

Schwab: O Brasil ganha de qualquer maneira, porque se beneficia tanto da redução de subsídios nos EUA como de maior abertura global para produtos agrícolas. Então, essa é uma oportunidade extraordinária. O papel brasileiro é ajudar-nos a abrir outros mercados para o comércio agrícola. O Brasil pode ser um líder crítico encorajando outros países desenvolvidos e em desenvolvimento a abrir mais seus mercados em agricultura.

Valor: A senhora refere-se à Índia?

Schwab: Índia, Japão... A Índia está no G-20 como o Brasil. Também está no G-33, grupo do qual o Brasil não participa, e que terá uma reunião em breve. E dada a liderança brasileira entre os países em desenvolvimento e seu relacionamento com a Índia, falando francamente, o papel do Brasil pode significar a diferença entre o fracasso e o sucesso da Rodada.

Valor: O que os Estados Unidos esperam da Índia?

Schwab: Ambição e equilíbrio, que eles recebam, mas também dêem. Todos nós ganhamos com uma Rodada bem-sucedida, e acho que a Índia precisa fazer sua parte. Claro que não terá que fazer tanto quanto um país desenvolvido. Mas até agora a Índia não sinalizou sua vontade de melhorar o acesso a mercado. Espero que isso mude, e o Brasil pode ajudar a Índia a entender porque é de seu interesse participar de um pacto ambicioso e equilibrado.

Valor: Os EUA podem chegar ao teto de US$ 12 bilhões em subsídios agrícolas proposto pelo G-20?

Schwab: Nossa posição oficial continua sendo o teto de US$ 22,5 bilhões proposto em outubro de 2005. Isso representaria um corte de 23% no total agregado e 63% na caixa amarela. Acho que não é realista esperar que os EUA façam mais se não houver significativo avanço em acesso a mercado, e consideramos que as ofertas de acesso até agora são insuficientes. A chave é que Brasil e EUA trabalhem juntos para abrir mercados agrícolas na União Européia, Japão e em países desenvolvidos "avançados" como Índia, China e Indonésia. Já dissemos quando apresentamos nossa proposta que aceitaríamos chegar a zero, se fossem eliminadas todas as barreiras ao comércio agrícola e houvesse um fluxo totalmente livre de commodities agrícolas. Mas você sabe isso que não vai acontecer. Então eu acho que a posição do G-20 é negocial, focada nos máximos cortes em subsídios internos e aumento mínimo no acesso a mercado. Mas acredito que estamos progredindo nos nossos "bilaterais baseados em hipóteses", acho que poderemos atingir um resultado mais realista. É bom lembrar que para nós a questão de subsídios também é ofensiva, a União Européia tem três vezes mais subsídios que os EUA.

Valor: A senhora vê prazos fatais para a Rodada?

Schwab: Não há prazos formais. A Rodada estabeleceu prazos várias vezes e não conseguiu cumpri-los. Então vocês não me ouvirão fixando prazos. Mas acho que há um sentimento de urgência agora entre os principais países e entre os membros da OMC. Nós temos uma janela de oportunidade aqui, por exemplo, enquanto a primeira-ministra Merkel [Angela Merkel, da Alemanha] é presidente da União Européia. Se não formos capazes de destravar a Rodada nesse período, acho que haverá um 'cansaço de Doha' e os países vão negociar acordos bilaterais e regionais, e desistir do sistema multilateral por um tempo. A boa notícia é que temos um estímulo, e a má notícia é que se não conseguirmos destravar a Rodada nos próximos meses, haverá mais acordos bilaterais e regionais. Para um país como o Brasil, cujo comércio é bastante equilibrado entre diversos continentes e países, como os EUA, o melhor é um acordo multilateral.

Valor: O presidente Bush declarou que os países não deveriam pressupor que os EUA estão sempre dispostos a acordos comerciais. Os EUA agora são protecionistas?

Schwab: Acho que não. O protecionismo é algo que sempre nos preocupa, as pressões por protecionismo. Mas se você olhar nossa nossa estrutura de tarifas, somos o país mais aberto do mundo. Tivemos no ano passado déficit comercial de US$ 764 bilhões, importamos US$ 2 trilhões, o que é uma clara indicação de quão aberto é o nosso mercado. Acho que o que o presidente quis dizer é que o mundo não pode achar que sempre estaremos lá para assumir as responsabilidades por todos. Nosso Congresso espera que nós negociemos acordos comerciais que tragam benefícios mútuos. As tarifas americanas são as mais baixas do mundo. Em produtos agrícolas, a tarifa média americana é de 12%, enquanto a média na UE é de 24% e a média global, 62%.

Valor: Os Estados Unidos negociarão um acordo de livre comércio com o Uruguai?

Schwab: É claro que tanto o Uruguai quanto os EUA querem aprofundar suas relações comerciais e de investimento. Então concluímos um tratado bilateral de investimento no fim do ano passado, e assinamos em janeiro um acordo de comércio e investimento (Trade and Investment Framework-TIFA). Em alguns casos os TIFAs viraram acordos de livre comércio, mas nem sempre isso ocorreu. Acho que são os países que decidem. E por enquanto não há uma decisão tomada.

Valor: Mas os EUA querem um acordo com o Uruguai ou não?

Schwab: Depende de muitos fatores. Primeiro precisaríamos de uma extensão da TPA, mas também há a questão do que o Uruguai e os EUA querem. Acho que essa não é uma resposta que possa ser dada em teoria, é uma questão de trabalhar nesse acordo atual para ver se há interesse em aprofundar as ligações econômicas a ponto de fazer um acordo de livre comércio.

Valor: O que vai mudar nos acordos bilaterais com o Peru e Colômbia para que eles sejam aprovados pelo Congresso dos EUA?

Schwab: Ainda não sabemos. Estamos dialogando com democratas e republicanos para ver quais mudanças ocorreriam nos capítulos de meio ambiente e relações trabalhistas que resultariam na aprovação dos acordos. Estamos sempre em contato com os países, porque não podemos acertar nada com o Congresso que não seja aceito por eles - é um diálogo triangular. Ainda não se sabe se isso resultará na reabertura dos acordos. Defendemos que eles não sejam reabertos, mas isso depende do tipo de mudança proposta. Quando tivermos essa definição trabalharemos com os governos de Colômbia e Peru para encontrar maneiras de incluir isso na legislação. Na questão trabalhista, a principal discussão é a aderência aos padrões da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Valor: Os EUA apoiariam a pretensão brasileira de classificar o etanol como bem ambiental?

Schwab: O etanol é uma commodity no quadro tarifário. Nós temos uma tarifa de importação e uma taxa adicional. A tarifa está sujeita a negociação da Rodada, mas a taxa adicional não. Quando você fala em bens ambientais, está referindo-se a bens industriais e não commodities agrícolas. Equipamentos para produzir energia limpa, reduzir emissões, etc. A definição do que é bem ambiental é sujeita à negociação.