Título: Pressão americana constrange Brasil
Autor: Landim, Raquel e Bautzer, Tatiana
Fonte: Valor Econômico, 12/03/2007, Brasil, p. A4

As negociações da Rodada Doha e a promoção do etanol dominaram as conversas entre o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, e o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, na sexta-feira em São Paulo. No encontro reservado, do qual participaram apenas quatro assessores de cada lado, Bush pediu a Lula que pressionasse a Índia, parceiro do país no G-20 pela conclusão da Rodada Doha, segundo fontes dos dois governos ouvidas pelo Valor.

No almoço de trabalho oferecido pelo presidente brasileiro, com 11 pessoas de cada lado, o tema principal foi o etanol. A Venezuela, presidida pelo polêmico Hugo Chávez, foi um tema acessório abordado na reunião fechada. Em seu giro pela América Latina, Bush esteve sábado no Uruguai, ontem na Colômbia e hoje na Guatemala. A última parada é o México.

Os americanos estão preocupados com a resistência da Índia, porque seus lobbies agrícolas só permitirão cortes significativos nos subsídios se conseguirem vender mais produtos agrícolas a mercados emergentes.

A solicitação de Bush causa constrangimento ao Brasil, que tem dificuldades para manter a unidade do G-20, grupo de países em desenvolvimento que pede o fim dos subsídios agrícolas. Criado após o fracasso da reunião de Cancun, o G-20 garantiu ao Brasil, um dos maiores produtores agrícolas, peso político suficiente para assumir um papel de protagonista na OMC.

Na coletiva concedida após o encontro, Lula, sem citar a Índia, respondeu ao colega americano. Ele disse que os EUA estão em uma situação vantajosa, porque negociam sozinhos, enquanto a União Européia fala por seus 27 países-membros e o Brasil faz parte do G-20, que inclui Índia, Argentina, África do Sul, entre outros. "Temos que convencer os países ricos e pobres", disse Lula. "Nós estamos aceitando o desafio". Segundo um importante negociador brasileiro, a Índia começará a se mover nas negociações quando perceber que os Estados Unidos e União Européia estão fazendo sua parte e quando estiverem na mesa importantes concessões em serviços, setor que interessa aos indianos.

Desde o início, a estratégia do Brasil foi não se indispor com o parceiro e esperar que os americanos pressionassem a Índia. Para os brasileiros, os EUA teriam maior poder de fogo, por conta dos acordos estratégicos com os indianos como a questão nuclear e o conflito com o Paquistão. O ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, estará essa semana na Indonésia para a reunião do G-33, países em desenvolvimento que estão preocupados com a abertura agrícola. Ele se encontrará com os ministros da Índia e da Indonésia.

Na entrevista coletiva, os dois presidentes procuraram dar ênfase à intenção de destravar a Rodada Doha. Lula ofereceu-se para participar de uma reunião de chefes de estado "em qualquer lugar do mundo". O presidente disse que Brasil e EUA deveriam ordenar a seus ministros que concluam um acordo o mais rápido possível. Bush aceitou o desafio dizendo que concordava em "trancar os ministros numa sala" para negociar. No entusiasmo com o assunto, Lula provocou constrangimento ao dizer que as negociações caminhavam para encontrar o "ponto G" do acordo.

Lula rapidamente marcou posição em defesa do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, sem mencioná-lo explicitamente. Afirmou que "todos os países da América do Sul têm governos eleitos com participação popular". Repetiu três vezes a expressão "todos os governos".

Nesse momento, a secretária de estado dos EUA, Condoleezza Rice, na platéia, fez uma anotação e mostrou ao assessor de segurança nacional de Bush, Stephen Hadley, sentado ao seu lado. Bush respondeu elogiando Lula como líder na região e dizendo que o Brasil é um "estado de direito". Depois de ir a Camp David ainda este mês para novo encontro com Bush, o presidente Lula se encontrará com Chávez na Venezuela em abril para uma reunião latino-americana sobre energia.

Bush preferiu não mencionar o nome de Chávez, apenas defendeu-se em uma pergunta sobre a falta de interesse da política externa americana na América Latina. O americano citou recursos de ajuda humanitária, investimentos e remessas de imigrantes morando nos EUA.

Numa pergunta posterior, Lula tomou a iniciativa de dizer a Bush que a região prefere discutir uma agenda de desenvolvimento ao invés de ajuda. Lula disse que a América Latina e os países pobres precisam de investimentos que gerem empregos e renda. O comentário de Lula lembrou o do presidente boliviano Evo Morales durante a última reunião de cúpula do Mercosul, em fevereiro, no Rio. Na ocasião, Morales disse a Lula que a Bolívia não precisava da "generosidade" do Brasil, mas de "justiça".

O memorando de colaboração entre Brasil e EUA sobre biocombustíveis foi genérico, recomendando desenvolver novos mercados consumidores e compartilhar pesquisa. Diz que a taxa de importação será tratada em outros fóruns. Bush foi bem explícito sobre redução de tarifas: "Isso não vai acontecer". O Congresso dos EUA estendeu a proteção até 2009. Lula admitiu que não esperava redução agora. "Se eu tivesse essa capacidade de persuasão, eu o convenceria de coisas que eu nem posso falar", brincou.