Título: Bolsa escola
Autor: Vieira, Catherine
Fonte: Valor Econômico, 14/03/2007, EU & Investimentos, p. D1

Aos 24 anos, José Pedro Pradez nunca tinha investido em ações e não sabia muito sobre o mercado. Recém-formado em engenharia pela PUC-Rio, ele aceitou uma espécie de estágio sem remuneração. Pelo menos não de imediato. Ele e outros quatro alunos da universidade aceitaram o convite da corretora Ágora para gerir uma carteira de ações de R$ 10 mil da própria corretora. Ao longo do caminho, eles aprenderiam sobre o mercado, contando com o material de apoio e os analistas da empresa, mas tomando as decisões.

O resultado surpreendeu. De maio a dezembro do ano passado, conseguiram bater o Índice Bovespa e agora Pradez já se aventura a aplicar o próprio dinheiro. "Não conhecia o mercado, mas tinha curiosidade, esse processo de poder aprender os mecanismos aos poucos, lendo diariamente os jornais e as análises, assistindo os programas da Ágora TV e fazendo reuniões mensais dá mais segurança do que chegar no escuro", conta.

Oportunidades de aprender devagar com o apoio de especialistas têm se tornado mais acessíveis aos estudantes, principalmente universitários. Além das entidades do mercado, como a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que têm programas de palestras gratuitas para esse público, corretoras e consultores vêm desenvolvendo projetos. O objetivo principal é fomentar o interesse e o conhecimento do mercado para rejuvenescer e diversificar o perfil dos investidores em ações.

Além da Ágora, que montou a parceria com a PUC, os professores e consultores Ricardo Silveira e Lilian Gallagher criaram há pouco mais de seis meses o site Universitários em Ação, voltado para estudantes das universidades e dos cursos livres sobre mercado nos quais ambos lecionam. O interesse tem sido tanto que eles já criaram um pequeno clube de investimentos com 42 participantes.

Para Lilian, mais do que os quatro anos de alta do Índice Bovespa, o que tem atraído muitos estudantes e novatos ao mercado é a queda da taxa de juro. "Antes era muito tranqüilo conseguir cerca de 1% ao mês de ganho, mas agora está impossível na renda fixa e as pessoas querem alternativas", diz ela.

Ex-private banker e professora da Universidade Estácio de Sá e de cursos oferecidos pela Associação Nacional das Instituições do Mercado (Andima), Lilian diz que ela e Silveira pensaram em fazer o site de forma independente. "O estudante tem pouco dinheiro para investir e muitas vezes exigem uma aplicação mínima alta para formar um clube com um bom material de apoio", explica Lilian. Segundo ela, muitas vezes as pessoas acabam entregando a carteira própria ou do clube para uma gestão de outros especialistas da corretora. "A nossa idéia é fomentar um clube de verdade, no qual os participantes se envolvem, trocam opiniões e informações para fazer as decisões de investimento", afirma.

Marco Mello, diretor de Pesquisa da Ágora, que acompanhou o projeto do grupo de estudantes da PUC, diz que não basta tentar atrair as pessoas de forma quantitativa, mas também qualitativa. "Queremos formar uma cultura mais consistente de mercado de capitais para esse público mais jovem, despertar um interesse verdadeiro pelos mecanismos do mercado e a melhor maneira para isso é a prática", avalia ele. "Separamos R$ 10 mil e abrimos vagas para alunos da PUC-Rio interessados em gerir esse capital por um período", conta Mello. Os dispostos ao desafio, João Engel, Pedro Paulo da Costa, Felipe Moutella e José Pedro Pradez vieram dos cursos de engenharia e economia, sem praticamente nenhuma experiência prévia, mas se saíram bem.

Pradez garante, porém, que não foi sorte de iniciante. "Ficamos um tempão analisando para escolher o primeiro investimento da carteira e, quando decidimos, compramos Confab e, logo em seguida, as ações caíram", lembra ele. "Mas não nos apavoramos, fomos nos desfazendo aos poucos e saímos em busca de outras oportunidades, que acabaram sendo mais bem sucedidas", diz.

O grupo costumava ler jornais e estudava relatórios dos analistas da corretora, além de se comunicarem por email e em reuniões mensais. Entre as restrições da carteira estava o veto ao uso da chamada alavancagem, por meio de operações com opções. Todas as operações foram no mercado à vista.

Segundo Mello, da Ágora, os destaques de rentabilidade foram os papéis da Usiminas e do Bradesco. "De maio a dezembro eles alcançaram rentabilidade de 29% contra cerca de 21,74% do Ibovespa", lembrou ele. Segundo Pradez, que trabalha atualmente numa organização não governamental (ONG), a experiência já levou pelo menos dois dos participantes do projeto a começar a aplicar suas próprias economias na bolsa de valores. "Tomamos gosto e nos sentimos mais seguros para aplicar de verdade", diz ele, que não teme tanto eventuais períodos mais turbulentos no mercado. "Começamos justamente na crise, em maio do ano passado, com acompanhamento, embasamento e cautela", conclui.

Segundo Melo, a experiência com o primeiro grupo de estudantes funcionou como projeto-piloto. "Ainda não temos um novo grupo porque queremos fazer algumas adaptações, talvez aumentar o número de participantes e sofisticar um pouco mais o projeto", diz ele, que ficou satisfeito com os resultados da primeira experiência.