Título: Crescimento na na Irlanda acirra as desigualdades
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 12/03/2007, internacional, p. A9

A Irlanda cresce de 1990 para cá a uma média superior a 6% ao ano, com desemprego muito baixo, mas há quem não esteja contente como modelo de desenvolvimento irlandês. Para o professor Peadar Kirby, do Dublin City College, o país tem um déficit social elevado apesar do forte crescimento recente, que se traduz num nível de desigualdade alto para os padrões europeus. Ele questiona também a qualidade dos empregos criados nos últimos anos. Um dos problemas, segundo Kirby, é que a dinâmica econômica dos últimos anos beneficiou muito mais uma pequena elite do que os mais pobres.

Para mostrar que a situação social na Irlanda deixa a desejar, Kirby cita um indicador que aparece na Pesquisa sobre Renda e Condições de Vida realizada pela União Européia (UE) desde 2003. Segundo o levantamento, 20,8% da população do país vivia em 2005 "em risco de pobreza", com uma renda inferior ao equivalente a 60% da mediana da renda nacional, um percentual superior aos 16% registrado nos 25 países que faziam parte da UE naquele ano, quando Bulgária e Romênia ainda não faziam parte do bloco. "Num país que experimenta um boom econômico, um quinto da população está ficando para trás", afirma Kirby. Para ele, um problema é que os gastos da Irlanda com proteção social são baixos: em 2002, as despesas do país para esse fim equivaliam a 15,9% do Produto Interno Bruto (PIB), muito abaixo da média de 27,4% nos 15 países que então faziam parte da UE, de acordo com números do Eurostat.

Kirby destaca ainda o que ocorreu desde o fim dos anos 80 com a fatia da renda nacional apropriada pelos salários. Em 1987, 71,2% da renda irlandesa ia para os salários, percentual que caiu para 57,2% em 2000, um percentual bem inferior aos 68,6% na União Européia (UE). A contrapartida desse movimento foi um aumento da participação dos lucros na renda nacional. "Os mais ricos foram mais beneficiados", diz ele, para quem isso se deu em grande medida devido ao modelo de baixos impostos adotado pela Irlanda, que favorece as empresas. As companhias instaladas no país pagam apenas 12,5% de imposto de renda sobre os ganhos não financeiros.

O consultor econômico do Congresso Irlandês de Sindicatos, Paul Sweeney, avalia que, com o boom econômico, a renda dos mais ricos andou de fato mais rápido que as dos mais pobres, mas diz que houve aumento na dos dois grupos. Ele acrescenta que a desigualdade seria muito pior sem o modelo de parcerias sociais adotado a partir de 1987, quando se iniciaram os acordos entre governo, sindicatos e empresários. A mais recente parceria, fechada em setembro do ano passado, prevê aumentos de 10% para os salários ao longo dos 27 meses seguintes. Esse percentual deve garantir um pequeno ganho real aos trabalhadores nesse período- em 2006, o índice de preços ao consumidor subiu 4%, e a variação não deve ficar muito diferente disso neste ano - a consultoria Economic and Social Research Institute (ESRI) prevê uma inflação de 3,9% para 2007.

Sweeney diz ainda que o boom econômico reduziu significativamente a taxa de desemprego. Desde 1990, nota ele, foram criados 986 mil postos de trabalho, um aumento de 87% no número total de empregos. Kirby reconhece que o crescimento teve um impacto muito positivo sobre o mercado de trabalho, reduzindo para pouco mais de 4% uma taxa de desemprego que no começo dos anos 90 estava na casa de 15%. Ele diz, porém, que a qualidade dos empregos criados muitas vezes não é das melhores. De 1998 a 2006, observa, o setor que mais gerou postos de trabalho foi o da construção civil, um segmento que não emprega mão-de-obra qualificada.

A visão de Kirby, é bom que se diga, vai contra o consenso em relação à Irlanda. A Economist Intelligence Unit (EIU), por exemplo, desenvolveu um índice de qualidade de vida que leva em conta nove fatores qualitativos e quantitativos para 2005: bem estar material, saúde, estabilidade política e segurança, vida familiar, vida comunitária, clima e geografia, segurança no emprego, liberdade política e igualdade entre homens e mulheres. Numa lista com 111 países, a Irlanda ficou em primeiro, seguida por Suíça, Noruega, Luxemburgo, Suécia e Austrália. O Brasil ficou em 39º .