Título: Estabilidade tornou inevitável a mudança na TR
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 12/03/2007, Opinião, p. A10

Mudanças no cálculo da remuneração da caderneta de poupança se tornariam inevitáveis em algum momento, após as seguidas quedas na taxa básica de juros. Mas havia espaço para adiar um pouco mais a decisão, o que daria maior estímulo à competição entre os bancos e possibilitaria a redução das assombrosas taxas de administração cobradas do investidor com quantias relativamente modestas de aplicação.

Na semana passada, o Conselho Monetário Nacional (CMN) decidiu, em reunião extraordinária, alterar parâmetros da fórmula de cálculo da taxa referencial (TR). Exercícios feitos pelo professor de matemática financeira José Dutra Sobrinho, publicados pelo Valor, apontam que, em algumas situações, haverá uma redução de 5,5% no rendimento da caderneta de poupança. O Banco Central sustenta que o corte da remuneração da caderneta é justificado para evitar desequilíbrios entre as aplicações financeiras. O receio é que recursos hoje aplicados em fundos de investimentos migrem em massa para a poupança.

Nessas ocasiões, os grandes investidores - os mais bem informados - são os primeiros a mudar suas posições. Como 65% dos recursos captados na poupança devem ir obrigatoriamente para financiamentos imobiliários, o CMN quer evitar que recursos voláteis lastreiem empréstimos de longo prazo.

O governo foi criticado porque a resolução do CMN beneficia os banqueiros. O argumento é que os recursos migrariam para a caderneta não porque a TR é elevada, mas porque as altas taxas de administração cobradas pelos bancos engolem um bom pedaço da remuneração dos fundos. Com a mudança, o CMN permitiu que os fundos continuassem a operar com elevadas margens.

É fato que, mesmo depois da mudança da TR, a caderneta permanece competitiva, em alguns casos. O pequeno poupador, por exemplo, foi preservado. É o que mostram exercícios feitos por Alexandre Espírito Santo, da Avanti Gestão de Recursos, publicados pelo Valor. Com a nova fórmula de cálculo da TR, a poupança rende 0,6885% em março, percentual que supera fundos de varejo de curto prazo. Em aplicações de até seis meses, para que um fundo ganhe da poupança, deve cobrar taxa de administração de menos de 2%. Taxas desse nível só estão disponíveis, em alguns bancos, em fundos com aplicação inicial a partir de R$ 20 mil. Os bancos, porém, continuam a cobrar taxas de administração de até 4%, sobretudo naqueles fundos que aceitam depósitos iniciais de até R$ 500.

Se a fórmula de cálculo da TR não tivesse mudado, os pequenos investidores teriam um motivo a mais para sair dos fundos. O risco, nesse caso, seria criar incentivos para os grandes investidores rearrumarem seus portfólios, o que seguramente causaria movimentos desestabilizadores.

Ao tomar sua decisão, o CMN estava diante de um ajuste fino. A opção do governo foi por ser mais conservador, mas exagerou na dose. Sabe-se que os bancos oferecem taxas de 0,5% ou menos para os grandes investidores. Portanto, seria possível o CMN, por exemplo, fazer com que a caderneta fosse mais rentável que os fundos que cobram taxas de administração de 1% ou mais, sem provocar desequilíbrios no sistema.

Todas essas considerações conjunturais não eliminam a necessidade de se discutir desde já o futuro do Sistema Financeiro da Habitação. A indexação na caderneta e nos contratos habitacionais foi criada na década de 1960, quando a inflação alta inviabilizava operações financeiras de longo prazo. A isenção de Imposto de Renda foi dada para fomentar um setor essencial que, sem incentivos, não existiria. O teto de juros de 6% na poupança nasceu em um contexto de altas taxas, que tornavam impraticável o financiamento imobiliário.

Hoje, com inflação baixa, juros decrescentes e o nascimento de um mercado de capitais de longo prazo, todo esse arcabouço deve ser repensado em favor de um regime que, a exemplo de outras economias maduras, privilegie forças de mercado. Ou seja, que, de um lado, dê liberdade para os mercados fixarem preços e condições, mas, de outro, assegure que haja competição.