Título: Supremo, repercussão geral e tributos
Autor: Scaff, Fernando Facury
Fonte: Valor Econômico, 12/03/2007, legislação e tributos, p. E2

No Brasil a discussão sobre a constitucionalidade de uma lei pode ser feita de forma concentrada (pelos poucos legitimados pelo art. 103 da Constituição Federal), ou através do controle difuso (quando pessoa, física ou jurídica, nacional ou estrangeira, pode atacar a constitucionalidade de uma norma).

No controle difuso, para que o debate chegue ao Supremo Tribunal Federal é necessário que da decisão proferida pelo Tribunal " a quo " seja interposto um recurso, conhecido como " recurso extraordinário " , cabível apenas quando contrariar norma constitucional; declarar a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal; julgar válido ato de governo local contestado em face da Constituição. A hipótese constante da letra " d " do art. 102, III, CF não se configura como um caso de controle de constitucionalidade.

Este mecanismo foi alterado pela Emenda Constitucional 45, de 2002, regulamentada, através da Lei 11.418, de 19/12/2006, já em vigor, que passou a exigir a demonstração de " repercussão geral " para o cabimento do recurso extraordinário, ao lado do preenchimento dos demais requisitos acima referidos. A idéia central da alteração foi introduzir uma fórmula através da qual o STF possa estabelecer quais recursos extraordinários analisará. A recusa ao recebimento do Recurso Extraordinário sob o fundamento da falta de fundamentação da " repercussão geral " só pode ocorrer pela manifestação de 08 Ministros.

O conceito de " repercussão geral " foi definido pela lei como " a existência ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa " . Ou seja, algo que extrapole o singelo interesse das partes litigantes, para se caracterizar como um debate de interesse público, nos aspectos descritos na definição legal.

A existência da " repercussão geral " deverá ser demonstrada na preliminar do Recurso Extraordinário. A decisão de seu cabimento será de exclusiva alçada do STF, em decisão irrecorrível.

A decisão de mérito que vier a ser proferida neste sistema de repercussão geral terá " efeito vinculante " pois " valerá para todos os recursos em matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo revisão da tese " . Havendo multiplicidade de recursos, fundados na mesma controvérsia, o Tribunal de origem deverá encaminhar ao STF um ou mais recursos representativos do debate, à sua escolha, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo. Surgem daí duas possibilidades:

Primeira: caso o STF entenda não existir a repercussão geral alegada, todos os recursos sobrestados deverão ser considerados automaticamente como não admitidos.

Segunda: o STF admite a repercussão geral e decide o mérito do(s) Recurso(s) Extraordinário(s) que tiver apreciado. Neste caso os recursos sobrestados poderão ser declarados nos Tribunais de origem como prejudicados, ou haver retratação.

-------------------------------------------------------------------------------- Após o advento da " repercussão geral " no Brasil, qual papel remanescerá com o Senado Federal? --------------------------------------------------------------------------------

A força que este artigo atribuiu ao STF é algo sem paralelo no Brasil democrático ou autoritário. Pode ser considerada nula uma decisão proferida por um Tribunal em desacordo com a orientação firmada. É algo como uma ação rescisória coletiva de ofício, sem processo específico. De uma penada pode-se fazer cair por terra decisões de Cortes Estaduais ou Federais, proferidas na culminância de um processo de trâmite ordinário, em detrimento do Princípio do Juiz Natural.

Não se pode deixar de lembrar a semelhança deste preceito com o que foi criado em abril de 1977, por Emenda Constitucional à Constituição de 1967, denominado de avocatória, através da qual incumbia ao STF processar e julgar originariamente " as causas processadas perante quaisquer juízos ou Tribunais, cuja avocação deferir a pedido do Procurador-Geral da República, quando decorrer imediato perigo de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou às finanças públicas, para que se suspendam os efeitos de decisão proferida e para que o conhecimento integral da lide lhe seja devolvido. "

No caso da repercussão geral constata-se que o poder atribuído ao STF é muito mais amplo e forte, uma vez que esta Corte pode, independentemente de qualquer ação a ser interposta pelo Procurador Geral da República, determinar a interpretação de uma norma constitucional e impô-la a todos os processos em controle difuso de constitucionalidade.

Isto é mais do que uma Súmula Vinculante; é uma decisão única, tomada por 06 dos Ministros (maioria absoluta de um total de 11), que pode desfazer as decisões adotadas pelos Tribunais de todo o país. Apenas para o juízo de admissibilidade é que são necessários 08 votos. É um poder jamais visto no Brasil nas mãos do STF.

Até antes da introdução do requisito da " repercussão geral " acima relatado, entendia-se que no controle difuso, mesmo tendo sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal uma determinada norma, ela só deixaria de vigorar " entre as partes litigantes " , e não " para todos " . Para que o efeito se tornasse " para todos " , o Senado teria que usar da atribuição que lhe concede o art. 52, X, da Constituição e expedir uma Resolução para " cessar os efeitos " daquela norma. Tal procedimento não é jurisdicional, mas político do Senado, o que implica em dizer de sua facultatividade, ou quando, no máximo, de um Poder-Dever, não existindo prazo para que esta atividade seja exercida.

O Ministro Gilmar Mendes votou na Reclamação 4.335-5 no sentido de que ao Senado cabe apenas dar publicidade às decisões do STF, que possuem desde logo efeitos " para todos " . Porém, após o advento da " repercussão geral " , qual papel remanescerá com o Senado Federal? No máximo, caso não prevaleça a tese apontada pelo Ministro Gilmar, caberá ao Senado apenas fazer " cessar os efeitos " das normas declaradas inconstitucionais pelo STF, em controle difuso, assim proclamadas antes do advento da " repercussão geral " . Após seu advento, quando o STF negar " a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente " , ou ainda, " quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia (...) os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos " .

A importância desse mecanismo para as discussões tributárias e previdenciárias no Brasil é algo que ainda não foi devidamente dimensionado pelos operadores jurídicos. Este um novo desenho jurídico pode se constituir no ocaso do sistema difuso de controle de constitucionalidade no Brasil.