Título: Brasileiros migram em busca do 'sonho chinês'
Autor: Landim,Raquel
Fonte: Valor Econômico, 10/04/2007, Especial, p. A12

Raphael Gunther/Valor Mauro Santos, gestor de qualidade, desembarcou na China em 1995, quando integrou o primeiro time da Embraco no país, e morou 10 anos em Pequim Ex-piloto da Varig, Rodrigo Maroco, 44 anos, está de malas prontas para voar para a China. Dessa vez, levará na bagagem muito mais do que a pequena valise que o acompanha em suas muitas viagens pelo mundo. Ele planeja mudar para Xangai e começar a voar pelos céus do território chinês. Maroco já fez entrevista, teste psicotécnico e exame com simulador de vôo. Falta apenas um certificado do governo do país para que possa ser admitido pela Shangai Cargo, uma recém-criada empresa de transporte aéreo de cargas.

Maroco conta que já visitou alguns condomínios de apartamentos em Xangai, que lembram a Barra da Tijuca, bairro do Rio de Janeiro, onde vive hoje. Ele vai para a China acompanhado da esposa, mas deixará no país as duas filhas do primeiro casamento. Presidente do sindicato de pilotos da Varig, empresa onde trabalhou desde 1986, Maroco foi buscar outros caminhos depois da crise. Diz que muitos companheiros encontraram oportunidades em países emergentes, que não restringem a imigração como Estados Unidos e a União Européia.

O piloto vai se juntar aos cerca de 3,5 mil compatriotas que vivem na China hoje, conforme estimativa da Embaixada do Brasil em Pequim. Esses brasileiros moram a 18 mil quilômetros de casa, com uma diferença de 11 horas de fuso para os parentes. A distância é um limitador óbvio, mas está aumentando o número de pessoas que vão para o outro lado do planeta buscar oportunidades em um país que cresceu 10% em 2006.

A emigração para a China é um fenômeno diferente daquele que atrai um número muito maior de pessoas para os países desenvolvidos. Dados do Itamaraty indicam que vivem hoje 1,3 milhão de brasileiros nos EUA e 280 mil no Japão. Eles mandaram para casa US$ 1,9 bilhão entre janeiro e novembro de 2006, ou 80% do total que o país recebeu de seus cidadãos que trabalham no exterior, conforme o Banco Central. Alguns possuem diploma universitário, mas optam por trabalhar como garçom, pedreiro ou babá para "fazer um pé-de-meia" e voltar. Na China, a lógica é outra. Com uma população de 1,3 bilhão de pessoas, o país possui abundância de mão-de-obra sem qualificação e precisa de profissionais bem preparados para seguir crescendo.

Estimulados pela promessa de sucesso profissional, os brasileiros que vão para a China superam barreiras como idioma, comida ou distância. "Trata-se de uma mão-de-obra bastante qualificada", diz o embaixador do Brasil em Pequim, Luiz Augusto de Castro Neves. Na China, esses imigrantes chegam a ganhar até três vezes mais do que no Brasil para exercer a mesma função. O perfil é variado: executivos de companhias brasileiras e multinacionais, empresários que abrem seu próprio negócio, técnicos e alguns estudantes. Em comum, o gosto pela aventura.

Levantamento da embaixada do Brasil em Pequim aponta 44 companhias brasileiras com representação fixa na China, como Embraco, Embraer, Petrobras e Sadia. A lista também inclui dois bancos - Banco do Brasil e Itaú - dois escritórios de advocacia e quatro restaurantes. "O número de executivos brasileiros na China é pequeno, porque ocupam posições de diretoria e chefia", diz Rodrigo Tavares Maciel, secretário-executivo do Conselho Empresarial Brasil-China.

Os executivos brasileiros que vivem na China chegaram ao país por três caminhos diferentes. Muitos foram abrir o escritório de representação da companhia em Pequim ou Xangai. Outros foram transferidos para trabalhar na joint-venture que a companhia brasileira firmou com a sócia chinesa. E ainda há os profissionais de alto "know-how", que receberam um convite da multinacional onde trabalham para atuar na filial chinesa durante um período.

É nessa última descrição que está Renato Costa, 46 anos, que trabalhava com diretor do centro de distribuição de peças da General Motors, em Sorocaba, interior de São Paulo. No ano passado, recebeu uma oferta para ser diretor de armazenagem e distribuição da GM Ásia/Pacífico - um desafio e tanto, já que a GM é a maior montadora da China, o país em que a indústria automobilística mais cresce no mundo.

"Aceitei o convite na hora, sem nem mesmo conhecer o país", diz Costa. Em Xangai desde julho de 2006, acompanhado da mulher e da filha, ele conta que esperava encontrar uma metrópole como São Paulo ou Nova York, mas ficou impressionado com o contraste entre a modernidade e os resquícios da China tradicional.

O executivo diz que o novo cargo exige flexibilidade para se adaptar aos vários fusos horários. Para se comunicar com Europa e EUA, Costa participa de reuniões telefônicas até 11 horas da noite. Apenas dentro da Ásia, o fuso chega a cinco horas da Austrália a Índia. A tecnologia facilita a tarefa, pois permite estar sempre conectado. "Posso fazer uma reunião de casa às seis da manhã, tomar o café com a família, e chegar no escritório às nove", diz.

Os brasileiros que vivem na China relatam que são as atividades do dia-a-dia que representam o maior desafio. A maioria das pessoas entrevistadas para essa reportagem aponta o idioma como a principal barreira. Nas ruas, não é possível decifrar nenhuma placa. Costa conta que tirar dinheiro em um caixa automático com as instruções em mandarim pode se transformar em uma batalha.

Tomar um táxi ou ir a um restaurante também são tarefas difíceis para quem não fala o idioma. Na carteira de Maroco está guardado um papel com o nome de quatro pratos escritos em mandarim: frango ou bife, arroz e legumes. Para Costa, o importante é manter o bom humor. "É preciso ter a capacidade de rir quando você chega em casa e descobre que aquele produto que comprou no supermercado não é o que pensava", diz.

Mauro Santos, 46 anos, funcionário da Embraco, viveu na China durante a última década e voltou para o Brasil há seis meses. Ele relata que, com o tempo, é possível se adaptar ao idioma e à comida. Sua principal dificuldade na vida pessoal era o fuso horário. "Qualquer urgência, você está, no mínimo, a 36 horas de casa", diz ele. "Não é possível viajar em um feriado de quatro ou cinco dias. Ir ao Brasil, no máximo, duas vezes por ano."

Ele desembarcou na China pela primeira vez em 1995. Santos fez parte do primeiro time da Embraco que chegou ao país depois da joint-venture com a chinesa Snowflake. Como a "etiqueta" dos compressores passaria a ser Embraco, a companhia enviou um time para verificar a qualidade do produto. O executivo atravessou um período de idas e vindas entre China e Brasil até que veio o convite definitivo para se tornar gestor de produtos e qualidade no país. Santos ocupou também o cargo de gestor de materiais. A esposa, Lilian, topou a mudança. Professora de inglês, aproveitou a oportunidade para aprender mandarim e encontrou um mercado de trabalho significativo, prestando serviços para grandes empresas e bancos no Brasil.

O casal se mudou para uma região em Pequim próxima à fábrica da Embraco. Em 1995, quando os carros eram raros na China e muitas pessoas andavam de bicicleta, Santos demorava 15 minutos até o trabalho. No ano passado, devido ao trânsito intenso, o tempo gasto no trajeto aumentou para uma hora e meia.

Santos assistiu a um período de transformação econômica da China e ao surgimento de uma classe média no país. Ele lembra que, em 1995, a China era desorganizada e burocrática. Executivos que chegam hoje encontram um país ágil e desafiador. "Uma coisa é evidente: quando existe vontade política, a execução é rápida, não existe economia de recursos e os resultados impressionam", diz Costa, da GM.

No início, relata o executivo da Embraco, era difícil fazer amigos na China. Ele ficava constrangido, por exemplo, em convidar amigos chineses para visitarem sua casa, já que as condições de vida dele eram muito melhores do que a dos colegas. Hoje, o abismo que separa os imigrantes dos chineses começou a diminuir. Santos deixou em seu lugar uma engenheira chinesa que atuou como seu braço direito por nove anos. Ela aprendeu todo o "know-how" do trabalho na Embraco e, junto com o marido, comprou um apartamento e um carro. Provavelmente, a China não precisará de tanta mão-de-obra qualificada assim no futuro.