Título: Europeus largam na frente
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 12/03/2007, Especial, p. F1

Em um ano no qual o risco-Brasil caiu 38,25%, as companhias brasileiras aproveitaram os custos de captação externa mais baixos da história e o câmbio forte para se internacionalizar. Outras compraram empresas no país. O financiamento a essas aquisições trouxe uma verdadeira reviravolta no "Ranking Valor de Captações Externas" de 2006. Pela primeira vez em seis anos de existência do ranking, o líder foi um banco de capital europeu: o holandês ABN Amro.

Em 2006, diferentemente dos anos anteriores, não foram as operações do governo federal que determinaram qual seriam os bancos vencedores. Foi a Companhia Vale do Rio Doce - com o empréstimo de US$ 18 bilhões, o maior da história dos mercados emergentes, tomado para comprar a Inco, e os US$ 3,75 bilhões em eurobônus emitidos para rolar o empréstimo, em uma chamada operação de "take out" - que definiu as primeiras colocações no ranking.

O ABN Amro, no entanto, não se limitou a realizar essas duas captações. Liderou no total outros US$ 3,680 bilhões em captações externas para governo, empresas e bancos no Brasil, totalizando US$ 25,430 bilhões. O banco foi líder no ranking do Valor não apenas em volume, mas também em número de operações. Esteve à frente de um total de 13 empréstimos sindicalizados (dos quais participam mais de um banco) e bônus, em um mercado concorrido que chegou a US$ 48 bilhões, recorde histórico absoluto, com aumento de 46% em relação a 2005.

Como não poderia deixar de ser, o segundo, o terceiro e o quarto colocados no ranking de 2006 - UBS Pactual, Santander e Credit Suisse, respectivamente - também lideraram o empréstimo-ponte e os eurobônus de "take out" da Vale, pois, considerando-se somente essas duas operações, o valor liderado vai a US$ 21,75 bilhões.

O UBS Pactual esteve à frente de US$ 24,281 bilhões e conseguiu também a primeira posição em importante sub-ranking, o de bônus, por líder, que deixa de fora os empréstimos. Já o Santander liderou US$ 23,975 bilhões. O Credit Suisse, ao liderar US$ 23,250 bilhões, ficou como primeiro colocado do sub-ranking de bônus corporativo", que exclui os empréstimos e as operações feitas pelo governo federal.

O Citigroup, que vai virar Citi, também merece destaque. O maior banco do mundo em valor de mercado não participou como líder da operação da Vale para comprar a Inco. Mas, excluídos o empréstimo e o bônus tomados pela Vale para este fim, o Citi - que já ganhou a primeira colocação no "Ranking Valor de Captações Externas" duas vezes - foi o primeiro colocado novamente em 2006. O banco liderou um total de US$ 5,993 bilhões no ano passado, 36% a mais do que os US$ 4,401 bilhões de 2005.

Consolidando sua posição, o Grupo Itaú ganhou pelo terceiro ano consecutivo como líder em captações externas entre os bancos nacionais, com US$ 434 milhões realizados. O Deutsche realizou US$ 4,515 bilhões no mercado externo e conseguiu a quinta colocação no "Ranking Valor de Captações Externas" em 2006. O banco de capital alemão foi também o primeiro colocado no sub-ranking de bônus, por líder, quando excluídas as operações da Vale para a compra da Inco.

O JPMorgan, líder no "Ranking Valor de Captações Externas" de 2005 e de 2002, ficou na sétima colocação em 2006, com US$ 4,193 bilhões em operações de captações externas lideradas para o Brasil. Mas, conseguiu a primeira posição no sub-ranking de bônus, excluídas as operações da Vale para a compra da Inco e da República. Também saiu à frente, junto com o Citi, no sub-ranking de captações em euros, ienes e reais. O banco português Finantia foi o que mais galgou posições em 2006, foi o 20º colocado e subiu 17 postos em relação ao 37º de 2005.

A Vale, como era de se esperar, foi a primeira colocada no ranking de emissores/tomadores de dívida. A empresa foi responsável por US$ 23,56 bilhões em captações externas em 2006, exatos 49% do total captado pelo Brasil no mercado internacional. Em meio à oferta de recompra antecipada de eurobônus, em janeiro, emitiu bônus de US$ 1 bilhão. Depois, tomou um empréstimo "stand-by" (funciona como uma espécie de cheque-especial) de US$ 500 milhões e um pré-pagamento à exportação de US$ 310 milhões. Para comprar a Inco, foram US$ 21,75 bilhões.

O Grupo Votorantim, o líder do ranking de emissores/tomadores por dois anos consecutivos, foi para a segunda colocação no ano passado, com US$ 2,942 bilhões obtidos no exterior. Excluída a operação para a compra da Inco, o Votorantim foi o grupo que mais tomou empréstimos em 2006. A Petrobras retomou posição de destaque, com um total de US$ 1,91 bilhão captado e a segunda colocação no ranking de maiores emissores de bônus.

O governo federal, com US$ 5,271 bilhões obtidos, foi responsável por apenas 11% do total captado no mercado externo, a menor fatia desde os 3,56% de 1996. Em 2005, a República havia captado US$ 13,185 bilhões - 40% do total.

O mais impressionante foi o crescimento no mercado de empréstimos externos, de 169% na comparação com 2005. No total, entraram no caixa das empresas e bancos do Brasil US$ 28,09 bilhões em crédito bancário externo em 2006, na comparação com US$ 10,43 bilhões de 2005, já um recorde histórico. Até os bancos de investimento mais agressivos, não acostumados ao crédito, passaram a oferecer empréstimos-ponte para aquisições, para depois liderar as operações de "take-out".

Além das captações para aquisições de outras empresas, uma grande onda de "liability management", ou gerenciamento de passivos, tomou conta do mercado. O governo federal, que está para virar grau de investimento (selo de investimento não-especulativo das agências de rating), e as grandes empresas nacionais, que já estão nessa categoria, pagaram antecipadamente empréstimos e bônus mais caros, que foram trocados por outros com juros mais baixos. O Grupo Votorantim chegou a tomar quatro empréstimos de US$ 2,36 bilhões para este fim, sendo, de longe, o líder da "liability management" em 2006.

No mercado de bônus, a queda do risco-Brasil para níveis recordes de baixa, o tombo nos juros pagos pelas empresas que viraram grau de investimento e a procura por rendimento maior do que os oferecidos por títulos dos países ricos fizeram os investidores aceitarem cada vez mais risco. Empresas e bancos novatos passaram a captar por prazos longos e volumes maiores. Uma verdadeira onda de emissão pelos bancos médios de títulos de dívida subordinada, que entra como capital no balanço, tomou conta do mercado.

O movimento no mercado de bônus para empresas e bancos também foi forte. No ano passado, foram obtidos US$ 14,66 bilhões pelas corporações financeiras e não-financeiras brasileiras, 60% a mais do que os US$ 9,185 bilhões de 2005. Mas, por causa da queda de 60% no total captado pelo governo federal, o Brasil acabou emitindo menos títulos no exterior em 2006: US$ 19,931 bilhões, uma queda de 11% com relação aos US$ 22,37 bilhões de 2005.