Título: Atitude do governo divide opiniões de especialistas em política externa
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 16/02/2007, Brasil, p. A4

A atitude do governo brasileiro - que cedeu às pressões da Bolívia e reajustou o preço do gás pago pela Petrobras - dividiu os especialistas em política externa. Alguns condenam a postura do Brasil, que "aceitou a chantagem" e "agiu por afinidade ideológica", enquanto outros afirmam que é preciso "paciência" e que o país não pode agir como uma "potência imperialista".

Sérgio Amaral, ex-ministro do Desenvolvimento na administração de Fernando Henrique Cardoso, afirma que o atual governo agiu mais por afinidade ideológica do que por motivos concretos. "Não encontro outra explicação", diz, já que os preços do gás estão em queda no mercado internacional.

Ele está preocupado com a atitude do governo brasileiro, que criou um ambiente de ruptura de contratos na região, e diz que o Brasil errou ao não manter a discussão a nível técnico. Amaral afirma que a melhor forma de o Brasil ajudar a Bolívia é investir na extração do gás natural. "Ainda que algumas reivindicações sejam legítimas, país não pode ceder à pressão e chantagem."

Para Rubens Barbosa, presidente do conselho de comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), "a questão não é política, mas é econômica". Ele afirma que o que interessa é o preço final e que as empresas deixarão de optar pelo gás se houver abuso no reajuste do preços.

Ex-embaixador do Brasil em Washington, Barbosa lembra que as empresas foram incentivadas pelo governo a substituir o óleo combustível pelo gás. "Se o preço subir muito, vão trocar de novo. Não adianta a Bolívia forçar para maximizar esse aumento", ressalta.

Maria Aparecida Aquino, professora de história contemporânea da Universidade de São Paulo (USP), não concorda que a discussão deveria ter sido mantida no nível técnico. "Não dá para separar o técnico do político", diz.

Ela analisa que o Brasil cedeu às pressões bolivianas por dois motivos. O primeiro é econômico, já que depende do gás fornecido pelo país. O segundo é de coerência política. "O Brasil não pode agir de forma imperialista com os países desenvolvidos já fizeram no passado", diz.

Outro ponto importante, na avaliação da professora da USP, é o país não pode se distinguir da movimentação que acontece em toda a América Latina em direção à esquerda. Ela também ressalta que o acordo é positivo, porque obrigará o país a investir para aproveitar melhor o gás que compra da Bolívia.

José Botafogo Gonçalves, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), avalia que, do ponto de vista prática, a relação com a Bolívia recomenda uma certa "flexibilidade". Ex-embaixador do Brasil em Buenos Aires, Gonçalves diz que, no curto prazo, o país está dependente do gás da Bolívia.

No médio e longo prazo, a situação também recomenda que o Brasil seja "paciente". Gonçalves enumera os motivos: o Brasil tem interesse em vender produtos para a Bolívia; possui uma ampla fronteira terrestre com o país, e a Bolívia é importante para garantir o fornecimento de energia não só para o Brasil, mas também para Argentina e Chile.

"O fato de a Bolívia ser um país miserável recomenda mais paciência", diz Gonçalves. "Podemos querer um vizinho como a Noruega, respeitando os contratos. Mas temos que lidar é com a Bolívia", completa. Na avaliação do ex-embaixador, esses pequenos sobressaltos na relação Brasil-Bolívia tendem a se repetir muitas vezes.