Título: Justiça dos EUA cria um dilema para a irredutível Cristina
Autor: Webber, Jude; Wigglesworth, Robin
Fonte: Valor Econômico, 26/11/2012, Internacional, p. A12

Como se dizia de Margaret Thatcher, esta senhora não é de voltar atrás. Na semana passada, em que enfrentou uma greve geral na Argentina, a presidente Cristina Kirchner, bradou: "A mim, ninguém faz correr, muito menos com ameaças, pressões e intimidações de gangues".

A julgar pela reação furiosa de seu governo ao veredicto de uma corte nova-iorquina ordenando que Buenos Aires pague US$ 1,33 bilhão até 15 de dezembro aos detentores de bônus inadimplentes, ela inclui o juiz Thomas Griesa entre os alvos da declaração.

A presidente fez do confronto uma marca de seu governo: com os agricultores, em uma batalha sobre as tarifas de exportação em 2008; com a classe média, em dois grandes protestos desde setembro; com a Repsol, da Espanha, na estatização da YPF neste ano; com o Reino Unido, pelas Malvinas; e, agora, com os sindicatos, na greve geral da semana passada.

A menos que aconteça alguma mudança inesperada, Cristina parece determinada a seguir outro jogo dramático do tipo "dobre a aposta ou desista", desta vez em nome da soberania econômica nacional.

As apostas são altas: apesar de ter disposição e capacidade de pagar aos detentores de 93% da dívida que a Argentina deixou de honrar em 2001, e que seu governo e o de seu antecessor, Néstor Kirchner, já falecido, reestruturaram em 2005 e 2010, o país corre o risco de um novo calote.

Isso nunca esteve nos planos de Cristina. Ela fez questão de reduzir o endividamento e pagar religiosamente, embora, de qualquer forma, tivesse outra prioridade em mente para o próximo mês: estava mais preocupada com o dia 7 de dezembro, data em que o governo sustenta que o Clarín, maior grupo de mídia do país, precisa apresentar uma proposta para cumprir a nova lei de mídia, para não ser desmembrado à força.

De fato, havia até conversas sobre um comício organizado pelo governo para celebrar a vitória sobre o grupo, que costuma se expressar sem rodeios e que o governo acusa regularmente de mentir.

Agora, com a fragata de treinamento da Marinha argentina ainda detida em Gana, a pedido do mesmo fundo hedge, o Elliott Capital Management, que foi favorecido pelo veredicto do juiz Griesa, o sentimento pré-festivo foi esvaziado.

O governo e muitos observadores locais consideram a decisão do juiz por demais emocional e afrontosa. Ele disse que a Argentina havia sido alertada sobre "violações flagrantes e intencionais de contratos" e "declarações inflamadas de que as decisões judiciais não seriam obedecidas", mas que as "ameaças de desafio [do país] não podiam passar despercebidas".

"Quanto menos tempo for dado à Argentina para preparar meios de evasão, mais garantia há contra tal evasão", disse o juiz ao explicar por que ordenou o pagamento aos fundos americanos, apelidados de "fundos abutres" por Buenos Aires, seguindo o mesmo cronograma dos detentores de bônus reestruturados, embora seu veredicto ainda esteja sujeito a recurso.

A Argentina apenas teve o que merecia, segundo Hans Humes, presidente do fundo hedge Greylock Capital, que foi co-presidente do comitê de detentores de bônus da Argentina após o calote de 2001. "Quando se foi tão desrespeitoso com as cortes, o que você esperaria que [o juiz] Griesa fizesse? [...] Se surgirem problemas no mundo das dívidas soberanas, azar [...] a Argentina deveria ser censurada por ser um país e um devedor desonesto", disse. "Cristina vai ter que jogar a toalha ou ir para a [tática de] terra arrasada. De uma forma ou de outra, ela já era."

"Terra arrasada" significaria recorrer a outro calote e ao status de pária financeiro internacional. Seria uma perspectiva nada atraente para uma presidente que gostaria de entrar para a história por enfrentar o establishment - os países ricos e instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI), que Cristina vê como querendo mandar em sua nação - e tê-lo vencido.

Desistir é ainda menos provável. Os argentinos ainda se envergonham das imagens de Fernando de la Rúa fugindo da Casa Rosada, a residência presidencial, em helicóptero, depois dos protestos, com vítimas fatais, de dezembro de 2001.

De todo modo, e apesar do índice de popularidade ter caído pela metade, para 35%, desde sua vitória esmagadora na reeleição há um ano, Cristina continua como a força política mais sólida do país. Ela não avalizou nenhum sucessor publicamente. Os partidos de oposição estão divididos. Mesmo os dissidentes de seu próprio movimento peronista carecem de seu poder de atração pública.

Em termos práticos, um calote apenas intensificaria o isolamento dos mercados de capitais internacionais que a Argentina vem sendo forçada a aceitar desde 2001, o que a forçaria a depender ainda mais de seus próprios meios. O problema é que os cofres do país estão tensionados. O economista Daniel Artana, do centro de estudos Fiel, diz que os gastos públicos decolaram de 27,5% para 43,5% do Produto Interno Bruto (PIB), entre 2003, ano em que Néstor Kirchner assumiu o governo, e 2011, somando agora cerca de US$ 200 bilhões.

Cristina impôs certas restrições para manter seu modelo econômico estatista em andamento - sobre as importações, sobre as compras de moedas estrangeiras para estancar a fuga de capitais e sobre os pagamentos de dividendos para incentivar os investimentos domésticos - e afirma que suas políticas reduzem a pobreza e criam empregos.

Ela estatizou fundos de pensão e os usou, assim como as reservas do banco central, para financiar suas políticas heterodoxas "nacionais e populares". O crescimento, no entanto, desacelerou-se e a inflação continua teimosamente alta, em 25% ao ano.

Será que Cristina poderá evitar que a situação desande, mesmo no caso de um calote?

"Há uma resposta muito simples", disse Martín Redrado, ex-presidente do banco central. "Depende da safra [de soja]. Tendo em vista que os preços internacionais estão altos e vão continuar assim [...], é possível dar um jeito de sair da situação. Mas com baixo crescimento e alta inflação."