Título: Comércio cresce bem mais que indústria
Autor: Lamucci, Sergio e Grabois, Ana Paula
Fonte: Valor Econômico, 16/02/2007, Brasil, p. A4

As vendas do comércio cresceram 6,2% em 2006, um desempenho bem superior ao da indústria, que fechou o ano passado com expansão de 2,8%. A disparidade entre os números evidencia o forte descompasso entre a demanda e a produção. Para os analistas, o câmbio é duplamente responsável por esta situação: ele ajudou as importações a suprir parte da expansão do consumo, ao mesmo tempo em que fez setores da indústria perderem exportações. Não parece estar em curso, porém, uma substituição maciça da fabricação nacional por produtos importados.

Num ano marcado por juros em queda, aumento da renda e ampla oferta de crédito, as vendas do comércio varejista cresceram com força, como destaca o economista-chefe da consultoria Gouvêa de Souza & MD, Maurício Moura. O maior destaque foram as vendas de equipamentos e material para escritório, informática e comunicação, que subiram nada menos de 30,1%, puxadas pelo segmento de computadores.

A expansão se justifica em grande parte pelas medidas definidas pelo governo para incentivar o segmento, como a isenção de PIS e Cofins para máquinas de até R$ 2,5 mil, assim como pelo câmbio valorizado, que barateou o preço dos componentes, segundo Reinaldo Pereira, gerente da Pesquisa Mensal de Comércio (PMC) do IBGE. "A ampla oferta de crédito também ajudou bastante", acrescenta Moura.

Boa parte desse consumo foi atendido por produtos domésticos, cuja fabricação aumentou nada menos que 51,57% em 2006. Os fabricantes, vale notar, foram favorecidos ainda pelo impacto da redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), definida na Lei de Informática no fim de 2004. A importação de equipamentos eletrônicos - onde estão produtos de informática - cresceu 31%, mas nesse setor não é possível dizer que a importação ganhou espaço da produção doméstica.

As vendas de veículos, motos, partes e peças - que entra apenas na pesquisa do comércio varejista ampliado - também tiveram uma expansão robusta em 2006, de 7,3%. A produção de veículos automotores, porém, cresceu 1,27% no ano passado, segundo o IBGE, ao passo que a importação aumentou 71%.

Mas não há uma substituição forte de carros nacionais por importados, diz o economista Fábio Silveira, sócio-diretor da RC Consultores. Ele nota que a importação de automóveis não é das mais significativas, e ainda é mais concentrada em automóveis luxuosos.

O mau desempenho das exportações tem mais peso para explicar o crescimento fraco da produção de carros no ano passado. Em 2006, as vendas externas de veículos automotores caíram 8,5%. As da Volkswagen recuaram 23% em relação ao ano anterior.

As vendas de tecidos, artigos de vestuário e calçados cresceram apenas 2% em 2006. Para Moura, um dos fatores que explicam esse resultado é que os consumidores se endividaram para adquirir computadores e automóveis, o que diminui a renda disponível para comprar produtos como roupas e sapatos.

Vestuário e calçados são dois dos setores que mais sofreram com o câmbio valorizado. A produção de artigos de vestuário recuou 4,96% em 2006, enquanto as quantidades importadas avançaram 23,9%. No caso de calçados, a fabricação doméstica recuou 2,71%, ao passo que as compras externas subiram 11,7%. "São dois exemplos claros de segmentos em que houve aumento da participação de importados no mercado local", diz o economista Sérgio Vale, da MB Associados.

O setor de móveis e eletrodomésticos, por sua vez, foi muito bem em 2006, com as vendas crescendo 10,3%. O real valorizado teve papel importante nesse desempenho, por estimular a venda de eletroeletrônicos importados. Embora o IBGE não divulgue os números separados desse segmento, a venda de eletrodomésticos é que puxou o setor, avalia Moura.

Outro destaque foi o faturamento dos hipermercados e supermercados, que avançou 7,6% no ano passado. Como tem maior peso no varejo, o segmento foi responsável pela maior parte do crescimento de todo o comércio varejista no período. O gerente da PMC destacou o aumento da receita das redes varejistas ancoradas principalmente em alimentos, que não pressionaram a inflação por conta de uma maior safra agrícola.

O economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, nota que o desempenho do segmento também tem sido favorecido pela venda de equipamentos de informática, que ocupam um espaço nobre nessas lojas. No Extra, a comercialização de computadores teve expansão de 115% em 2006.

O segmento de combustíveis e lubrificantes foi o único que fechou o ano com queda de 8,1% no faturamento. Segundo Pereira, o recuo se deveu aos altos preços dos derivados praticados pelos postos de gasolina. O comércio varejista ampliado, que inclui automóveis e também material de construção, fechou 2006 com alta de 6,5%. A venda de material de construção cresceu 5,7%.

Em dezembro, o comércio varejista teve queda de 0,5% em relação a novembro, na série livre de influências sazonais. O recuo interrompeu uma alta de quatro altas seguidas na comparação com o mês anterior. Para Vale e para Montero, o resultado de dezembro se deveu à antecipação para setembro do pagamento do 13 salário para os aposentados. A medida, que injetou R$ 5,8 bilhões na economia, ajuda a explicar o bom desempenho registrado nos meses anteriores, avaliam eles. "Houve antecipação de consumo", diz Vale.

Para 2007, os analistas continuam a esperar um crescimento robusto do comércio, ainda que possa ocorrer uma desaceleração no ritmo de expansão das vendas. O economista da MB espera avanço de 4,5% a 5%. Ele diz que o crédito deve crescer menos neste ano e o aumento de renda tende a ser menos intenso do que em 2006, quando o salário mínimo subiu muito e houve forte ampliação do Bolsa Família. De qualquer modo, será uma taxa ainda robusta, estimulada também por juros mais baixos. Como a expectativa é de um comportamento melhor da indústria em 2007 - Vale espera 3,5% -, a diferença entre o consumo e a produção deve se estreitar. (*Do Valor Online)