Título: Para Barbosa, Lula deve ser investigado
Autor: Basile, Juliano
Fonte: Valor Econômico, 12/12/2012, Política, p. A13

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, afirma que o Ministério Público deve investigar as alegações do publicitário Marcos Valério de que pagou despesas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de que esse último teria dado aval, em 2003, para empréstimos bancários, cujos valores foram desviados para o pagamento de parlamentares da base aliada do governo, no início do esquema do mensalão. Essa investigação, porém, não deve tramitar no STF por que Lula não tem mais direito a foro privilegiado. Se for aberta, ela será remetida à 1ª instância da Justiça.

Questionado, ontem, se sabia qual o teor do depoimento de Valério, que foi dado ao Ministério Público, em 24 de setembro, Barbosa respondeu que teve apenas "conhecimento oficioso", e não oficial ao documento. Em seguida, o ministro, que é o relator do mensalão no STF, foi perguntado se o MP deveria abrir investigação específica sobre as novas denúncias de Valério. "Creio que sim", afirmou o presidente da Corte.

Outros ministros do STF também disseram que as novas denúncias feitas por Valério não devem interferir no julgamento do mensalão, que está em fase final no tribunal, com penas já definidas para 25 réus ao longo de 52 sessões realizadas desde agosto.

"Certamente, uma eventual investigação (contra Lula) não vai ocorrer no STF", disse Gilmar Mendes. "O que está aqui é um percentual muito pouco significativo do que se fez", completou, referindo-se ao mensalão - caso cujas ramificações estão sob apuração em dezenas de ações menores na 1ª instância da Justiça. Para o ministro, as alegações de Valério podem servir tanto para a abertura de "uma investigação autônoma" quanto para reforçar a acusação nas ações menores. "O juiz, nesse processo, é a Procuradoria. Ela é que tem que fazer a avaliação. Portanto, muita calma!" Mendes evitou dar declarações sobre a eventual participação de Lula no mensalão. "Eu não entro em juízo sobre isso", enfatizou.

Para o ministro Marco Aurélio Mello, o Ministério Público Federal pode adotar três caminhos nas investigações sobre o depoimento de Valério. O primeiro seria o de verificar que não há provas ou indícios e, com isso, arquivar o caso. O segundo seria o de pedir a abertura de inquérito para investigar. O terceiro seria o de entender que os elementos são robustos e propor à Justiça a abertura de ação penal contra Lula.

"Pelo visto, em 2005, o MP imaginou que não havia o envolvimento (de Lula)", comentou Marco Aurélio, que, antes do início do julgamento do mensalão, declarou que o ex-presidente é "safo". "Eu disse que é um homem safo e esperto", reiterou, ontem.

Para Marco Aurélio, se o MP pedir a abertura de inquérito para investigar as alegações de Valério, o STF não deve repetir o mesmo "equívoco" de não desmembrar o caso, como ocorreu no mensalão - o que fez com que 37 réus fossem julgados pela Corte, dos quais apenas três têm direito a foro privilegiado. De acordo com o depoimento do publicitário, apenas o senador Humberto Costa (PT-PE), que foi apontado por ele como um dos possíveis beneficiados pelo "valerioduto", teria direito a foro privilegiado. Logo, somente Costa seria julgado pelo STF numa eventual ação. O senador negou qualquer envolvimento no esquema.

Marco Aurélio explicou ainda que Lula não pode ser processado por formação de quadrilha, pois esse crime teria prescrito. Segundo o depoimento de Valério, Lula teria dado "ok" aos empréstimos, em 2003. O crime de quadrilha prescreve em oito anos. "No caso de quadrilha, evidentemente, prescreveu", admitiu o ministro.

Por outro lado, Lula poderia ser investigado pelo suposto crime de corrupção, cuja prescrição, hoje, é de 16 anos, contados a partir de 2003. Se a Justiça considerar que os supostos fatos criminosos ocorreram antes de novembro de 2003, quando as penas ao crime de corrupção foram ampliadas pela Lei nº 10.763, sancionada pelo próprio Lula, esse prazo é ainda menor, caindo para 12 anos.

Marco Aurélio foi cauteloso com relação ao depoimento de Valério. "Se for procedente, a alegação é muito grave, mas não se pode presumir o extraordinário", disse. "Não podemos ter ideia pré-concebida nem para excomungar a fala, nem para potencializá-la a ponto de proclamar que é a verdade", completou.

Ministros do STF avaliaram ainda que eventual proteção a Valério deve ser analisada pelo MP. No depoimento, o publicitário teria relatado ameaça de morte, caso fizesse novas revelações sobre o mensalão. Para Ricardo Lewandowski, a proteção à testemunha "sempre é possível". "Quem tem competência e deve operacionalizar isso é o Executivo", explicou, referindo-se ao programa de proteção a testemunhas do Ministério da Justiça. "A proteção tem que ser dada pelo Estado a qualquer pessoa que se sinta ameaçada", enfatizou Marco Aurélio.

Segundo Mendes, a proteção deve ser analisada, primeiro, pelo MP. "Claro que não vamos ignorar a situação delicada que se coloca para todos os protagonistas dessa cena. É uma questão delicada por conta da proteção da vida dessa pessoa. Temos todos que refletir sobre isso", concluiu.