Título: Contorcionismo do BC
Autor: Pires, Luciano
Fonte: Correio Braziliense, 06/12/2010, Economia, p. 9

Autoridade monetária terá que recorrer a malabarismos semânticos para explicar a manutenção dos juros em 10,75% ao ano, quando a inflação ruma para a casa dos 6%

Em outubro, quando decidiu não elevar a taxa básica de juros, o Comitê de Política Monetária (Copom) indicou ao mercado que o cenário era ¿benigno¿ e que a inflação, apesar de longe da meta de 4,5%, estava sob controle. O tempo passou, o repique de preços agora está na casa dos 6% e o Banco Central é questionado se não teria subestimado os sinais e feito a escolha errada. Sob pena de cair em descrédito, a autoridade monetária terá de fazer malabarismos semânticos se quiser explicar, de forma convincente, a esperada manutenção da taxa básica de juros (Selic) em 10,75% ao ano.

A última reunião do colegiado de diretores do BC sob o comando de Henrique Meirelles acontecerá na terça e na quarta-feira. A ata do encontro será divulgada na próxima quinta-feira, 16. É por ela que bancos e consultorias aguardam. ¿Faltará uma sinalização mais forte pelo BC nos documentos que ainda restam para sair, a ata e o relatório de inflação, em relação à sua preocupação com a inflação. Se, de fato, o risco que o (Banco) PanAmericano trazia antes já está solucionado, agora abre espaço para medidas mais fortes. A do compulsório foi a primeira; a mudança no tom da ata e o relatório será a segunda; e, por fim, o aumento em si da Selic coloca o BC de volta nos eixos, que parecia ter perdido um pouco em meados do ano¿, diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados.

Impressões Antes do mega-arrocho no compulsório bancário anunciado na semana passada, que encareceu o crédito, encurtou os prazos e retirou R$ 61 bilhões de circulação, as apostas eram de que a taxa básica subiria pelo menos 0,5 ponto percentual. O choque contra a inflação e o calote, no entanto, empurrou o remédio amargo para janeiro, já com Alexandre Tombini à frente da instituição. Dependendo da forma como o BC se comunicar com o mercado por meio da ata do Copom, o contexto dos primeiros meses de 2011 poderá ser antecipado ainda em dezembro de 2010 pelos agentes financeiros.

Em seu último relatório conjuntural, o economista sênior do banco Santander, Maurício Molan, lembra que o BC deveria elevar a Selic em função do ¿significativo agravamento do cenário¿, mas adverte que isso não será feito. ¿No comunicado e na ata, no entanto, haverá uma ginástica retórica para justificar a manutenção em ambiente tão adverso e projeção bem acima da meta. No mínimo, o BC preparará o terreno para o início do ciclo de aperto já em janeiro¿, reforça o analista. A previsão de que o ciclo de altas da Selic terá início no próximo mês é praticamente uma unanimidade entre os especialistas.

Ônus e bônus Fernando Montero, economista-chefe da Convenção Corretora, aposta na reavaliação do balanço de riscos e acredita que o BC está apenas esperando o momento para intensificar o aperto promovido via compulsório. ¿A maneira que o BC irá abordar a piora nas expectativas inflacionárias poderá ser igualmente reveladora¿, justifica, em seu relatório semanal.

A manutenção da Selic no atual patamar também terá, conforme Montero, efeitos políticos importantes, que não podem ser ignorados pela autoridade monetária. ¿Adiar o início do ciclo arrisca alongar dúvidas, além de piorar as expectativas. E desaproveita uma possibilidade, aberta pela sucessão interna ¿ que dá a esta reunião dois presidentes de BC ¿, de deixar o ônus ao Meirelles e o bônus ao Tombini. Deixar os juros para janeiro joga todo o peso sobre Dilma Rousseff¿, completa.

Bancos arrumam a casa Victor Martins

Os bancos vão abrir hoje com a difícil missão de reestruturar suas carteiras de crédito. Mas boa parte deles ¿ estariam aí pelo menos duas instituições de grande porte ¿ não tem condições de se enquadrar nas novas regras do Banco Central, divulgadas na semana passada. Ainda na sexta-feira, teve início uma movimentação intensa na contabilidade dos agentes financeiros. Eles buscam vender parte desses ativos para reforçar capital, como mandam as novas regas.

Um técnico da área de crédito de um grande banco confirmou ao Correio a confusão no sistema bancário. ¿Após a divulgação das normas do BC, uma operação de guerra foi montada para calcular os impactos das resoluções¿, afirma. ¿Os telefones não paravam de tocar, vários bancos, dos grandes aos pequenos, nos ligaram querendo vender suas carteiras de crédito. Vamos avaliar tudo e, caso seja vantajoso, aproveitaremos a oportunidade.¿

A dificuldade das instituições está na norma que amplia o reforço de capital que elas têm de ter para fazer frente ao risco de calote. Antes, de cada R$ 100 emprestados era preciso ter R$ 11 em caixa. Agora, essa exigência aumentou para R$ 16,50. ¿Isso vai deixar muito caras as operações de prazo mais longo, que oferecem um risco maior¿, avalia um executivo de um grande banco.

O aumento do recolhimento compulsório, que deve enxugar R$ 61 bilhões do sistema financeiro, vai reduzir fortemente a liquidez de alguns bancos que, em alguns casos, terão dificuldades para emprestar. Daí a urgência em vender carteiras. Para Henrique Meirelles, presidente do BC, não há problema algum de adaptação. Durante a divulgação da norma, na sexta-feira, ele argumentou que o caso PanAmericano pesou na decisão e que o mercado está preparado para essas mudanças. ¿Evidentemente que as condições de crédito da economia brasileira e a solvência de risco foram levados em conta, mas nossa avaliação é que o sistema está em condições de se adaptar às medidas.¿

O reflexo das normas do BC foram tão imediatas que hoje novas tabelas de juros e prazos começam a ser apresentadas para os consumidores. Os encargos devem ficar pesados demais nas operações acima de 36 meses. O objetivo é direcionar os clientes para os financiamentos com vencimentos mais curtos e de risco menor. As medidas também aumentam a garantia dos depósitos dos correntistas.