Título: Rússia insiste em dar subsídios condenados pela OMC
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 16/02/2007, Internacional, p. A15

A Rússia quer entrar na Organização Mundial do Comércio (OMC) ainda este ano, mas sob condições que começam a provocar reações de líderes agrícolas como o Brasil e a Austrália.

Antecedendo uma grande reunião que ocorrerá em março para começar a preparar o pacote final para sua entrada, Moscou exige o direito de dar os subsídios agrícolas que mais distorcem o comércio (a chamada "caixa amarela"), num volume que supera inclusive o que é dado pelos EUA, a maior potência comercial.

O Valor apurou que o governo de Vladimir Putin quer dar US$ 9 bilhões por ano desse tipo de subsídio, quase 900% a mais do que concede atualmente, segundo estimativas. Para se ter uma idéia, os EUA aceitam limitar esses mesmos subsídios a US$ 7,6 bilhões num futuro acordo agrícola, e sofrem reação dos parceiros com essa proposta na Rodada Doha.

Também na contramão da reforma agrícola mundial, a Rússia insiste em poder dar subvenções à exportação. Ocorre que os atuais membros da OMC já definiram que esse tipo de ajuda, que distorce os preços internacionais, será eliminada até 2013.

O Grupo de Cairns, que reúne 17 países exportadores agrícolas (e inclui o Mercosul), liderado pela Austrália, já discute reações aos planos de Moscou. Na próxima semana, será a vez de o Brasil tratar do problema no G-20 em vista da reunião de março.

O preço para ser sócio na OMC é pesado. Mas a Rússia, a última grande economia fora da entidade, já conseguiu manter inclusive medidas comerciais consideradas ilegais pela organização. É o caso do sistema de banda de preços para as importações de açúcar. Nesse sistema, quando um preço de referência fica abaixo do estabelecido pela banda, o governo eleva a tarifa na importação. Quando o preço excede aquele da banda, os importadores têm um abatimento.

As regras agrícolas da OMC estabelecem categorias (caixas) para enquadrar as políticas de apoio interno aos produtores agrícolas. A caixa amarela é a que mais causa distorção, daí ser a mais visada por cortes na Rodada Doha. Mas Moscou insiste em destinar boa parte de sua ajuda por esse tipo de subsídios, em vez de acomodá-los na "caixa verde" (autorizada), que trata de programas para infra-estrutura ou desenvolvimento rural.

O ministro de Comércio da Rússia, German Graf, vem tentando tranqüilizar seu combalido setor agrícola com promessas de que a OMC não afetará a economia russa, porque o país reduzirá suas tarifas de importação num período de até sete anos.

Moscou negociou bilateralmente com 56 países e abriu a porta de entrada da OMC ao fechar acordo com os EUA. Recentemente o Camboja pediu para também negociar, na tentativa de obter algum acesso privilegiado para seus produtos. Mas a resistência adicional deve vir mesmo dos exportadores agrícolas no pacote multilateral.

Ao mesmo tempo, certos observadores especulam sobre uma nova configuração de poder na OMC se a Rússia, China e Índia reproduzirem a aliança política que exibiram esta semana em Nova Déli.

Os ministros das Relações Exteriores da Índia, Pranab Mukherjee, da Rússia, Sergei Lavrov, e da China, Li Zhaoxing, discutiram promoção de comércio e segurança energética, num encontro que assumiu mais importância depois de o presidente russo ter acusado os EUA de agirem unilateralmente nos assuntos globais.

Uma aliança Moscou-Pequim-Nova Déli na OMC poderá ser problemática para exportadores agrícolas, pois os três países resistem à abertura desse setor. A China e a Índia são membros do G-20, grupo liderado pelo Brasil. Mas os indianos insistem em designar até 20% de seus produtos agrícolas como "especiais", o que significa manter mais alta proteção para eles. A China é mais moderada, falando em algo "acima" de 10% dos produtos.