Título: Situação e oposição
Autor: Pinto, Almir Pazzianotto
Fonte: Correio Braziliense, 06/12/2010, Opinião, p. 13

Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)

Aproxima-se a data de posse da presidente eleita, Dilma Roussef. Novo governo, esperanças restauradas. Já se acham, porém, a caminho do limbo, abundantes, criativas e ilusórias promessas de campanha, cuja concretização exigiria, conforme cálculos conservadores, dois orçamentos da Alemanha.

Para as massas populares, que lutam pela sobrevivência, a troca de presidente pouca importância tem. Onde há pobreza aguda, como aconteceu nos estados em que Dilma Rousseff alcançou esmagadora maioria, não se deve esperar por mudanças perceptíveis, a curto ou médio prazo; a pobreza continuará a se impor nos próximos anos, como sucede há três ou quatro séculos.

Ou me falha a percepção, ou os discursos de campanha eram voltados às regiões cujo desenvolvimento independe do governo federal, sustentando-se na iniciativa privada. Os governadores eleitos, como é de praxe, irão em carreata a Brasília suplicar por dinheiro para obras que julgam imprescindíveis. A verdade, porém, está nas regiões Norte e Nordeste pobres, para as quais o desenvolvimento observado no Sul e no Sudeste é algo inatingível.

Aquela família perdida no interior remoto, onde não há água tratada (ou nem água há), rede de esgoto, estradas pavimentadas, assistência à saúde, escolas, possibilidade de acesso a cursos superiores e trabalho decente, continuará a aguardar providências que lhe não chegarão, salvo na forma minguada do Bolsa Família, que nenhuma esperança traz de crescimento.

A disputa foi limpa e democrática. Venceram aqueles que conseguiram se fazer entender pelos mais humildes. O povo marcha mais pela fé do que pela razão, como diz a letra de antiga canção dos negros americanos. A maioria votou conduzida pela fé, que lhe foi transmitida pelo presidente Lula. ¿Ao vencedor as batatas¿ escreveu Machado de Assis, em Quincas Borba. À vencedora as batatas, o reconhecimento e as homenagens de todos que acreditam na democracia. Aos vencidos, a conclamação feita por Churchill aos ingleses, convocando-os à resistência, quando parecia iminente a derrota da Inglaterra diante das forças nazistas: ¿Há coisas piores do que a derrota; a desonra é pior¿.

Os dois mandatos do presidente Lula registram ganhos e perdas. A estabilidade da moeda e o controle à inflação são fatos positivos, herdados do governo Fernando Henrique, cuja política econômica foi preservada pelo Banco Central. Vários problemas, porém, se agravam, como o fenômeno da desindustrialização, causado pela incapacidade de se enfrentar, com alguma chance de sucesso, a crescente invasão de produtos provenientes de China, Coreia do Sul, Tailândia. O país converteu-se em perdulário importador de tecidos, roupas, calçados, brinquedos, eletrodomésticos, bicicletas, automóveis, utilitários leves, máquinas e equipamentos, que as fábricas deixam de lançar no mercado interno, e não conseguem exportar.

A que atribuir o fracasso que nos remete à 127º posição, entre 183 países, como cenário atrativo para novos negócios, senão à emaranhada burocracia, à anacrônica legislação trabalhista, à exagerada carga tributária, ao peleguismo sindical; e à insegurança jurídica, para a qual contribui a morosidade judicial.

Com 190 milhões de habitantes, a caminho de 200 milhões, não podemos nos dar o direito de assistir à falência do parque industrial, na falsa crença de que os empregos serão sustentados pelo setor de serviços.

Ganhar eleição não é fim de linha, mas início de jornada. Cumpre à presidente Dilma, sob a permanente vigilância da oposição, governar o Brasil de olhos postos no futuro, e refletir sobre o país que o PT, com oito anos passados no governo, quatro pela frente e, talvez, outros quatro, em segundo mandato, tem o ônus de construir para crianças e jovens de hoje.

À corajosa mulher que emergiu dos tortuosos caminhos da luta armada e conseguiu, pela estrada reta da democracia, tornar-se a primeira presidente da República, apresento votos de sucesso, sem deixar de lembrar que a tarefa que lhe recai sobre os ombros é pesada.

Não encerro este texto sem expressar o sentimento de frustração, pela ausência de Marco Maciel no Senado da República. Embora respeite a vontade popular ¿ nem sempre sábia ¿ Pernambuco cometeu grave injustiça contra uma das mais respeitáveis personalidades públicas do Brasil. Marco Maciel fará falta. Muita falta.