Título: De PFL a Partido Democrata: a estratégia do continuísmo
Autor: Roma, Celso
Fonte: Valor Econômico, 16/02/2007, Opinião, p. A16

O Partido da Frente Liberal (PFL) passará a se chamar Partido Democrata (PD) a partir de março deste ano. Além dessa mudança de nome, seus líderes anunciaram a renovação nos seus quadros de dirigentes como uma maneira de recrutarem filiados e de recuperarem a representatividade perdida nas últimas eleições. Essa estratégia, que visa atingir metas de curto prazo, não resolve as deficiências estruturais da legenda.

Os reformistas diagnosticaram corretamente o declínio do PFL nas últimas eleições. Comparando os pleitos municipais de 2000 e 2004, podemos observar que o número de prefeitos eleitos no país pela sigla caiu de 1028 para 789. Em 1996, a legenda conseguiu eleger 17,4% dos vereadores e, em 2004, 12,5%. Conquistou quatro, três e uma prefeitura de capitais nas últimas três disputas. Nas eleições estaduais, fez um governador em 2006 contra sete em 1990 e seis em 1998. A proporção de cadeiras obtidas nas Assembléias Legislativas foi a menor da sua série histórica: 11,3%. Nas eleições para a Câmara Baixa de 2006, elegeu 65 deputados, número abaixo daqueles observados em 1998 e 2002, respectivamente, 105 e 84. O resultado foi positivo para o partido apenas para a Câmara Alta, na qual fez 18 senadores. O partido assumiu um papel secundário nas eleições presidenciais ao deixar de apresentar candidatura própria. Essa perda de representação se agravou recentemente quando alguns dos seus filiados que exercem cargos eletivos se desligaram do partido, diminuindo ainda mais o tamanho das suas bancadas.

Por outro lado, a crise do PFL também está relacionada às características intrínsecas da sua organização. O primeiro se refere à dependência que o partido criou com relação aos postos e aos recursos do governo federal. Nesse momento, a legenda está sem atrativos para manter a lealdade e a disciplina de uma parcela dos seus filiados por manter-se afastada dos ministérios e dos principais cargos da mesa diretora do Congresso Nacional. O segundo fator diz respeito à oligarquização do partido. Os nomes que compõem o Diretório Nacional se repetem ao longo dos anos. Jorge Bornhausen ocupa a presidência há quinze anos. O terceiro fator é a concentração de poder nas mãos dos filiados com mandato parlamentar, excluindo os demais das atividades partidárias. Com as reformas estatutárias de 1993 e de 1999, a estrutura do partido se tornou mais centralizada e excludente. A Comissão Executiva Nacional ganhou mais poderes para intervir nas instâncias locais. Qualquer filiado pode solicitar uma intervenção num diretório sob o pretexto de garantir o desempenho político do partido. Com maior autonomia de atuação, os órgãos de Ação Parlamentar passaram a ser os responsáveis pela sustentação do partido. Em vez de resolverem esses problemas, os líderes agravaram-nos com a reforma em curso.

-------------------------------------------------------------------------------- PFL está sem atrativos para manter a lealdade dos filiados por manter-se afastada dos ministérios e do Congresso Nacional --------------------------------------------------------------------------------

Utilizando-se de suas atribuições estatutárias, a Executiva Nacional do PFL publicou em 08 de fevereiro a resolução de número 383, pela qual antecipa o fim dos mandatos dos dirigentes das instâncias municipais e estaduais. Os novos dirigentes, porém, deverão ser escolhidos sob as regras que vigoravam. Os filiados aptos a votar dentro do partido escolhem seus representantes nos municípios e estes participam da seleção de dirigentes estaduais que, por sua vez, nomeiam os membros do Diretório Nacional. Deve ser mantida a hierarquia entre os órgãos partidários. Os filiados continuam sendo obrigados a cumprir com rigor o estatuto. Os atuais líderes manterão sua influência no partido, uma vez que eles devem compor um conselho ao qual caberá tomar as decisões relevantes em âmbito nacional, como revisar os documentos partidários e definir a estratégia para a disputa da eleição presidencial. Os novos líderes assumirão formalmente o poder, mas serão tutelados por esse conselho. E o mais importante, não houve uma consulta ampla às bases do partido que respalde essas mudanças. Trata-se, na verdade, de uma reforma projetada pelos líderes e implantada de cima para baixo.

A ideologia do partido será mantida em sua essência. Os líderes balbuciam a revisão do seu programa de governo e prometem destacar os temas relativos à área social. Mas, nos documentos partidários e em suas declarações ao público, eles reafirmam a defesa de teses liberais, como a observância dos preceitos do mercado, a busca da eficiência na administração pública e o fortalecimento do Congresso Nacional ante o Poder Executivo. Em coerência com esse ideário, o partido continua favorável ao programa de privatizações de empresas estatais, à entrega da administração dos aeroportos para a iniciativa privada com a extinção da Infraero, ao prosseguimento das reformas do Estado e às políticas sociais de caráter universalista e contrário à invasão de propriedades rurais produtivas pelo MST, aos programas assistencialistas que se limitam a transferir renda aos mais pobres, à realização de plebiscitos como forma de sobrepujar as instituições representativas e ao alinhamento do presidente Lula com governantes populistas da América Latina, como o da Venezuela e o da Bolívia. Esse discurso revela-se coerente, pois o liberalismo é o melhor remédio para se combater o populismo de esquerda.

A Executiva Nacional do PFL, portanto, tomou medidas que mantêm o caráter centralizador do seu processo decisório, preservam a influência de um grupo de parlamentares que está no comando do partido há quinze anos e cristalizam o matiz liberal da sua agenda de governo. A reforma a ser implantada atinge a fachada do partido, mas conserva os seus alicerces. A atratividade do PD estará sujeita ao seu desempenho nos pleitos municipais de 2008 e, em especial, à perspectiva de legenda retornar ao Planalto em 2010, mesmo que seja na categoria de coadjuvante numa coligação. A pertinência do seu programa de governo é incapaz de garantir por si o ingresso de mais filiados e o sucesso nas próximas eleições. Tais resultados não podem ser forjados por um partido político alterando-se apenas a sua nomenclatura.