Título: Articulador, Valente busca meios para Telefônica competir
Autor: Moreira, Talita
Fonte: Valor Econômico, 16/02/2007, Empresas- Tecnologias & Telecomunicações, p. B3
Da janela do escritório que a Telefônica ocupa em Brasília, o carioca Antônio Carlos Valente, novo presidente do grupo espanhol no país, enxerga quase toda a cidade. O executivo comandará os negócios da operadora a partir de São Paulo, mas sabe que a capital federal lhe reserva grandes batalhas. A empresa tem planos de entrar no mercado de televisão por assinatura para completar o tripé que as operadoras querem oferecer a seus clientes: voz, banda larga e vídeo. A Telefônica aguarda há meses a resposta da Anatel sobre um pedido de licença para atuar em DTH (TV via satélite) e fechar a compra de parte da TVA. Além desse processo, Valente também terá como missão acompanhar o delicado debate sobre as mudanças que deverão ser costuradas para adequar a legislação ao processo de convergência tecnológica que está revolucionando a telefonia.
São temas que Valente conhece bem, assim como Brasília. Hoje com 54 anos, o engenheiro fez carreira no setor. Entre outras funções, trabalhou na Telebrás e assessorou o ministro Sérgio Motta nos preparativos para a desestatização, na criação da Lei Geral de Telecomunicações e da Anatel. Foi conselheiro da agência reguladora de 1997, quando foi implantada, até 2004. Foi quando entrou para a espanhola Telefónica com a missão de organizar as áreas de planejamento regulatório do grupo na América Latina. Pouco depois, assumiu a presidência da empresa no Peru, país de desafiadores contrastes sociais e geográficos onde passou os últimos dois anos. Voltou ao Brasil para suceder Fernando Xavier no início deste ano.
Valente é considerado pela direção da Telefónica habilidoso para resolver as questões regulatórias que preparem o terreno para os planos de expansão da operadora no Brasil - que representa cerca de 15% do faturamento e é o maior mercado do grupo fora da Espanha. O executivo assumiu a nova função com prestígio, em meio ao anúncio de que a operadora investirá R$ 15 bilhões no país até 2010, acima do ritmo de desembolsos feitos nos últimos anos.
E, hoje, é Brasília que vem a São Paulo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro das Comunicações, Hélio Costa, devem acompanhar Valente a inauguração de nova unidade da Atento, a empresa de call center do grupo, na capital Paulista. Na semana passada, quando completou um mês à frente da Telefônica do Brasil, Valente concedeu ao Valor a entrevista a seguir:
Valor: Quais são suas suas prioridades à frente da Telefônica?
Antonio Carlos Valente: Tenho como itens fundamentais na minha agenda criar uma empresa altamente motivada, voltada para o futuro, que tenha agilidade de gestão e uma visão bem clara da sua importância para a sociedade brasileira. E esses objetivos serão alcançados com muito mais facilidade no momento em que uma equipe de excelente qualidade técnica, como é a de todas as empresas que compõem o grupo no Brasil, tiver muita energia e descontração. Esse é um dos meus primeiros objetivos. O outro é trabalhar junto às autoridades, sempre desenvolvendo a política que a Telefónica utiliza em todos os países onde atua, que é o respeito absoluto às leis, às autoridades, à sociedade, para obter todos os instrumentos que permitam à companhia se posicionar de maneira adequada e competitiva neste novo mundo que vem, que é o mundo convergente.
Valor: Quais são os passos necessários para isso?
Valente: Em termos de motivação, existem pelo menos quatro fundamentos para conseguir uma equipe motivada. O primeiro é que ter consciência de que as coisa precisam ser feitas com muito conhecimento técnico. Mas ser um bom técnico só não resolve o problema. A gente precisa trabalhar com afinco. Mas só isso também não ajuda. É preciso ter uma equipe apaixonada, que tenha amor pela camisa da Telefônica. E por último é preciso ter humildade, ter a consciência absoluta de que tudo pode ser melhorado.
Valor: E sobre o outro aspecto?
Valente: É tentar envolver todo mundo numa atividade de compartilhamento das idéias que a empresa considera fundamentais; que todas as pessoas da alta direção tenham claros os objetivos e o posicionamento, que tenham possibilidade de, nos fóruns onde atuam, se posicionar de forma consistente, respeitosa, para que a gente possa ganhar cada vez mais a confiança da sociedade, das autoridades, dos nossos interlocutores. Uma empresa de serviços públicos tem como um de seus principais ativos a credibilidade.
Valor: O principal negócio dessa concessão, a telefonia fixa, enfrenta estagnação no mundo todo. Os projetos do grupo em banda larga, celular e, agora, TV paga, conseguem contrabalançar essa tendência?
Valente: Existe uma tendência mundial de alteração do padrão dos consumidores, por conta de de novas tecnologias, novos produtos que estão surgindo e contribuem para que a vida das pessoas se torne mais fácil. Entretanto, temos uma visão de que os negócios não são necessariamente conflitantes nem excludentes. Temos procurado desenvolver o potencial de cada linha de negócios. A Telefónica é uma empresa inovadora, capaz de antecipar tendências. Mas a gente trabalha não apenas em produtos, mas também na inovação da oferta, de novas possibilidades mesmo num negócio como a telefonia fixa. Essas ações de certa forma se contrapõem às tendências observadas no mercado internacional, razão pela qual a Telefónica, comparada a outras empresas do setor, é bem avaliada pelos analistas.
Valor: Em quanto tempo esses novos serviços irão superar a receita gerada pela telefonia tradicional?
Valente: A inovação tecnológica acontece com uma velocidade tão grande que às vezes é até difícil fazer uma avaliação prospectiva. No caso dos aparelhos móveis, há três anos, nenhum tinha tela colorida e hoje todos têm. Nenhum tinha máquina fotográfica, hoje quase 100% têm. Num produto tão singular, a inovação acontece em um intervalo tão curto que o celular de hoje tem muito pouco a ver com o de três anos atrás. O que eu acho e que toda a indústria está de acordo é que cada vez mais a banda larga vai ser um dos grandes vetores de transformação e crescimento, além da mobilidade.
Valor: E mobilidade a Telefónica supre com a participação na Vivo?
Valente: É, temos participação de 50% junto com a Portugal Telecom, que tem os outros 50%. É uma operação que tem muito êxito aqui no Brasil.
Valor: A Telefónica tem interesse em disputar as licenças para o WiMax. O senhor vê essa tecnologia como alternativa para a mobilidade?
Valente: As tecnologias que vão ser usadas para atender as necessidades do mercado podem ser diversas, em função de uma série de circunstâncias. Depende de uma série de fatores, inclusive da maturidade dessas tecnologias. Elas são apenas um meio para que possamos alcançar nosso grande fim: que o mercado seja atendido com qualidade e inovação.
Valor: Nesse cenário de inovação rápida, como a Telefónica escolhe a melhor opção? Com que antecedência é possível fazer um planejamento estratégico?
Valente: Essa é uma das questões mais fascinantes do mercado de telecomunicações - a inovação permanente, os ciclos tecnológicos cada vez mais curtos, gerando desafios muito difíceis para os profissionais dessas empresas. A resposta nem sempre é trivial, nem sempre faz com que tenhamos 100% de acerto. Mas a gente tenta combinar a disponibilidade da tecnologia, seu grau de maturidade, sua possibilidade de utilização em função de características regulatórias e produzir uma solução que seja a mais adequada para cada mercado e cada momento. O ciclo de planejamento da Telefónica é de alguns anos e tenta antecipar essas tendências. Posso colocar um exemplo, que é justamente a opção que o grupo teve alguns anos atrás pelo DSL (sistema que utiliza a rede telefônica para oferecer banda larga). Talvez poucos acreditassem na tecnologia, a Telefónica não só acreditou como investiu milhões de dólares e colheu os frutos dessa opção adequada.
Valor: Em 1997, quando o senhor participava da criação da Anatel, como imaginava que seriam as telecomunicações hoje?
Valente: Eu diria que naqueles anos de 2000, 2001, já não havia qualquer dúvida sobre a convergência. A dúvida era como essa convergência ocorreria em termos de velocidade. Eu até brincava que a convergência era como uma grande onda que se aproxima e você não consegue ver ainda, mas consegue sentir um ruído e não sabe exatamente quando ela vai chegar à praia. O que se vê hoje é que dentro desse processo alguns serviços se desenvolveram e hoje estão tornando realidade a figura da convergência: as redes IP (protocolo de internet), gerando serviços baseados nela, a própria banda larga com a velocidade nas redes de acesso gerando um conjunto enorme de possibilidades, a mobilidade incorporando funções de banda larga, aplicações de serviços como vídeos, dados, voz. E a gente pode visualizar ainda alguns passos.
Valor: Quais?
Valente: Possivelmente a questão da integração muito forte com os serviços de entretenimento, de notícias ao vivo, vídeos em geral, sejam on-line, sejam sob demanda. Eram aplicações mais difíceis de visualizar alguns anos atrás e que se tornaram viáveis agora por causa do poder das redes.
-------------------------------------------------------------------------------- "Há dez a anos, já se previa a convergência, mas não sabíamos com que velocidade esse processo chegaria" --------------------------------------------------------------------------------
Valor: A regulamentação feita dez anos atrás precisa ser reformada para esse novo cenário?
Valente: A Lei Geral de Telecomunicações tem demonstrado que é extremamente robusta e tem propiciado todo esse conjunto de realizações que observamos nos últimos anos no setor. Mas alguns outros marcos legais, como a lei de radiodifusão, que é bem mais antiga, ou mesmo a Lei do Cabo, de 1995, talvez precisem juntamente com uma reavaliação da LGT ser objeto de uma atualização para que esse mundo convergente possa acontecer em benefício da sociedade. Em telecomunicações, a grande tendência no mundo é haver um nível cada vez menos intenso de regulamentação e isso acho que é uma característica básica para que o processo de inovação se dê, em benefício da sociedade. Hoje, em muitos países, a tendência é de que você tenha uma influência cada vez menor na tecnologia, que a regulamentação seja mais leve, mesmo nos serviços de telefonia fixa, exatamente para permitir que a indústria continue cumprindo sua função social, sendo viável, prestando serviços nos locais mais afastados e atendendo as classes sociais menos abastadas. Tudo isso a gente consegue com um equilíbrio na regulamentação, para que o investimento se mantenha.
Valor: Seria necessária então uma revisão conjunta das três leis?
Valente: A gente precisa ter um pouco de cuidado com a palavra revisão. É preciso efetivamente fazer uma reflexão e verificar quais são os instrumentos mais adequados, se podemos ter pequenas alterações que produzam benefícios que a sociedade deseja ou precisamos ter alterações mais profundas. É difícil antecipar isso. O necessário é ter presente que o país precisa avançar, precisa de inovação e que isso será muito mais facilmente atingido se tivermos um marco legal e regulatório que não crie obstáculos, pelo contrário, que crie incentivos aos investimentos, à geração de empregos.
Valor: Esse incentivo viria de uma maior liberdade para as operadoras de telefonia atuarem em TV por assinatura e para as empresas de TV atuarem em telefonia?
Valente: Eu não restringiria a flexibilização somente a isso. Flexibilização tem de ser uma palavra bem mais ampla, uma ação que vise à manutenção dos negócios atuais e crie novas oportunidades. E eu colocaria isso de uma forma bem aberta, não só no caso da televisão paga, mas em geral. Se a gente fosse analisar todas as opções que observamos para o futuro, as novas ofertas de espectro para múltiplos prestadores de serviços, talvez uma intervenção menos marcante, no sentido de que as opções sejam muito mais definidas pelo próprio mercado.
Valor: Como o senhor vê a reação das operadoras de TV paga aos projetos das teles nesse setor?
Valente: Tem espaço para todos. As empresas que atuam na TV paga têm uma concentração de mercado relevante. Por uma série de razões, se concentraram nos mercados mais ricos. A sociedade tem de analisar se é isso que deseja. Nossa proposta é de convivência pacífica entre os dois setores. A telefonia fixa está disponível para mais de 60% da classe C e 35% da classe D. A gente só quer competir.
Valor: A idéia da Telefónica é atuar com DTH (satélite), MMDS (microondas), cabo e IPTV (TV pela rede de internet) ou ter todas as experiências para depois observar qual delas é a melhor?
Valente: É preciso observar as características e restrições de cada produto, a questão da maturidade, as possibilidades. Não posso chegar e dizer que em Minas Gerais vou usar a tecnologia celular. Não tenho licença de celular em Minas. Não posso dizer que vou usar uma rede de cabo em Bauru, porque a regulamentação não permite. A Telefônica é uma empresa obediente à lei a às regras e vai procurar fazer as opções tecnológicas que sejam as mais convenientes para cada mercado. Não tenho nenhuma visão monolítica em relação a isso. A tecnologia vai ser aquela que mais bem se aplicar.
Valor: Ter uma diversidade de meios de acesso é a estratégia para atingir esse objetivo?
Valente: Sim, inclusive a própria rede telefônica. Talvez poucos imaginassem anos atrás que a rede telefônica, com todas as suas restrições físicas, pudesse ser plataforma para uma rede de banda larga, IP. A evolução tecnológica a gente sente todos os dias.
Valor: O senhor acha que a evolução regulatória deveria caminhar também nesse sentido e não olhar mais a divisão por tecnologias?
Valente: Isso está no contexto de ser mais flexível, ser neutra. Tecnologia é meio. Obviamente existem recursos escassos, como o espectro radioelétrico, e que por isso precisam ser administrados adequadamente pelo Estado.
Valor: Na sua avaliação, o Brasil está atualizado nesse debate sobre a modernização das regras?
Valente: Isso é uma questão da maturidade de cada país. Nós tínhamos imaginado que esse processo iria ser objeto de uma discussão ampla no Brasil nos anos subseqüentes à aprovação da LGT. O que aconteceu é que o país passou por um crescimento tão forte dos serviços de telecomunicações que talvez não tenhamos tido a oportunidade de discutir essas questões, que são complexas. Mas nunca é tarde para que a gente tenha a oportunidade de refletir sobre os passos que devemos dar. Não há nenhuma perda irreparável. O que a gente tem é de tocar nessas questões, porque o Brasil está chegando a um nível de maturidade impressionante nas redes de telecomunicações. Agora temos que olhar um pouco adiante e ver quais são as opções que temos para que esse processo se mantenha e, se possível, se acelere.
Valor: E quando seria o momento ideal?
Valente: O investimento em infra-estrutura é caracterizado por volumes elevados e prazos de maturação relativamente longos. Para que esse investimento ocorra, é necessário que as regras sejam conhecidas e estáveis. No momento em que a gente consegue produzir uma reflexão sobre esse tema e que isso leve a instrumentos adequados, a tendência é que a gente consiga consiga manter um nível de investimentos adequado.
Valor: Como o senhor vê a regra que hoje impede a concentração das concessionárias de telefonia fixa?
Valente: O que a gente observa em telecomunicações é que está havendo um processo de concentração em todo o mundo. Há grandes exemplos, como a recriação da AT&T nos Estados Unidos. É possível que seja interessante também analisar essa possibilidade de reconfiguração do mercado brasileiro. O que a Telefônica tem a dizer é que diante das oportunidades que vierem a surgir, dentro das condições que forem estabelecidas, temos todo o interesse de ampliar nossa atuação sempre que isso estiver em conformidade com os interesses da sociedade.
Valor: Em princípio, então, havendo a mudança de regra, como a Telefônica veria a criação de uma empresa resultante da união da Telemar com a Brasil Telecom?
Valente: No momento em que as oportunidades decorrentes desse tipo de fusão sejam possíveis para todos os competidores do mercado, torna-se bastante equilibrado todo esse jogo. As regras que foram estabelecidas foram as que nortearam os passos da Telefônica no Brasil. Desde que as regras sejam equilibradas, justas, permitam o crescimento do negócio da Telefônica no Brasil e estejam em linha com o processo que está acontecendo no mundo todo, sendo benéfico para a sociedade, será benéfico para todas as empresas.
Valor: Fala-se na competição entre espanhóis e mexicanos (Telmex/América Móvil). Gostaria de saber como o senhor vê essa disputa e de que forma enxergaria uma possível compra da TIM pela Claro?
Valente: Em relação à compra da TIM pela Claro, não é muito adequado falar sobre conjecturas. Sobre a Telmex, são dois grandes grupos, que têm atuação grande no mercado latino-americano e têm um processo de competição forte, o que gera benefícios para o mercado.