Título: Desdolarização reduzirá custo do pequeno exportador
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 26/03/2007, Brasil, p. A8

A Hilandería Paso del Rey exporta fios de lã, seda e algodão para indústrias têxteis norte e sul americanas. Jorge Bienati, dono da companhia de médio porte, diz que a cada vez que troca seus dólares por pesos ou seus clientes têm que fazer câmbio para pagá-lo, despendem 1% a 1,5% sobre o valor da transação, só em tarifa bancária cobrada na operação.

A isso se somam as cotações de câmbio que, para pequenas e médias empresas, são sempre as piores oferecidas pelas instituições financeiras. Isso sem contar o custo do crédito, impostos, fretes, etc, etc, e seu produto vai perdendo competitividade. "São custos que as pequenas empresas não podem controlar", diz Bienati.

Esse é o tipo de problema que poderá ser resolvido com o projeto de desdolarização do comércio exterior entre Brasil e Argentina. Neste momento, os bancos centrais de ambos os países estão correndo contra o tempo para cumprir a promessa feita pelos ministros da Fazenda, Guido Mantega e Felisa Miceli, no início de março, de que, a partir de 1º de julho as empresas exportadoras poderão negociar em pesos e em reais, sem passar pelo dólar.

A idéia é que o comércio seja realizado como se se fosse no mesmo país. Ou seja, os argentinos recebem em pesos e os brasileiros em reais, como se estivessem vendendo de um Estado (ou província) para outro e não de um país para outro. Para efeito das contas nacionais, a moeda de troca segue sendo o dólar, mas só vai entrar na contabilidade dos BCs que, por sua vez, garantem o risco cambial.

Como se dará essa garantia é um dos pontos ainda em discussão. Tanto Brasil quanto Argentina já dispõem de um instrumento, o Convênio de Créditos Recíprocos (CCR), criado em 1965, pelo qual os bancos centrais garantem (com recursos dos tesouros nacionais), conversibilidade, transferência e reembolso automático às transações comerciais entre os países da Associação Latino Americana de Integração (Aladi, que congrega todos do Mercosul mais Cuba, Bolívia, Equador, Chile, México e Peru).

A parte operacional do projeto de desdolarização está caminhando rapidamente. Em fevereiro, o diretor da área internacional do BC brasileiro, Paulo Cunha, disse que todo o processo será encaminhado em em três etapas. A primeira será a criação de ferramentas de compensação bancária. Segundo uma fonte envolvida com o processo do lado brasileiro, os bancos vão implementar a desdolarização através de projetos-pilotos que poderão levar em conta critérios regionais, por produto ou por setor.

Os técnicos de ambos os BCs têm mantido reuniões freqüentes para viabilizar o projeto. A última foi dia 12 de março em Brasília, a próxima será esta semana em Buenos Aires e outra está marcada para depois da Semana Santa. Segundo fontes do BC argentino, os técnicos estão trabalhando na conciliação operacional e normativa e a etapa final, que será de desenvolvimento de sistemas tecnológicos, envolverá a participação das aduanas.

"As grandes linhas estão traçadas, falta definir o sistema tecnológico, que será uma adaptação aos já existentes nos bancos", disse a fonte argentina. Embora esta adaptação não seja complexa, no caso do Brasil haverá um trabalho maior que na Argentina, apenas porque o volume de transações é muitas vezes maior. O cronograma prevê que pouco antes da entrada em vigência dos projetos-pilotos, os presidentes dos BCs vão assinar um convênio-marco que detalhará toda a conciliação operacional. Em parte, o novo regime exigirá mudança de legislação. Na Argentina, todo comércio exterior deve ser feito em dólar. No Brasil, a legislação permite o uso de moedas conversíveis - leia-se dólar, euro e iene. O peso, por enquanto, não se enquadra.

Calcula-se que a desdolarização vai significar uma redução de custos estimada entre 1% a 3% sobre o valor de cada transação, referentes à tarifa sobre operações de câmbio de comércio exterior. Alejandra Cohen, consultora especializada em câmbio e comércio exterior, acredita que haverá uma redução dos custos de câmbio, do risco cambial e um ganho de competitividade para os produtos de ambos os países, comparados aos de terceiros países. A redução de custos pode ser bem maior, diz Cohen, já que as pequenas empresas já perdem logo de saída, na conversão cambial. As cotações fornecidas pelos bancos são sempre mais favoráveis a clientes do atacado que do varejo.

Para o economista Dante Sicca, sócio da consultoria Abeceb.com, a medida não vai ter grandes impactos sobre o volume exportado entre os dois países, mas é um bom estímulo. Como é opcional, diz, muitos vão continuar operando em dólar, principalmente na primeira etapa do projeto. Jorge Bienati, da Paso del Rey, acha que ainda não é possível calcular todo o benefício da desdolarização mas crê que poderá ajudar as empresas a gastar menos com as transações bancárias.

Os especialistas do lado argentino alertam, no entanto, que o projeto não resolve a principal dificuldade dos exportadores locais que é a falta de crédito. "A Argentina não tem um Proex, como têm os exportadores brasileiros. Assim, os exportadores daqui, principalmente os pequenos e médios, não dispõem de financiamento de médio e longo prazo a custos baixos", diz Alejandra Cohen.

"A ´desdolarização´ está no âmbito da política de reforço da integração para financiamento do comércio, decidida na última reunião de cúpula do Mercosul no ano passado, através de uma carta de intenções assinadas pelos presidentes dos bancos centrais", afirmou a fonte brasileira que preferiu não se identificar. O objetivo, disse, é "baratear custos, integrar as instituições financeiras com soluções locais, valorizando, ao mesmo tempo, as moedas locais".