Título: A tarifa de energia e a renovação das concessões
Autor: Santana , Edvaldo
Fonte: Valor Econômico, 20/11/2012, Opinião, p. A10

O uso da redução da tarifa como um instrumento de política pública para a renovação das concessões no setor elétrico é um importante achado e corrige um problema conceitual de grandes proporções no seu arcabouço regulatório. Ou seja, não faz sentido o caminho legal anterior, que já não permitia a renovação de concessões. Digo isso porque não tem racionalidade econômica a simples obrigação de licitar a concessão ao final do seu prazo. Por exemplo, se o controlador da concessão sabe que em um certo horizonte a concessão retornará à União, que a licitará novamente, é natural que algum tempo antes do vencimento o empreendedor reduza o ritmo dos investimentos, sem contar que seus empregados perderão todo o empenho no trabalho, vez que eles não são empregados da concessão, mas da empresa que a detém. Isto é, ao fim da concessão ficarão desempregados. Em outras palavras, é mais inteligente a renovação e que o concessionário tenha sempre a "luz acesa" para permanecer na concessão, e o incentivo pode ser a redução das tarifas, como é o caso da Medida Provisória (MP) 579/2012.

Mas há dois obstáculos relevantes a serem resolvidos para que o objetivo - redução da tarifa - seja alcançado. Primeiro, a legislação do setor elétrico passou por mudanças significativas entre 1988 e 2004, que afetaram de maneira também significativa a dinâmica de evolução do setor e de suas empresas. As empresas do segmento de geração, que antes da MP competiam em um ambiente de livre negociação, apresentam, para um mesmo atributo, a renovação da concessão, situações distintas: as que foram privatizadas tiveram concessão renovada por mais 30 anos e as ainda estatais, em 1995, tiveram concessões renovadas por mais 20 anos, ao passo que outras foram tendo suas concessões renovadas pelo prazo necessário para amortização dos investimentos, limitado a 20 anos. Tem ainda usinas cujos contratos, prorrogados em 1995, preveem mais uma renovação.

Não tem racionalidade econômica a simples obrigação de licitar a concessão ao final do seu prazo

Assim, transforma-se em restrição relevante o atendimento dessas peculiaridades, do contrário pode ser afetado de maneira mortal todo o esforço que o governo e o regulador têm feito para mostrar que o Brasil possui instituições fortes, com riscos regulatórios controláveis, que podem ser mitigados. A percepção pode ser de que contratos não são cumpridos ou de que interpretações podem ser modificadas, o que é péssimo.

O segundo obstáculo é mais sutil. Por exemplo, a MP determina que as hidrelétricas cujas concessões forem renovadas terão sua energia rateada em quotas e que o risco hidrológico, isto é, o risco de um longo período com pouca chuva, é agora do consumidor. As hidrelétricas, quando gerenciam seus riscos, o fazem de maneira que não fiquem expostas ao preço que varia conforme o maior ou o menor uso de termelétricas (preço spot), o que acontece quando o conjunto dessas hidrelétricas não consegue atender o somatório de seus contratos.

Hoje não há como atender toda a carga sem o uso de termelétricas, que são muito caras. Nas últimas duas semanas o preço spot alcançou um nível entre R$ 420/MWh e R$ 450/MWh. Se as hidrelétricas não geram o suficiente para cumprir seus contratos, elas são obrigadas a comprar energia no mercado a R$ 450/MWh para vender por R$ 105/MWh, que é o preço médio dos contratos. Com a MP, esse risco (e custo) é agora do consumidor. O mais grave é que, mesmo que o risco não seja elevado, ele passa a ser atribuído a quem não tem condições de gerenciá-lo. Ou seja, o incentivo à eficiência ou vai ser dado para quem não faz parte da cadeia de produção (o consumidor) ou para quem já não terá qualquer benefício em aumentar sua eficiência (a hidrelétrica).

O incentivo às hidrelétricas pode vir, segundo a MP, de penalidades a serem definidas pela Aneel, mas com sérios riscos de entrarmos na toada atual, de auto de infração, recurso, decisão, recurso à Justiça, decisão e assim sucessivamente, com dez anos para que o incentivo tenha efeitos. Na prática, o elo produtividade-benefício deve ser direto, sem passar por quem não interfere na produção, do contrário o incentivo será ineficaz e os custos crescentes, dada a ineficiência. Era isso que acontecia na época do velho custo do serviço, ao qual retornamos.

Pela MP, as expansões devem ser aprovadas pela Aneel, com tarifas pré-definidas e energia rateada por quotas. Se é dessa maneira, sem qualquer incentivo via mercado, as expansões tendem a ser limitadas, o que prejudicará o atendimento de um preceito básico em sistemas hidrelétricos, que é o do aproveitamento ótimo. Ademais, como não é a empresa quem define o que fazer com a energia ou como vendê-la, também não haverá a menor preocupação com o tempo que a Aneel levará para validar o projeto de expansão, o que não me parece razoável. Na mesma direção segue a expansão de autoprodutores, cujos excedentes serão objetos de quotas.

Nessas circunstâncias, temo que os meios utilizados acabem por limitar os efeitos ou, em hipótese mais otimista, que o objetivo seja alcançado com custos muito elevados, como o aumento do risco regulatório e a enorme redução do incentivo à eficiência, o que pode prejudicar, no médio e longo prazos, a redução das tarifas. O mérito do objetivo do governo é muito relevante e as mudanças necessárias, por mais paradoxal que pareça, seriam pequenas. A redução das tarifas pode ser atingida de forma bem simples e, o que é mais importante, seguindo os fundamentos do modelo da Lei nº 10.848/2004. Por exemplo, o governo determinaria à Aneel que fizesse um leilão de compra, com um preço-teto de R$ 70/MWh, sendo maior a compra de energia para quem vendesse por menos, isto é, haveria uma função de demanda. Para as hidrelétricas participantes, delas seria cobrado um valor que poderia ir de R$ 10/MWh a R$ 40/MWh, sendo maior para as usinas que menos energia alocassem, voluntariamente, no ambiente regulado. Esse valor, multiplicado pela energia vendida no mercado livre, iria para a modicidade das tarifas. No mais, tudo continuaria igual, sem a necessidade de quotas, o risco hidrológico continuaria com quem pode gerenciá-lo e nem se retornaria ao custo do serviço. Seria privilegiado, ao mesmo tempo, o incentivo à eficiência e a modicidade das tarifas, transformando o objetivo em um ganho sustentável para a sociedade.