Título: Necessidade de integração
Autor: Oliveira, Noelle
Fonte: Correio Braziliense, 06/12/2010, Cidades, p. 19

Segundo especialistas, a guerra contra as drogas deve envolver, além da polícia, áreas como Saúde e Educação. Fortalecimento da Secretaria de Segurança também é considerado fundamental

Uma Secretaria de Segurança mais forte, com poder de comando e iniciativas integradas. Essa é a solução proposta por especialistas da área de segurança pública para resolver o problema do tráfico de drogas no DF. De acordo com o sociólogo da Universidade de Brasília (UnB) Antônio Testa, que também atua na área de violência urbana e segurança, para que sejam dados os primeiros passos a fim de controlar o tráfico de drogas é necessário que o papel da pasta responsável pelo combate ao problema seja reformulado. ¿Precisamos de uma secretaria com autoridade para que, entre outras coisas, crie soluções para questões centrais como o das drogas. O DF sempre foi uma unidade que consumiu muitos entorpecentes. Esse problema é o carro-chefe do crime organizado, do tráfico de armas e de pessoas. Daí a necessidade de um trabalho imediato nesse sentido¿, avalia Testa.

O especialista também destaca a necessidade de que seja desenvolvido um trabalho integrado com outros órgãos do governo, como a Agência de Fiscalização (Agefis). ¿É preciso ênfase principalmente na venda de drogas no varejo, como em baladas e bares. Existem muitos estabelecimento funcionando sem alvarás, por exemplo, o que facilita essa questão. Para combater o tráfico são necessárias ações integradas e, para tanto, é preciso montar um secretariado com liderança¿, explica.

A professora Marcelle Figueira, coordenadora do curso de Tecnologia em Segurança e Ordem Pública da Universidade Católica de Brasília (UCB), considera que mais do que ações repressivas, a questão das drogas no DF só será resolvida com a criação de uma política de saúde pública. ¿É preciso promover ações de combate ao consumo earticular ações repressivas por meio de um trabalho mais complexo da polícia¿, destaca. Entre as medidas fundamentais estaria um maior controle das fronteiras do DF, bem como do Entorno, impedindo a chegada dos entorpecentes. ¿Políticas de segurança pública sempre serão transversais. Não adianta apenas a polícia agir. Sabemos que tudo, em algum momento, vai cair na conta da polícia, mas se chegamos a esse ponto é porque em um momento anterior outros setores já falharam, como a Educação e a Saúde. Daí a importância de uma política social efetiva¿, destaca.

Também especialista em segurança pública, o sociólogo Arthur Trindade acredita que é justamente na Secretaria de Segurança Pública que o governador Agnelo poderá encontrar a chave para a questão das drogas, bem como para o controle da criminalidade do DF. ¿O problema das drogas é muito grave e só no discurso não vamos muito longe. Não é suficiente apenas dizer que os usuários de crack estão espalhados por toda a cidade e que isso é grave. São necessárias ações, entre elas uma mudança muita profunda na Secretaria de Segurança¿, afirma.

Para o consultor em segurança pública George Felipe Dantas, o trabalho de Agnelo Queiroz deve estar focado tanto na oferta de entorpecentes como na demanda por parte dos usuários. ¿No mundo inteiro, a lucratividade das drogas faz desse um negócio em expansão. Para diminuir a oferta é necessário um trabalho de redirecionamento da segurança, por meio de bloqueios e revistas em fronteiras. Já a questão da demanda envolve a área de Saúde.¿

Reabilitação Para o especialista, a expansão no número de centros de reabilitação, bem como no de casas de recuperação é essencial para deter o crescimento do consumo de drogas na capital. Atualmente, a unidade da Federação não conta com nenhuma residência terapêutica pública para tratar distúrbios psiquiátricos em todo o DF e no Entorno. ¿É importante dar atenção para esses usuários que estão no fim da linha. O governador deve aproveitar a relação partidária com o governo federal para conseguir recursos, bem como o seu contato estreito com a área da Saúde, já que ele é um servidor público da área, para dar esse importante passo¿, diz.

Ainda de acordo com Dantas, Agnelo precisará expandir o serviço de inteligência das polícias do DF contra o tráfico já que, com as ações de repressão ao uso e venda de entorpecentes no Rio de Janeiro, é provável que os delinquentes se desloquem para outras áreas ¿a fim de expandir o narcotráfico¿. Neste caso, a capital do país poderia ser uma das rotas possíveis. ¿Brasília é um centro com todas as características favoráveis. Temos uma massa de população jovem, muitas cidades com característica de exclusão social, que é o caso do Entorno, bem como moradores com alto poder aquisitivo¿, avaliou.

Três perguntas para

Antônio Testa, sociólogo e professor da Universidade de Brasília, especialista em violência urbana e segurança

Qual é a principal ação a ser tomada pelo novo governo para reprimir o problema de tráfico de drogas no DF? A droga faz parte da economia, o único investimento eficiente é no desestímulo ao consumo. O Estado perde o controle sobre a situação porque realiza sempre ações fragmentadas. Não adianta só prender um traficante aqui e outro ali, é preciso agir de forma integrada, envolver segmentos como a família e a sociedade.

Com relação ao comércio de entorpecentes em Brasília, qual é o principal problema? O crack hoje talvez seja o maior problema de saúde pública e de segurança que nós enfrentamos. Em todo o Brasil temos 1 milhão de usuários. Considerando que a dependência é uma doença que pode matar até 30% dos usuários, isso quer dizer que vamos perder cerca de 300 mil pessoas em menos de uma década. Trata-se de um problema estratégico a ser resolvido. A prevenção tem que ser feita, é uma moeda de duas faces, não adianta apenas reprimir. O Entorno do DF está abandonado, é preciso desenvolver uma ação estratégica e articulada neste sentido.

A que se deve a falta de controle com relação ao tráfico percebida hoje na cidade? A própria polícia não se preocupa tanto com o usuário, até porque os policiais não têm o que fazer com ele. Por isso são levados para as delegacias e liberados. A legislação não permite que eles fiquem presos, se ficam, rapidamente voltam às ruas. Mas esse usuário posteriormente vai para a rua roubar, sequestrar a fim de conseguir mais droga, aí, se ele ainda não era, passará a ser um problema para a polícia.

Comerciantes e moradores temem avanço

Enquanto o problema não é resolvido, o tráfico amedronta a comunidade e proprietários de comércios de diferentes regiões do DF. No Plano Piloto, moradores de rua e adolescentes rondam as quadras comerciais drogados, pedindo esmolas ou praticando pequenos furtos. O maitre de um restaurante da 403 Sul afirma que o problema é maior durante a noite e incomoda os frequentadores do estabelecimento. ¿Já cheguei a acompanhar clientes até o carro para evitar as abordagens. Além disso sempre recomendo a utilização do serviço de manobrista. Não tivemos nenhum caso de assalto aqui, mas é uma situação que atrapalha e, na minha opinião, é insuportável¿, considera Leonardo Moreira, 26 anos.

A comerciante Simone Amaral Barbosa, 21 anos, tem uma banca de roupas na Rodoviária do Plano Piloto e reclama ainda mais do problema. O negócio fica ao lado do gramado que virou ponto de encontro dos usuários de droga. Entre os atendimentos aos clientes, ela tem que ficar de olho na movimentação dos drogados que circulam pelo local. ¿Já fomos roubados várias vezes, até perdi a conta. Eles levam roupas e óculos para comprar drogas e assustam os clientes¿, explica a comerciante. ¿Domingo é o pior dia. Como o movimento é menor, a polícia quase nunca aparece. Trabalhamos por necessidade, porque dá muito medo ficar aqui¿, conclui.

Nas demais cidades, a situação se repete com maior intensidade. O Correio mostrou em reportagens publicadas em agosto deste ano, pessoas que vivem em bueiros a QNN 1, em Ceilândia, para fumar crack. Após a denúncia, o governo instalou grades nas galerias para conter a situação, mas nenhum tipo de tratamento foi oferecido aos usuários. Atualmente, eles ainda se drogam na região, vivendo em novos bueiros ou ao relento. ¿Eles continuam aqui. Passamos óleo nas calçadas para eles não sentarem, por medo. Eles andam como zumbis e roubam tudo o que acham. Do jeito que tá, daqui a uns tempos eles vão dominar tudo¿, indigna-se uma moradora da quadra, que prefere não se identificar.