Título: China deve reforçar aperto monetário
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Fonte: Valor Econômico, 26/03/2007, Internacional, p. A20

A maioria dos bancos centrais altera as taxas de juros em um quarto de ponto aqui ou meio ponto ali. Mas o Banco do Povo da China (BPC, o BC chinês) é particular. Em 18 de março, elevou as suas taxas de empréstimo e depósito referenciais em precisamente 0,27 ponto percentual, para 2,79% e 6,39%, respectivamente.

Tais calibrações finas podem aludir à época do uso do ábaco, e a um antigo costume chinês, que pressupõe um ano de 360 dias no propósito de calcular o pagamento dos juros. Para facilitar o cálculo de taxas diárias, os financiadores fixam taxas anuais que podem ser facilmente divididas por 360. Na prática, significa que deviam ser "divisíveis por nove" (pois tudo é facilmente dividido por 40).

Mesmo sem o ábaco, é fácil demonstrar que as taxas de juros chinesas estão surpreendentemente baixas. Apesar do aumento recente, a economia que cresce ao ritmo mais veloz no mundo remunera os poupadores com uma das taxas de juros mais baixas. O teto de 2,79% sobre depósitos de 12 meses apenas os compensa pela inflação nos preços ao consumidor, que subiu para 2,7% em fevereiro. Alguns economistas avaliam que a inflação pode atingir 3% em março, implicando que a taxa real de juros provavelmente ficará negativa.

As taxas pagas pelos tomadores de crédito são maiores, porém não muito. A taxa de empréstimo referencial do banco central está acima da inflação nos preços do atacado, agora na marca de 4,5%. Mesmo assim, parece baixa demais. Na teoria, a taxa de juros de equilíbrio de um país deveria ser igual ao seu retorno marginal sobre o capital. Em economias desenvolvidas, geralmente se entende que as taxas de juros devem ser praticamente as mesmas que a taxa de crescimento de longo prazo do PIB (um equivalente ao retorno sobre o capital). Mas tanto a taxa de crescimento nominal da China, bem como o seu retorno sobre o capital estão nos dois dígitos, bem acima da taxa de empréstimo do BC.

Isso não quer dizer que as taxas de juros da China deveriam chegar a 13%, alinhando-se com o crescimento nominal do país. Muitas outras economias asiáticas emergentes também têm taxas de juros bem abaixo das suas taxas de crescimento, em boa parte graças aos elevados níveis de poupança interna. Segundo Jiming Ha, economista-chefe do China International Capital Corporation, em nenhum outro lugar a diferença entre o ritmo de crescimento e a taxa de juros é tão grande como na China.

Dirigentes de bancos centrais podem conduzir políticas monetárias por meio da alteração do preço da moeda (ou seja, das taxas de juros) ou da sua quantidade. Em países desenvolvidos, prefere-se mexer nas taxas de juros. Na China, as mudanças de taxas são menos comuns: a iniciativa mais recente foi apenas a quarta em três anos, nesse mesmo período, o Federal Reserve (o banco central dos EUA) elevou as suas taxas 17 vezes. A China confia mais em medidas quantitativas, como controles diretos sobre empréstimos e mudanças no compulsório, a quantidade de reservas que os bancos devem manter no banco central. A taxa de exigência de reservas do BPC subiu cinco vezes desde julho de 2006.

Um motivo para essa abordagem é que a economia tradicionalmente não tem sido muito sensível à taxas de juros. Custos mais altos de empréstimos desencorajam empresas do setor privado, porém não desestimulam estatais ineficientes, pois elas são menos cobradas por seu retorno sobre o capital. Nestas circunstâncias, controles diretos sobre o crédito podem ser uma forma mais eficaz para frear o excesso de investimento.

Deixar as taxas em nível tão baixo, porém, tem os seus custos. Companhias podem se endividar demais para investir em projetos com baixos retornos, expondo os bancos a riscos perigosos. Empréstimos baratos incentivam uma dependência exagerada de financiamento bancário e retardam o desenvolvimento dos mercados de capitais. No momento, a distorção mais preocupante é que o baixo retorno sobre depósitos bancários está alimentando bolhas de preços de ativos, num momento em que as famílias tentam obter retornos mais elevados, comprando ações e imóveis. Depois de despencar, caindo 9% em 27 de fevereiro, o mercado acionário de Xangai se recuperou, superando seu pico anterior.

Exigências de compulsório mais elevado também perderam a eficácia. Na teoria, se os bancos são obrigados a manter mais dinheiro em depósitos junto ao banco central, isso deveria elevar o custo dos seus fundos e desta forma os levaria a pressionar por taxas de juros mais elevadas. Mas os depósitos dos bancos no BPC já são muito mais volumosos que o coeficiente exigido, portanto um aumento pouco influi para restringir a sua capacidade de oferecer crédito.

A política monetária da China também é restringida por seu rígido regime cambial. Graças ao seu crescente superávit comercial e ao seu robusto nível de investimentos, o país experimentou volumosos ingressos de moeda estrangeira, que dilatam a liquidez interna. O banco central tem relutado em elevar as taxas por temer que isso possa atrair mais "dinheiro nervoso" do exterior. Para retomar o controle sobre sua política monetária, a China precisaria ter uma taxa de câmbio mais flexível.

Um novo estudo do FMI, conduzido por Bernard Laurens e Rodolfo Maino, argumenta que as taxas de juros precisam desempenhar um papel mais importante na política monetária da China. Se o BPC adotasse uma taxa de overnight como sua meta operacional, sua política seria mais eficaz e a distribuição de capital seria mais eficiente. O BPC deveria extinguir os seus controles sobre taxas de empréstimo e de depósito. Deveria também reduzir as reservas excedentes dos bancos para lhes conferir um incentivo para tomarem empréstimos entre si no mercado interbancário, realçando, assim, a importância das taxas overnight.

Os autores argumentam, mais polemicamente, que o BPC precisa ter plena autonomia para mudar as taxas de juros. Atualmente, o Conselho de Estado precisa aprovar todos os ajustes. É improvável que o governo chinês conceda tais poderes ao banco central num futuro próximo. Apesar disso, o BPC deveria usar todos os seus poderes atuais de persuasão para defender mais vigorosamente a adoção de juros mais altos agora.

Mesmo quando se vê livre de ingerências políticas, o banco central está repleto de incertezas. Formuladores de política monetária precisam confiar na boa sorte, bem como no sólido bom senso. Este pode ser outro motivo que explica porque as taxas de juros chinesas são divisíveis por nove: o número é visto como auspicioso. A Cidade Proibida de Pequim, por exemplo, tem 9.999 quartos. Lamentavelmente, a política monetária expansiva da China está deixando um número elevado demais de questões ao sabor da sorte.