Título: UE estipula meta até 2009 para aprovar Constituição
Autor: Moreira,Assis
Fonte: Valor Econômico, 26/03/2007, Internacional, p. A21

Os 50 anos de existência da União Européia (UE) foram comemorados ontem em Berlim, a capital da Alemanha, num ambiente de perplexidade e incerteza sobre como sair do impasse político que freia suas iniciativas e reduz seu peso na cena global.

O cenário foi quase perfeito: o sol despontou depois de chuva dos dias anteriores, concertos musicais fizeram os alemães dançarem no simbólico Portão de Brandenburgo. E, após negociações até o último minuto, os líderes dos 27 países-membros adotaram a Declaração de Berlim.

O documento fixa junho de 2009 como meta para a entrada em vigor de um novo tratado de Constituição na Europa. A Alemanha quer um "road map" até junho próximo sobre como sair da pane institucional, adaptar a UE a sua nova dimensão com 27 países e afrontar a globalização.

O tratado, rejeitado em 2005 por referendo na França e na Holanda, dois países fundadores do bloco europeu, fez a UE voltar ao ponto de partida em 1957. As instituições européias estão paralisadas pelo alargamento e pela burocracia. O temor da globalização e a imigração se tornaram um tema central entre políticos na Europa, alimentando tentações nacionalistas.

Foi nesse contexto que a Declaração de Berlim procurou celebrar a paz, liberdade, prosperidade e democracia que o Tratado de Roma ajudou a propagar no bloco, abordou desafios futuros, como terrorismo, pobreza e mudança climática, reafirmou o modelo europeu que concilia sucesso econômico e solidariedade social, e concluiu sobre a necessidade de renovar os fundamentos da UE.

No entanto, o documento que deveria esclarecer para os 480 milhões de cidadãos da UE os ideais de uma Europa unificada refletiu mais as interrogações e divisões entre seus membros. A tal ponto que não foi assinado pelos líderes dos 27 países, e sim apenas pela premiê alemã, Angela Merkel, que preside o Conselho Europeu, por José Manuel Durão Barroso, o presidente da Comissão Européia, e também por Hans-Gert Poettering, presidente do Parlamento Europeu.

Os mais céticos indagam como países que não chegam a consenso nem sobre uma declaração vaga vão concordar quanto a complexas novas regras comuns para a Europa ter seu real peso e vencer grandes desafios mundiais, da energia, do meio-ambiente, da luta contra o terrorismo. Como formar um Exército comum, escolher uma espécie de presidente europeu, confirmar uma nova ponderação de votos entre seus membros para tornar o bloco mais eficiente e dinâmico?

As disputas mais recentes envolvem o plano dos Estados Unidos de instalar mísseis de defesa na Polônia e na República Tcheca, refletindo a que ponto é complicado a UE falar de uma só voz e definir interesses estratégicos comuns.

A UE não tem o peso de primeiro plano na política internacional que poderia ter porque não consegue equilibrar o temor de seus países de desaparecerem e a consciência de não poderem existir sem unir suas forças. A palavra-chave do projeto original europeu é a supranacionalidade, pela qual um país delega parte de sua soberania para, em contrapartida, participar com os outros das decisões comuns.

O problema é que os políticos, de Berlim a Londres, de Praga a Varsóvia, jogam exageradamente a carta nacional. O que vai bem é mérito deles, o que vai mal é culpa de Bruxelas (sede da UE). Os líderes estão cansados e enfraquecidos. Nenhum exprime uma visão capaz de transcender crispações e atenuar angústias trazidas pela globalização na opinião publica.

Curiosamente, nas comemorações de ontem, partiu de um dos líderes menos carismáticos, o premiê italiano Romano Prodi (ex-presidente da CE), constatar que a Europa precisa de um "grão de loucura, de loucura criativa".

Em todo caso, o balanço dos 50 anos contrasta com o ceticismo. Apesar de promessas, crises, desilusões, impaciência, a UE é o modelo a seguir. É um animal institucional complicado que passou dos 6 países fundadores a 27 membros, com 23 idiomas e suas culturas. Se seus 27 líderes decidirem falar, cada um dez minutos, numa reunião entre eles, só aí já serão cinco horas de discursos. Mas é assim que avança.

A UE não é uma superpotência militar como os EUA. Mas pretende ser uma superpotência tranqüila que pode ser mais eficaz para construir a paz. Seus países-membros pagam 37% das contribuições recebidas pelas Nações Unidas e fornecem mais da metade da ajuda humanitária no mundo. A bandeira européia está em todas as operações de estabilização da paz, sobretudo após o terrível fiasco do conflito dos Bálcãs, nas barbas da Europa, que fez 200 mil vítimas.

Seu produto interno bruto (PIB) representa 30% do total mundial. O bloco faz 20% do comércio global e é quem hoje mais e mais estabelece as regras das trocas entre os países. O sistema de saúde europeu é invejável, enquanto os EUA são a única nação desenvolvida a não ter seguro-saúde universal. O europeu médio vive quatro anos a mais que um americano. A UE é mal-amada por parte de seus cidadãos, é complicada, mas é um sucesso. E pode ser muito mais do que as suas oito mil páginas de regulamentações.

O repórter viajou a Berlim a convite do governo alemão para as comemorações dos 50 anos da União Européia.