Título: Restrições permanecem, com ou sem novo PIB
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/03/2007, Opinião, p. A22

A revisão das estatísticas do Produto Interno Bruto (PIB) alimentou uma disputa sobre o desempenho da economia nos governos Lula e FHC. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse estar "muito satisfeito" porque os dados mostram que "o Brasil já entrou na trajetória de crescimento sustentado". Líderes oposicionistas levantaram a suspeita de manipulação dos números.

É lamentável que um trabalho técnico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) tenha sido recebido de forma tão politizada. Como bem aponta o economista Claudio Considera em artigo no Valor, o IBGE é "independente, criterioso e competente". Considera é qualificado para opinar sobre o assunto porque foi chefe de contas nacionais do IBGE entre 1986 e 1992. É insuspeito porque foi secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda no governo FHC. O IBGE não está imune a questionamentos, mas é necessário fundamentá-los. A metodologia foi amplamente divulgada pelo instituto com muita antecedência.

É fato inegável que os dados do IBGE mostram maior crescimento no governo Lula. A média anual de expansão será de 3,3%, caso se confirme a estimativa de um crescimento de 3,4% em 2006. Nos oito anos do governo FHC, a média foi 2,3%. Daí a concluir que as políticas econômicas do governo Lula são as únicas responsáveis por esse desempenho vai uma longa distância. Embora os governantes sejam muito cobrados pelo resultado de curto prazo da economia, na verdade suas políticas determinam apenas a trajetória de crescimento da economia no longo prazo. A expansão do PIB no curto prazo é mero produto das flutuações do ciclo econômico. Já a capacidade de expansão no longo prazo é dada pelos investimentos e produtividade, estes sim influenciados por decisões de governo, como carga tributária e ambiente de negócios.

Exagero, portanto, concluir que, a partir de flutuações do PIB no curto prazo, a economia entrou em trajetória sustentada de crescimento. Mais do que comemorar a taxa passada de expansão, as atenções devem estar voltadas para extrair das estatísticas do IBGE as tendências de crescimento do PIB potencial.

A revisão dos dados pelo IBGE fez, por exemplo, a carga tributária de 2005, antes calculada em 37,4% do PIB, cair para 33,7% do PIB. Note-se, porém, que se trata de uma mudança de nível, não de tendência. Os dados do IBGE não alteram em nada a realidade de que o governo Lula aumentou a carga, que em 2002 estava em 32,4%. Dessa forma, limita a capacidade futura de crescimento.

Outro ponto preocupante é a queda nos investimentos, que para 2005 foram calculados em 16,3%, em vez dos 19,9% do PIB anteriores. Nesse caso, o nível é fundamental. O ministro Mantega levantou a hipótese, no dia em que saíram os dados do PIB, de que esse é um bom sinal, porque teria aumentado a produtividade. Ou seja, a economia cresce mais com menos capital.

Economistas independentes ponderam, de outro lado, que é possível que os investimentos tenham pura e simplesmente encolhido. As consequências seriam nefastas. A capacidade futura de crescimento teria sido hipotecada, e a economia já estaria operando perto do limite, o que exigiria cuidado redobrado do Banco Central daqui por diante.

Diagnóstico mais preciso só será possível a partir de quarta-feira, quando o IBGE divulgará dados trimestrais do novo PIB, que formarão uma massa estatística mínima que possibilitará calcular a produtividade da economia e o produto potencial.

Essas são conjecturas que dizem respeito mais ao BC, que cuida do ajuste fino da economia no curto prazo, do que ao resto do governo. A prioridade, em outras áreas, é sinalizar que não haverá relaxamento fiscal. Os novos dados do IBGE fizeram a dívida líquida do setor público mudar de nível em 2006, caindo de 49,9% para estimados 45% do PIB.

Mas a preocupação com a trajetória persiste, até que o indicador atinja níveis civilizados, inferiores a 40% do PIB. Seria demais esperar que governo aumentasse a meta nominal de superávit primário, fixada em R$ 95,5 bilhões, para cumprir os prometidos 4,25% do PIB. Mas também seria perigoso relaxar a meta nominal apenas porque o novo PIB reduziu a dívida líquida.