Título: Um entendimento com o Irã
Autor: Bertram, Christoph
Fonte: Valor Econômico, 16/04/2007, Opinião, p. A23

Existe um sábio ditado americano que diz: "Se estiver num buraco, pare de cavar". Os seis governos que atualmente estão considerando as próximas medidas para impedir que o Irã desenvolva uma bomba nuclear - cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU e a Alemanha - deveriam atentar para esse conselho. Do contrário, no fim eles poderão ficar sem qualquer poder de manobra na questão do programa nuclear iraniano e só lhes restará uma - inútil - opção, um ataque militar.

Os seis governos, porém, parecem determinados a prosseguir com a mesma estratégia adotada até agora. Sua condição para negociar com o Irã é uma suspensão prévia das suas atividades de enriquecimento nuclear. Somente em troca da renúncia permanente do Irã ao enriquecimento eles se disporão a oferecer compensações importantes - desde a suspensão das sanções e restrições comerciais até garantias de segurança. Essa estratégia não funcionou e não funcionará. Pelos termos do Tratado de Não-Proliferação (TNP), do qual o Irã ainda é signatário, os países têm o direito de promover o enriquecimento de urânio para propósitos civis, e o Irã argumenta que isto é tudo o que deseja. É verdade, a suspensão total do programa de enriquecimento por parte do Irã seria bem-vinda, especialmente porque seu governo tem ocultado essas atividades dos inspetores do Tratado por quase duas décadas, indicando motivações distintas das estritamente civis.

Mas o tema do enriquecimento foi inflado e transformado em símbolo da soberania nacional no Irã numa magnitude tal que, nenhum governo lá, não só a atual administração de Achmadinejad, recuará das suas posições. De fato, quando o Conselho de Segurança da ONU exigiu formalmente a cessação do programa de enriquecimento e impôs sanções moderadas em dezembro, a resposta desafiadora do Irã foi aumentar a atividade de enriquecimento. Então o que deve ser feito agora? A administração Bush, previsivelmente, está fazendo pressão por sanções novas e mais rigorosas, baseadas numa advertência implícita contida na resolução anterior da ONU, e argumentando, como fez nos preparativos para a invasão no Iraque, que a credibilidade da ONU está em jogo. Mas o único teste real da credibilidade da ONU neste conflito é se ela terá êxito em restringir o Irã ao máximo possível a um programa nuclear puramente civil.

Se o Conselho de Segurança não conseguir chegar a um acordo em torno das novas sanções - o que é provável, dadas as objeções chinesa e russa - será exposta como um tigre de papel. Se, por outro lado, ele elaborar um consenso em torno de mais punições econômicas e, possivelmente, até militares, a credibilidade da ONU dependerá de saber se essas iniciativas se traduzirão em obediência iraniana.

-------------------------------------------------------------------------------- Quem pede às Nações Unidas condenações ao Irã deve saber que elas não surtem efeito e, no passado, foram pretexto para ação independente dos EUA --------------------------------------------------------------------------------

Este desfecho, contudo, é improvável. Sanções econômicas mais rigorosas não obrigarão o Irã a obedecer; em vez disso, as sanções meramente atingirão os parceiros comerciais deste país rico em gás e petróleo. Ameaças adicionais só conseguirão empurrar a comunidade internacional com maior vigor na direção de uma espiral de escalada e, possivelmente, a iniciar uma ação militar. Existem pessoas no círculo de Bush que não desejariam nada melhor. Embora mesmo um ataque aéreo de grandes proporções não chegará a destruir a totalidade das instalações militares do Irã, e, além disso, deixará o conhecimento técnico intacto, ao menos poderá reduzir o ritmo do programa por um tempo e servirá como uma advertência a outros disseminadores potenciais. Trata-se, porém, de uma aposta temerária. Hoje, o Irã declara que quer observar o TNP, e que não tem nenhuma intenção de construir uma bomba atômica. Depois de sofrer um ataque dos Estados Unidos, as duas promessas serão favas contadas.

Se os seis governos quiserem evitar a escalada e refrear a dinâmica da proliferação, precisarão mudar a estratégia e o objetivo. Em lugar de transformar a suspensão do enriquecimento do urânio na questão mais importante dos seus esforços, seu objetivo central deveria ser o de sujeitar as atividades iranianas ao máximo de verificação possível: se o Irã quer enriquecer, que assim seja, porém o país deverá aceitar inspeções internacionais invasivas.

Este é um trato que os próprios iranianos já insinuaram repetidamente. Os seis se recusaram porque a verificação não consegue oferecer uma garantia absoluta contra o desvio de algum urânio enriquecido para uso militar. Como as superpotências já aprenderam na Guerra Fria, porém, a ausência de verificação irrefutável não torna a inspeção inútil. Eles poderiam submeter o programa iraniano a restrições ainda maiores do que ocorre hoje. E um acordo desta natureza abriria o caminho para um entendimento mais amplo entre o Irã e o Ocidente pela cooperação e a estabilidade regional.

É por isso que os seis deveriam parar de cavar um buraco ainda mais profundo. Em vez de formular novas sanções para o Conselho de Segurança da ONU, deveriam usar os próximos meses para explorar confidencialmente que nível de restrições combinadas com verificação o Irã consideraria em troca de enriquecimento não contestado. Sem dúvida, os seis deveriam manter a opção de manter mais resoluções espinhosas como um incentivo para induzir o Irã a uma solução conciliatória. Mas aqueles que hoje exortam a ONU a emitirem condenações instantâneas do comportamento do Irã precisam ter duas coisas em mente: é improvável que surtam qualquer efeito, e os EUA já usaram esses tipos de resolução como pretexto para iniciarem ações militares independentes.