Título: Etanol de milho ganha inimigos nos EUA
Autor: Herbst, Moira
Fonte: Valor Econômico, 26/03/2007, Especial, p. A24

Paul Hitch passou toda sua vida criando gado e porcos numa faixa de terra de Oklahoma que ele afirma ser "tão plana quanto uma mesa de bilhar". Seu bisavô começou a cuidar das terras em 1884, antes de Oklahoma se transformar em um Estado dos EUA. Agora, aos 63 anos, Hitch se prepara para passar o negócio a seus dois filhos. Mas teme que eles enfrentem uma pressão crescente, principalmente por causa da disparada dos preços do milho, do qual o negócio depende para alimentar as criações. Nos últimos 12 meses, os preços do milho quase dobraram por causa do aumento da demanda pelo etanol.

"Essa farra do etanol é uma insanidade", diz Hitch, presidente eleito da National Cattlemen's Beef Association (NCBA, associação dos criadores de gado de corte). "Essa conversa de independência energética terá grande custo para o resto da economia."

A febre do etanol está fazendo brotar um grupo barulhento de críticos. Enquanto políticos, como o presidente George W. Bush, e fazendeiros do Meio-Oeste americano crêem que os EUA poderão conseguir sua independência energética transformando milho em combustível, Hitch e um grupo improvável de aliados estão levantando suas vozes contra. O esforço vem unindo fazendeiros e ambientalistas, criadores de porcos e hippies, idealistas da energia solar e pragmáticos do livre mercado.

Eles têm motivos diferentes para se oporem ao etanol. Mas a alegação comum é que o foco no etanol à base de milho é muito apressado e que o envolvimento ativo do governo - via subsídios às usinas de etanol e tarifas elevadas para desencorajar alternativas como o etanol produzido a partir da cana-de-açúcar - deve levar outros setores da economia ao caos.

"O governo acha que pode escolher um vencedor, mas deveria deixar a escolha para o consumidor", diz Demian Moore, analista da Taxpayers for Common Sense, organização sem fins lucrativos. "O etanol de milho não é uma alternativa confiável sem subsídios enormes."

O etanol tem muito apoio em Washington. Além do pedido de Bush por aumento da produção, Hillary Clinton, senadora por Nova York e pré-candidata a presidente, mudou de posição e passou a apoiar os subsídios ao etanol.

Barack Obama, outro democrata pré-candidato a presidente, está no mesmo barco. Até John McCain, crítico durante anos, está revendo sua oposição enquanto tenta garantir sua candidatura pelo Partido Republicano. A Archer Daniels Midland (ADM), gigante do agrobusiness e maior produtora de etanol dos EUA, faz um lobby formidável no Congresso e doou milhões de dólares para campanhas políticas nas últimas três décadas.

Embora a influência dos inimigos do etanol não seja grande no momento, sua coesão e seu poder estão crescendo. No início do mês, a NCBA, o National Chicken Council (criadores de frangos), a National Turkey Federation (criadores de perus) e o National Pork Producers' Council (criadores de suínos) pedindo ao Congresso o fim dos subsídios ao etanol de milho.

Economistas de inclinação esquerdista, como Paul Krugman, da Universidade Princeton, estão se unindo aos fundamentalistas do livre mercado do Cato Institute, para apontar as armadilhas do etanol. E grupos de ambientalistas temem que a produção agressiva de milho possa ter conseqüências terríveis para o meio ambiente por causa do uso pesado de pesticidas, fertilizantes e máquinas que queimam combustíveis fósseis. "Há uma grande preocupação", diz Doug Koplow, que analisa as políticas energéticas para a Earth Track, uma consultoria de Boston.

Os grupos oposicionistas não vinham trabalhando juntos até este ano, mas Hitch diz que a NCBA já mantém contato com outros grupos, num esforço de coordenar o lobby e outras atividades. Em 16 de março, representantes de fazendeiros, criadores de frango, processadores de carne suína e produtores de leite discutiram estratégias para a questão do etanol. Concordaram em criar formalmente um grupo, em lançar um site informativo e em trabalhar para eliminar os subsídios internos ao etanol e as tarifas ao etanol brasileiro na lei conhecida como Farm Bill.

Fazendeiros e outros oponentes dizem que estão determinados a fazer o governo mudar suas políticas, não importa o tempo que isso leve. "Essa coisa do etanol está deixando as pessoas meio loucas", diz Hitch. "Depois de apresentarmos uma frente unida sobre essa questão, certamente poderemos vencer, e vamos vencer."

O crescimento do etanol data de só dois anos, após a lei de 2005 que regulou a política energética. Ela define que 7,5 bilhões de galões do consumo anual de gasolina dos EUA, cerca de 5%, venham de combustíveis renováveis até 2012.

No discurso sobre o estado da União deste ano, o presidente Bush propôs elevar para 20%. Isso tudo em cima de um subsídio de US$ 0,51 por galão, que começou em 1978. O resultado é uma onda de construção de usinas de produção de etanol, com 113 hoje em operação no país e outras 78 em construção, o que elevou a demanda por milho, ao ponto de em 2006 o etanol ter absorvido cerca de um quinto da oferta do país.

Mais milho para os produtores de etanol significa, é claro, menos para os rebanhos. Fazendeiros dos Estados do Oeste americano e criadores de suíno de áreas rurais do Sul e Meio-Oeste estão vendo seus negócios serem prejudicados por políticas forjadas em Washington.

Hitch diz que a alimentação dos rebanhos, a partir do milho, é o maior custo unitário de seu negócio. Como os preços do milho quase dobraram, processadores e embaladores de carne como a Tyson Foods e a Smithfield Foods estão pagando mais pelos animais.

"A abordagem atual e seu ritmo está cheia de riscos para os usuários tradicionais de rações", disse Matthew Herman, gerente da Tyson Foods. "Sem salvaguardas adequadas contra as conseqüências não intencionais, o futuro da agropecuária dos EUA está ameaçado."

Economistas dizem que a produção do etanol a partir do milho não faria nenhum sentido sem a ajuda do governo. O mix de subsídios federais e estaduais para o etanol de milho chegou, segundo estimativa conservadora, a algo entre US$ 5 bilhões e US$ 7 bilhões em 2006, segundo Koplow. Uma parte considerável desse dinheiro vem da restituição de imposto de US$ 0,51 por galão de etanol que as refinarias misturam com gasolina.

Ao mesmo tempo, o governo impõe uma tarifa de US$ 0,54 por galão a o etanol brasileiro, , feito de cana, mais barato e mais eficiente do ponto de vista energético. Alguns economistas dizem que políticos estão subordinando a política energética ao apoio político em Estados importantes. "Que idéia é essa que o etanol brasileiro é um combustível sujo?", diz Jerry Taylor, do Cato Institute. "O governo deveria ficar fora dos mercados de energia e deixar os melhores combustíveis prevalecerem."

Se o governo quer um papel nos mercados de energia, há outros participantes que gostariam de mais atenção. Defensores da energia solar e eólica querem o mesmo tipo de tratamento que o etanol. "Por que apoiamos o etanol e não a energia solar e a eólica?", pergunta Randy Swisher, diretor da American Wind Energy Association. "Falta consistência nessa política."

A questão econômica pode ser ainda mais atraente em algumas alternativas. Defensores de veículos híbridos, incluindo produtores de energia solar e eólica, além das empresas de serviços públicos, dizem que podem produzir o equivalente em energia a uma galão de gasolina por menos de US$ 1, menos da metade do custo do etanol..

"A quantidade de subsídios concedidos ao etanol poderia facilmente ser usada para fazer esse país mudar para os veículos híbridos e ter um impacto muito maior na redução da dependência do petróleo", afirma Jigar Shah, diretor-presidente da SunEdison, uma geradora de energia solar.

Os produtores de etanol dizem que oferecem uma alternativa viável aos tradicionais combustíveis fósseis, que vai se tornar mais disponível com o tempo. "Estamos produzindo no país um combustível limpo e renovável, que se sustenta sozinho em valor e preço", diz Gordon Ommen, diretor-presidente da US BioEnergy, que já superou a VeraSun Energy, tornando-se a segunda maior produtora de etanol de milho dos EUA, depois da Archer Daniels Midland.

A US Bioenergy inaugurou em 16 de março uma usina de etanol em Dyersville (Iowa). Com três unidades em produção e mais cinco em construção, a empresa tem uma capacidade de produção de 300 milhões de galões por ano.

O homem nomeado por Bush para cuidar da energia alternativa, Andy Karsner, prevê que a oposição ao etanol vai sumir com o tempo. Diz que, embora o governo esteja hoje apoiando a produção de etanol de milho, até 2012 haverá tecnologia para a produção de etanol a partir do lixo e outros produtos não alimentícios. Esse chamado etanol "celulóico" vai aliviar a pressão, diminuindo a demanda por milho. "O etanol de milho é um precursor necessário do etanol de maior escala e de combustíveis alternativos em geral", diz Karsner, cujo cargo oficial é secretário-assistente da Divisão de Eficiência Energética e Energias Renováveis do Departamento de Energia.

Enquanto isso, fazendeiros como Hitch temem que não seja feita uma análise adequada das conseqüências não previstas do boom do etanol. Ele acha que os EUA podem estar desenvolvendo mais um vício, com seus próprios efeitos colaterais graves. "Isso está virando uma mania. É precisa parar um pouco, recuperar o fôlego e então olhar para o que é realmente plausível", diz. "Por enquanto, é só uma coisa fora de controle."