Título: Relator aposta em derrubada de vetos mas busca acordo por nova MP
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 14/12/2012, Política, p. A6

A insegurança jurídica resultante da provável derrubada do veto da presidente Dilma Rousseff à mudança na regra de distribuição da receita do petróleo explorado pelo modelo de concessão com contratos já firmados preocupa as partes envolvidas. A rejeição do veto significa a restituição da regra prevista no projeto do Senado, que faz uma distribuição mais equânime do dinheiro. O problema é que, ao mesmo tempo, há uma medida provisória em vigor com regras conflitantes, pelo menos até que haja uma solução final para o problema.

O senador Francisco Dornelles (PP-RJ) manifestou essa preocupação ontem ao Valor. "A única coisa certa na derrubada do veto é a insegurança jurídica e a paralisia total de investimentos no setor. Se for mantido o veto, não tem esse problema."

Essa é uma das principais preocupações do deputado Carlos Zarattini (PT-SP), indicado por seu partido para ser relator da medida provisória que trata da destinação de recursos do petróleo para a educação e altera a repartição da receita proveniente de campos explorados ainda no modelo de concessão, porém com contratos assinados a partir de 3 de dezembro, data da edição da MP.

Essa MP está sendo vista por parlamentares de Estados não produtores como o último caminho para uma tentativa de acordo, embora o Rio de Janeiro já tenha dado início à batalha judicial para evitar a derrubada do veto. Zarattini pediu uma conversa com o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB) - que chegou a ser marcada, mas posteriormente adiada -, e quer reunir representantes dos Estados confrontantes e não confrontantes para nova rodada de entendimentos.

A comissão mista do Congresso Nacional encarregada de dar parecer à MP 592, de 3 de dezembro de 2012 - editada por Dilma para complementar a lei que ela sancionou com vetos, definindo as regras de distribuição dos royalties na regra do modelo da partilha (criado em 2010 para a exploração dos campos na camada pré-sal e de áreas estratégicas) -, será instalada apenas em fevereiro.

Estava prevista para ontem, mas o governo decidiu adiar o início de todas as comissões mistas de MP. Formalmente, não foi instalada por falta de quórum.

A seguir, os principais da entrevista concedida por Zarattini ao Valor:

Valor: O adiamento da instalação da comissão mista dá mais tempo para vocês tentarem negociar um novo acordo, que a esta altura parece impossível?

Carlos Zarattini: Dá mais tempo para a gente negociar, inclusive com uma noção do desenvolvimento jurídico da questão, porque o Rio já deu início à batalha jurídica, com o mandado de segurança proposto no Supremo Tribunal Federal (STF).

Valor: Se o veto for votado na próxima semana, não há dúvida de sua derrubada, certo?

Zarattini: Nenhuma. São 24 Estados querendo aumentar seus recursos. Nessa questão não há governo ou oposição.

Valor: Sendo rejeitado o veto e os Estados confrontantes recorrerem ao Supremo com pedido de liminar para não perder os recursos, o que acontece?

"Não tenho dúvidas da derrubada. São 24 Estados a favor; nessa questão não há governo ou oposição"

Zarattini: Primeira possibilidade: veto derrubado, a lei é sancionada [inteira, com a inclusão do artigo terceiro, que muda as regras da repartição atual dos recursos, que foi vetada]. Mas, ao mesmo tempo, tem uma medida provisória em vigor [com regras diferentes]. Já fiz algumas consultas jurídicas sobre isso e não tive todas as respostas. Mas, pelo que analisaram até agora, no que conflitar um com o outro, vale o dispositivo da lei, ou seja, a nova regra de repartição. [Uma MP tem força de lei, mas só é transformada definitivamente em lei após sua aprovação na Câmara e no Senado. Enquanto não é votada, corre risco de caducar ou ser rejeitada.] Então, até que a MP seja analisada e, em caso de ser mudada e transformada em projeto de lei de conversão, aprovado e sancionado pela presidente, prevalece a regra que havia sido vetada.

Valor: Que confusão....

Zarattini: Se o veto for derrubado, há uma segunda possibilidade. A lei é sancionada com o dispositivo vetado, e o Rio entra no STF pedindo a inconstitucionalidade e uma liminar suspendendo seus efeitos, enquanto o mérito não for julgado. O Rio não vai ficar perdendo dinheiro enquanto o mérito não for julgado. Imagina-se que o tribunal vai acolher a liminar. Concedida a liminar, está suspensa a lei e está valendo a MP, pela primeira análise jurídica que fizeram. Aí vamos ter a aprovação do projeto de conversão. Se isso for verdade, a gente vai ter uma pressão política muito maior dos Estados que demandam uma distribuição dos royalties para que a gente mude a MP e aprove um projeto de conversão com chance de ser sancionado.

Valor: É pelo risco dessa insegurança jurídica que o senhor acredita em acordo?

Zarattini: Essa lei vai ficar parada, sub-júdice. Ganha uma importância grande a negociação na comissão mista, para que a gente possa chegar a um acordo. Vou propor que vários governadores sejam convidados para apresentar seus pontos de vista na comissão mista. Vamos tentar uma interlocução para chegar a um acordo.

Valor: Quais seriam as bases do acordo? O substitutivo que o senhor apresentou?

Zarattini: Ele seria o parâmetro, uma diretriz. Não vou repetir o substitutivo, até porque ele foi derrotado por nove votos [a Câmara aprovou o do Senado]. Então, eu tenho que reabrir uma discussão. Se nesse processo de debate chegar à conclusão que é essa diretriz mesmo, vamos formatar de acordo com essa diretriz.

Valor: A ideia é que os Estados confrontantes mantenham seus ganhos por um tempo, a ser negociado, e os recursos que forem acrescidos sejam redistribuídos de forma mais equânime entre os demais Estados e municípios?

Zarattini: Essa seria a diretriz. Aí tem uma polêmica da data base da receita dos confrontantes que seria mantida. Na nossa proposta era 2011. Na do Senado, é 2010. Se a gente propõe 2012, poderia ser um elemento novo, para reduzir a resistência do Rio, porque eles argumentam que a arrecadação de 2012 foi maior do que a de 2011. A resistência é muito grande em relação ao projeto do Senado, porque a perda da arrecadação [de 2010 para 2013] seria de 40% para o Rio e o Espírito Santo. Vão perder bastante dinheiro. Colocando 2012, redução seria bem menor. Os não produtores, por sua vez, teriam aumentos graduais nas porcentagens e nos números absolutos. Eles saltariam de R$ 1,2 bilhão de 2012 para R$ 9 bilhões no ano que vem, com base no meu substitutivo. Estou tirando também da União, que reduz de 50% para 40% o que recebe em participação especial e de 30% para 20% em royalties. É uma facada na União.

Valor: Estamos falando somente dos campos explorados pelo regime de concessão, e com contratos já licitados. As regras para a divisão dos recursos da partilha (pré-sal e área estratégia) estão mantidas na lei sancionada. Qual a previsão para a receita dos campos concedidos?

Zarattini: Estamos levantando os números de previsão de arrecadação, que aumentaram muito com os campos já explorados. A previsão é chegar a 2020 com R$ 66 bilhões [só no regime de concessão]. Hoje estamos calculando que vai fechar em aproximadamente R$ 32 bilhões. Significa dobrar em sete anos.

Valor: Isso explica o interesse dos não produtores, já que essa receita fica concentrada no Rio e no Espírito Santo, especialmente no primeiro. Há, ainda, polêmica com relação à destinação do dinheiro. Pela MP, os recursos acrescidos provenientes dos campos licitados a partir de 3 de dezembro terão de ser destinados à educação.

Zarattini: A medida provisória, do jeito que está, não mexe com o que está contratado. Do que será contratado [sempre lembrando: pelo modelo de concessão], 100% irá para a educação. Na verdade, o que será contratado só irá produzir daqui a cinco, seis, sete anos. No caso do pré-sal, a MP destina o dinheiro para a educação, mas os leilões começam no segundo semestre do ano que vem. E colocam mais 50% do rendimento do Fundo Social para educação. O Fundo Social tem hoje R$ 150 milhões. Então o que é o rendimento disso? Se render 3% ao ano, dá R$ 4,5 milhões. Pela minha proposta, os recursos aumentados já iriam para a educação. Nosso problema é convencer o Palácio de que devemos mexer no que já está contratado. Contratado com as petroleiras, não com os governos. Se a gente quer benefício já, para essa geração, temos que dar dinheiro para os que já estão hoje.

Valor: Pelo clima visto na sessão de derrubada do veto e na reação do Rio, aparentemente não há qualquer possibilidade de acordo.

Zarattini: Temos dois atores que são fundamentais. Um é Dilma e o outro é Sérgio Cabral, que vamos tentar atrair para uma posição de acordo. Temos argumentos. Se isso não acontecer, podemos fazer entendimento com os demais Estados e teremos de convencer a presidente da República de que fizemos um bom projeto, e, infelizmente, o Rio ficou ainda em desacordo. Aí aprova e ela sanciona.