Título: Governo não aceita repartir CPMF com Estados, diz Bernardo
Autor: Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 01/02/2007, Brasil, p. A4

O governo não aceita repartir, com Estados e municípios, a arrecadação da CPMF, uma reivindicação feita pelos governadores. Para fazer isso, diz o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, o governo teria que aumentar a carga tributária. "Se eu tiver que dar mais alguns bilhões de reais a Estados e municípios, o resultado dessa discussão não será a redução da carga tributária", pondera o ministro, em entrevista exclusiva ao Valor.

Bernardo diz que tem "dificuldade" para entender a proposta dos governadores, que gostariam de ficar com 30% da receita gerada pela CPMF. Ele lembra que uma parte dos recursos do tributo - 0,20 ponto percentual da alíquota de 0,38% - é destinada à Saúde, portanto, vai para os governos estaduais e as prefeituras. Uma outra parte - 0,08 ponto percentual - vai para o Fundo de Combate à Pobreza, do qual governadores e prefeitos se beneficiam. "Se tirarmos 30% para os governadores, vai faltar dinheiro para essas áreas."

Numa defesa veemente do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o ministro diz que a oposição subestimou a dimensão do pacote e, por isso, o critica agora por estar consciente de seus efeitos políticos "positivos". "Tanto que as críticas começaram a aparecer três ou quatro dias depois (do anúncio do programa", observa.

Sobre as críticas de que o PAC não trouxe medidas de corte de gastos e redução da carga tributária nem a proposição de reformas institucionais, como a da previdência, Bernardo afirma que, mesmo com o presidente Lula gozando de alta popularidade e dispondo de ampla maioria no Congresso, não há condições políticas, neste momento, para aprovar essa agenda. Ele diz que uma reforma da previdência proposta pelo governo seria rejeitada "imediatamente" pelo PSDB e o PFL, partidos da oposição que apoiaram a reforma de 2003, elaborada pelo governo Lula. "O clima político agora é completamente diferente."

Bernardo diz que Lula não está evitando a adoção de medidas impopulares, mas que, a partir de agora, só mexerá em assuntos controversos depois de reunir "condições políticas" para tanto. Ele acredita também que, depois de quatro anos de rigor fiscal, a sociedade brasileira exige agora uma outra agenda do governo. "O país precisa crescer mais", diz.

Valor: Os especialistas dizem que, para o país crescer mais rápido, o governo teria que cortar gastos e reduzir a carga tributária. O PAC não tem uma coisa nem outra. Não é uma contradição?

Paulo Bernardo: Alguns analistas fazem a mesma análise, qualquer que seja o projeto. Elas se afastam da realidade. É preciso ter uma percepção clara dos objetivos do PAC e das condições em que estamos trabalhando.

Valor: Que condições?

Bernardo: As condições políticas, por exemplo. O nosso governo teve um comportamento muito firme na condução das políticas fiscal e monetária. A despeito disso, ainda há críticas. As pessoas não percebem que a sociedade brasileira está pedindo uma outra agenda. Cumprimos todas as metas fiscais nos últimos quatro anos, portanto, achamos que agora devemos atender, sem abandonar o rigor fiscal, outras demandas da sociedade.

Valor: Que agenda é essa?

Bernardo: A de que o país precisa crescer mais.

Valor: Reduzir a carga tributária não é uma demanda da sociedade?

Bernardo: Para fazer isso, temos clareza de que é preciso diminuir também os gastos do governo, senão a conta não fecha. Agora, quando falamos em fazer a reforma tributária, as primeiras reações nos indicam que, em vez de reduzir, precisaríamos aumentar a carga. O que mais é demandado é o aumento do gasto.

Valor: A que reações se refere?

Bernardo: Por exemplo, essa idéia de repartir mais recursos (feita por governadores). Isso nos obrigaria a aumentar a carga. O governo quer continuar fazendo um esforço para diminuir tributos. Já fizemos isso, de maneira bem-sucedida, em diversos setores. Fizemos desonerações pontuais e elas estão dando resultado. Mas, se eu tiver que dar mais alguns bilhões de reais a Estados e municípios, e tiver que aumentar os investimentos, o resultado não será a redução da carga.

Valor: O momento atual não é ideal para aprofundar o ajuste fiscal e, assim, criar espaço para o BC acelerar a queda dos juros?

Bernardo: É preciso ter condições políticas para fazer isso.

Valor: Por que não há condições políticas?

Bernardo: No ano passado, fizemos um acordo com as entidades representativas dos aposentados para, em vez de dar 3,14% de reajuste aos aposentados, conceder 5%. Por duas vezes, o Congresso aprovou reajuste de 16,7%. É razoável defender nova reforma da Previdência, sou amplamente favorável mas é preciso criar condições para aprová-la, porque isso que aconteceu em 2006 soou como um alarme.

Valor: Eleito com ampla maioria no 2º turno, o presidente Lula não tem capital político para aprovar reformas?

Bernardo: É possível, mas veja que anunciamos um programa, com viés fiscal, contenção de gastos com pessoal e previdência social e pública, com desoneração de setores da economia, aumento dos investimentos, melhora da regulação ambiental, das regras de licitação, e mesmo assim alguns setores, surpreendentemente, não vêem nada de positivo. Uma parte das críticas é motivada pelo temor dos efeitos políticos positivos do programa. Acho que a oposição esperava menos do PAC. Quando viu a dimensão do programa, ficou preocupada. Tanto que as críticas começaram a aparecer três ou quatro dias depois.

Valor: Na regra adotada para os salários dos servidores, o objetivo é reindexá-los?

Bernardo: Não. Não estamos falando de regra de reajuste dos salários, mas sim das despesas com pessoal. Estamos estabelecendo limite para a evolução da folha de pessoal, equivalente à inflação mais 1,5% real. Se o gestor público resolver contratar pessoal, provavelmente não terá margem para dar reajuste. Se, pelo contrário, enxugar a folha, poderá até dar reajuste superior a 1,5% real.

Valor: Por que usar a inflação como parâmetro?

Bernardo: Não tínhamos a intenção de congelar os salários, mas queríamos ter um ritmo de crescimento da despesa menor que o atual. Fixamos um limite que vai garantir uma reposição para evitar perdas inflacionárias, com uma margem que pode ser usada para melhorar os salários, contratar novos funcionários e resolver o problema do crescimento vegetativo da folha. É um limite moderado. Não representa arrocho salarial, nem é uma bondade enorme.

Valor: Essa medida não é inconstitucional, na medida em que fixa regras para outros poderes?

Bernardo: De forma alguma. Não é o governo que vai disciplinar a regra, mas o Congresso. Trata-se de um projeto de lei complementar que altera a LRF, onde já existe limitação salarial para os três poderes. A LRF diz que o limite dos gastos com pessoal é 60% da receita corrente líquida. A lei divide esses 60% entre os três poderes. Não mexemos nisso. Estamos apenas colocando um outro parâmetro para conter o ritmo de crescimento da despesa.

Valor: O governo Lula fixou tetos para receitas e despesas nos últimos dois anos, mas na prática os ignorou. Isso não vai acontecer de novo?

-------------------------------------------------------------------------------- Eu não estou lutando para aumentar os salários dos servidores. Luto para manter nossas contas equilibradas " --------------------------------------------------------------------------------

Bernardo: São duas coisas diferentes. A LDO, que fixou os tetos, é uma lei editada todo ano. Num ano, tem uma redação, no seguinte, outra. A LRF é lei complementar, de caráter permanente.

Valor: O projeto só prevê a aplicação da regra para a União. Por que Estados e municípios não foram incluídos?

Bernardo: Chegamos à conclusão de que não seria adequado. A LRF é válida para Estados e municípios, então, nada impede que o Congresso faça uma alteração para incluir governos estaduais e prefeituras.

Valor: Os funcionários públicos integram a chamada base social do governo. O sr. não teme que essa medida provoque um rompimento?

Bernardo: É absolutamente natural que os sindicatos reajam. Eles não estão lutando pelo equilíbrio das contas públicas. Eles lutam para melhorar as condições de trabalho dos servidores. Do ponto de vista dos sindicatos, uma limitação como essa deve ser negativa. Eu não estou lutando para aumentar os salários dos servidores. Luto para manter nossas contas equilibradas. É um olhar completamente oposto.

Valor: Dados do Dieese mostram que, apesar da recomposição salarial promovida pelo governo, os funcionários continuam sendo os protagonistas das greves no país. O governo desistiu de regulamentar o direito de greve dos servidores?

Bernardo: Temos um projeto bem adiantado, mas achamos que não se tratava de medida para ser encaixada no PAC. Queremos dialogar e negociar com servidores e Ministério do Trabalho.

Valor: O PAC não trouxe medidas para contenção dos gastos com Saúde, que são indexados à variação do PIB nominal. Dá para controlar os gastos públicos sem isso?

Bernardo: A concepção era não permitir que os gastos correntes cresçam mais do que o PIB. O projeto do salário mínimo se encaixa nessa regra, o dos servidores também - a não ser que alguém ache que a economia vá crescer menos de 1,5% ao ano. A Saúde não está fora dessa regra, porque cresce igual ao PIB.

Valor: A idéia não era atrelar esses gastos à variação do PIB per capita?

Bernardo: Tínhamos a idéia de fazer uma regulamentação diferente, mas foi uma opção do presidente Lula. Por razões políticas, ele achou que uma medida como essa teria chance quase zero de ser aprovada pelo Congresso.

Valor: Não está evidente que o presidente está evitando medidas impopulares no segundo mandato?

Bernardo: Ele não tem problema com isso. No ano passado, vetou duas vezes, no meio do processo eleitoral, o aumento de 16% para os aposentados. No primeiro mandato, enviou ao Congresso as propostas de reforma tributária e da previdência dos servidores públicos. A previdenciária teve PEC paralela, mudanças, mas passou. A tributária até hoje não foi concluída.

Valor: Como o sr. vê a proposta fdos governadores de destinar 30% da receita da CPMF aos Estados?

Bernardo: Tenho dificuldade de entender isso, porque 0,08 ponto percentual da CPMF é destinada ao Fundo da Pobreza, que tem ações no país inteiro; 0,10 vai para a Previdência, e 0,20 para a Saúde, cujos recursos são quase integralmente repassados para Estados e municípios. Se tirarmos 30% para os governadores, faltará dinheiro para essas áreas.

Valor: O Fórum Nacional da Previdência não corre o risco de fracassar, como o Fórum do Trabalho?

Bernardo: O fórum é uma maneira de enfrentar o problema. Se hoje fizermos uma enquete nas ruas sobre a reforma da Previdência, arrisco dizer que a maioria acha que é necessária. Agora, se você detalhar como seria a reforma, mexer na idade, no tempo para aposentar, provavelmente aparecerá ampla maioria contra.

Valor: Se não houver consenso no fórum, o governo fará assim mesmo uma proposta?

Bernardo: Esse passo não definimos ainda, porque achamos que haverá resultado no fórum. O contrário, ou seja, uma reforma proposta pelo governo não tem chance de dar certo.

Valor: Por quê?

Bernardo: Porque terá a oposição do PFL e do PSDB.

Valor: Os dois partidos não foram fundamentais para a aprovação da reforma de 2003?

Bernardo: Apoiaram em 2003, mas duvido que o façam agora. O clima político é completamente diferente.

Valor: Por que o governo decidiu tirar, do déficit do INSS, os incentivos fiscais e os gastos com segurados especiais?

Bernardo: A idéia é tornar as contas da Previdência mais transparentes. Quando falamos em déficit, incluímos o impacto de medidas que não foram tomadas pela Previdência Social. O Super Simples, por exemplo, vai representar renúncia de R$ 5,1 bilhões para a Previdência. Pelo critério de contas do INSS, podemos dizer que aumentamos o déficit em R$ 5,1 bilhões. Isso não depende de gestão da Previdência.

Valor: Ao reduzir de forma contábil o déficit, o governo não enfraquece o argumento em defesa da reforma?

Bernardo: Sou a favor da reforma, mas temos que ter transparência. Isso é importante, porque, a partir de agora, no momento em que o Congresso for aprovar um projeto com impacto na Previdência, vamos poder discutir melhor.

Valor: A prorrogação da CPMF e da DRU não está no PAC. Por quê?

Bernardo: Já decidimos que vamos mandar, em fevereiro ou março, essas medidas ao Congresso. Internamente, havia visões diferentes. Eu achava que deveríamos diminuir gradativamente a CPMF ao longo dos próximos dez anos, mas fui convencido pelo ministro Guido Mantega de que era melhor dar mais desoneração em outros tributos para estimular a produção. Desistimos também da idéia de aumentar o percentual da DRU. Ainda estamos discutindo se a prorrogação será por quatro ou dez anos.