Título: Polônia mira Brasil para fugir da crise
Autor: Exman , Fernando
Fonte: Valor Econômico, 23/11/2012, Internacional, p. A12

Um breve passeio pela capital da Polônia é suficiente para que se note uma característica do povo local: o orgulho por ter protagonizado movimentos de insurgência contra diversos tipos de ocupação estrangeira ao longo de sua história, alguns dos quais são retratados nos monumentos em homenagem aos poloneses e aos judeus do gueto de Varsóvia que tombaram em suas lutas contra os nazistas. Nos últimos anos, porém, a Polônia passou a ter outro motivo para se envaidecer. Depois de deixar o regime comunista e enfrentar uma crise financeira na década de 1980 que o impediu temporariamente de pagar suas dívidas, o país vem se destacando como uma das economias mais dinâmicas da Europa.

Apesar da crise financeira global e da fragilidade de alguns vizinhos, a economia polonesa cresce ininterruptamente há 20 anos. Para evitar que essa "fase de ouro" chegue a um fim e se torne mais um exemplo de resistência fracassada do povo polonês, o governo se mobiliza para colocar em prática uma estratégia que garanta a manutenção do crescimento do país a longo prazo. Até agora, parte considerável da competitividade e do crescimento econômico da Polônia é fruto de sua hesitação em aderir à zona do euro e dos recursos bilionários originados dos fundos europeus estruturantes. Durante a crise, a moeda nacional, o zloty, foi desvalorizada em até 30%. Hoje, US$ 1 vale 3,2 zloties.

Dependente do consumo doméstico e dos negócios com outros países europeus - sobretudo a Alemanha -, a Polônia agora quer diversificar seus parceiros comerciais. Assim, o Ministério da Economia elegeu cinco novos alvos prioritários - Brasil, Cazaquistão, Argélia, Turquia e Canadá. Como resultado, a partir de segunda-feira uma missão integrada por 69 empresários e liderada pelo ministro das Relações Exteriores Radoslaw Sikorski visitará o Brasil.

"Essa crise se parece mais com as crises mais agudas que sofremos na história. A saída não é uma questão de 1 ou 2 anos, mas de 10 ou 15 anos", resumiu em entrevista a jornalistas brasileiros e colombianos o ex-primeiro ministro e atual presidente do Conselho Econômico e do Conselho de Ministros do governo polonês, Jan Krzysztof Bielecki, lembrando que a crise já dura cinco anos. "Há um termo mágico que ganhou ainda mais importância durante a crise: diversificação de mercados."

A investida internacional da Polônia ocorre em meio à consolidação de um capitalismo com forte presença do Estado no país, processo que também pode ser comprovado numa visita turística à capital. Afeitos a símbolos, em 1991 os poloneses instalaram a recém-criada Bolsa de Valores de Varsóvia no grande edifício cinza que até então abrigava a sede do Partido Comunista. Com a expansão do hoje dinâmico mercado de capitais local, que conta com 436 empresas listadas em seu principal índice e é destaque em números de ofertas públicas iniciais de ações (IPOs) e movimentação financeira na região, a bolsa teve de se mudar para um prédio próprio em 2000. Hoje, diversas lojas de artigos de luxo ocupam o imóvel.

Personagem-chave desse processo de transição, o ex-presidente Lech Walesa tem na ponta da língua a explicação sobre o motivo de a Polônia ter desempenhado papel decisivo para o fim do comunismo. O líder da greve realizada em 1980 e fundador do partido Solidariedade, de oposição ao regime comunista, lembra da atuação do papa João Paulo II para enfraquecer o regime. "A Polônia teve o papa. Os padres eram representantes da nação e falavam por nós. A Igreja nunca deu as costas ao país, e a coisa foi diferente com outros países do mundo", destacou, em entrevista em seu escritório, no centro da cidade de Gdansk. "A revolução foi possível aqui porque tivemos um papa e gente especializada em lutar por muitos séculos contra a opressão. O comunismo tinha uma filosofia de não permitir a nação de se organizar, estava destruindo cada tipo de organização e cada greve. Não podemos dizer que o papa foi quem fez a revolução, mas foi um impulso, um organizador. E isso foi o suficiente."

Atualmente, avaliam autoridades polonesas, o bom trânsito dos investidores no país é reflexo dos fundamentos sólidos da economia e da condução da política econômica. A Polônia resistiu à onda de recessão que tomou conta do continente europeu nos últimos anos. Entre 2008 e 2011, seu Produto Interno Bruto cresceu 15,8%. Para 2012, estima-se que o desempenho do PIB polonês fique entre os melhores da União Europeia. O Fundo Monetário Internacional estima que o crescimento do PIB polonês seja de 2,4% em 2012 e de 2,1% no ano que vem. Já a própria Polônia projeta altas de 2,7% e 2,2%, respectivamente. Para tentar evitar tal desaceleração, o governo do premiê Donald Tusk também quer tirar do papel um programa de investimentos públicos em infraestrutura a partir de 2013.

"A banca polonesa nunca chegou a entrar em crise", afirmou Beata Stelmach, vice-ministra de Relações Exteriores, lembrando que o sistema bancário, embora um dos primeiros a serem privatizados pela Polônia, foi mantido sob uma forte supervisão.

Embora ainda mantenha sob seu controle ativos em diversos setores e continue a ditar as diretrizes para segmentos estratégicos da economia, o governo polonês sustenta uma política fiscal relativamente austera e implementa medidas para reduzir seus gastos com a Previdência Social. A legislação proíbe que o endividamento bruto do setor público ultrapasse 60% do PIB, e prevê o acionamento de medidas prudenciais crescentes se o índice ultrapassar os níveis de 50% e 55% do PIB. Atualmente, está em cerca de 55%. Além disso, num sinal ao mercado de que a autoridade monetária é autônoma, os dirigentes do Banco Central têm mandatos irrevogáveis de seis anos.

"Essa é a razão para a Polônia ter uma boa reputação no mercado financeiro. Por isso os bônus do Estado se comercializam muito bem", comentou Andrzej Raczko, membro do Conselho de Administração do Banco Central.

Por outro lado, a Polônia não tem atingido sua meta de inflação, fixada em 2,5% ao ano com uma margem de um ponto percentual para mais ou para menos. Atualmente, o índice está em 3,8%. A expectativa do FMI é que atinja 3,9% em 2012 e desacelere para 2,7% no ano que vem.

"Isso [aceleração da inflação] se deve a um choque de origem externa, um aumento dos preços de energia e alimentos. O núcleo da inflação está em mais ou menos 2,5%", justificou Raczko. "Esperamos que num prazo de um ano ou um ano e meio se reduza a inflação, aproximando-se da meta."

Por isso, segundo o integrante do Conselho de Administração do Banco Central, o país não deve adotar medidas de política monetária que possam prejudicar a economia. Sinal dessa diretriz foi a recente redução dos juros básicos da economia polonesa de 4,7% para 4,5% ao ano. "Parece que essa é uma tendência que vai ter continuidade", acrescentou Raczko.

Em outro front, a Polônia tem procurado facilitar a vida dos investidores. Um dos resultados desse esforço foi recente anúncio do Banco Mundial segundo o qual a Polônia foi o país que fez os maiores avanços para melhorar seu ambiente de negócios. Ao todo, 185 países foram analisados pela instituição. Para o Banco Mundial, por exemplo, a Polônia vem melhorando seu sistema tributário e elevando o acesso ao crédito. Além disso, desde o fim do comunismo, o país já privatizou cerca de 7.000 empresas. Há ainda aproximadamente 300 companhias estatais.

O país europeu conta com 14 zonas econômicas especiais, onde são oferecidos incentivos fiscais e outros benefícios a empresários locais ou estrangeiros. O governo polonês assegura que há um excedente de mão de obra qualificada, o que, além de beneficiar novos empreendimentos, reduz a possibilidade de haver pressões crescentes por maiores salários.

O país, porém, tem desafios a enfrentar a médio e longos prazos. O tratado de adesão à União Europeia assinado em 2004 pela Polônia determina que o país adote o euro. Mesmo assim, a intenção do governo é só passar a fazer parte da zona do euro depois do fim da atual crise financeira e de o bloco passar por reformas estruturais, com medidas que aumentem a regulação bancária e facilitem a gestão da dívida dos países da região.

"Estamos obrigados a adotar o euro, mas em nenhum momento se determinou um prazo para a entrada na zona do euro. É uma situação que nos beneficia", ponderou o membro do Conselho de Administração do BC polonês.

Outro desafio é construir as bases para manter um crescimento econômico sustentável, num cenário em que alguns países da UE tentam reduzir o orçamento comum do bloco. Hoje, a Polônia é o principal beneficiário dos fundos europeus, que destinarão € 68 bilhões ao país entre 2007 e 2013. O país já investiu 80% desses recursos, sobretudo na melhoria da infraestrutura rodoviária, ferrovias, redução de danos ao meio ambiente, qualificação profissional e apoio ao setor produtivo. O montante entre 2014 e 2020 ainda está em negociação, mas os poloneses esperam que os recursos totalizem entre € 70 bilhões e € 80 bilhões.

O jornalista viajou a convite do governo polonês