Título: Decisão nos EUA pode gerar calote argentino
Autor: Webber , Jude
Fonte: Valor Econômico, 23/11/2012, Internacional, p. A13

A decisão do juiz nova-iorquino Thomas Griesa, que ordenou na quarta-feira que o pagamento a ser feito em dezembro a detentores de títulos emitidos quando da reestruturação da dívida argentina em 2005 e 2010, ocorra junto com o pagamento de US$ 1,3 bilhão a fundos que processam o país para receber valores integrais, cria a perspectiva de Buenos Aires decidir não pagar ninguém, dizem analistas e advogados.

"A política da Argentina em relação a seu calote e reestruturação tem sido muito irresponsável", disse Matthew Parish, da firma de advocacia Holman Fenwick Willan, que acredita que a Argentina decidirá dar um calote em sua dívida reestruturada para não ter de pagar aos credores que cobram um pagamento integral, os quais, afirma o país, não têm direito a nada.

"Eles [governo argentino] decidiram ignorar os credores por vários anos. Depois, tentaram voltar aos mercados de títulos com um revólver apontado para a cabeça dos antigos credores. Agora a conduta resultará em ficar totalmente fora dos mercados de dívida."

A Argentina também está diante de uma onda de outras ações judiciais iniciadas por credores que aceitaram a reestruturação da dívida, irritados diante do que dizem ser um desrespeito a seus direitos de propriedade. A decisão também poderá abrir as portas a possíveis processos de outros "investidores insatisfeitos", que se recusaram a aceitar a reestruturação da dívida. Segundo economistas, entre US$ 8 bilhões e US$ 11 bilhões de dívida argentina continua em poder dos "investidores inconformados", e até US$ 25 bilhões da dívida reestruturada foram emitidos sujeitos à legislação de Nova York.

O cenário agora é muito diferente da situação em 2001, quando a Argentina estava em recessão, o peso argentino estava insustentavelmente atrelado ao dólar e depósitos bancários, congelados.

A economia argentina freou este ano, após crescimento de 8,9% em 2011 e expansão superior a 8% em sete dos últimos nove anos. Embora o governo seja acusado de inflar os dados do crescimento, analistas dizem que a economia, de fato, está em recuperação.

Por outro lado, o governo de Cristina Kirchner impôs controles e restrições sobre importações, inclusive obrigando governos provinciais a saldar em pesos suas dívidas em dólar emitidas sob a legislação argentina. O governo recorreu às reservas do banco central, hoje em US$ 45 bilhões, para honrar obrigações da dívida assumidas desde 2010 e recorreu a empréstimos intragovernamentais, inclusive da Previdência estatal, depois que praticamente perdeu acesso a empréstimos internacionais, após seu calote em 2001.

Mas o modelo econômico estatizante defendido pela presidente, que expropriou a petroleira YPF, pertencente à espanhola Repsol, sem indenizá-la, já dá sinais de tensão. A inflação está em torno de 25%, e a diretoria do FMI se reune em 17 de dezembro para discutir punições ao país devido à manipulação dos dados de inflação.

Michael Henderson, da Capital Economics, disse em nota: "O impacto de um novo calote poderá ser muito maior para as províncias e empresas argentinas, que estão mais dependentes de financiamento externo e provavelmente sofrerão uma disparada nos custos de seus empréstimos".

A governo pode, naturalmente, cumprir a ordem do juiz Griesa e depositar US$ 1,3 bilhão devido à Capital NML e outros demandantes em juízo, enquanto aguarda o resultado do seu recurso, em torno de 15 de dezembro. A Argentina deverá pagar cerca de US$ 3,4 bilhões a credores em dezembro.

Mas Cristina recusa-se a pagar um dólar sequer a fundos que ela denomina "abutres", e o governo sofreu um constrangimento pela apreensão em Gana, em 2 de outubro, de um navio da Marinha, o Libertad, por demanda da NML. O destino do navio permanece incerto. Se a Argentina decidir pagar os "credores reestruturados", mas não os "credores insatisfeitos", o país estará desacatando a ordem judicial. A punição por isso poderá incluir o sequestro de bens, e autoridades governamentais ficarão impossibilitadas de viajar aos EUA, devido à ameaça de prisão.

Se a Argentina não pagar ninguém, isso significará um calote na visão do tribunal nova-iorquino, o que significaria que a decisão de pagamento poderia ser aplicada por meio do confisco de ativos argentinos, o que basicamente daria continuidade ao esforço de cobrança que vem impedindo o acesso da Argentina aos mercados de capitais internacionais nos últimos 10 anos. E isso poderá deflagrar um novo calote.