Título: Fundo de hedge faz pré-pagamento
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 01/02/2007, Finanças, p. C1

Aos poucos, os fundos de hedge - mais alavancados e menos avessos ao risco - estão ingressando em um mercado antes exclusivos dos bancos: o de empréstimos às empresas, principalmente aqueles vinculados às exportações. Há fundos que não apenas participam da operação fornecendo o crédito como também montam as complexas estruturas de pré-pagamento à exportação para o cliente e depois vendem o empréstimo, concorrendo em condições de igualdade com as instituições financeiras. Para obter esse know-how, vêm tirando executivos dos grandes bancos internacionais.

É o caso do Rosemount Global Trade Finance, o primeiro fundo de hedge especializado exclusivamente em empréstimos vinculados à exportação, que no ano passado estruturou empréstimo de US$ 15 milhões à brasileira Coimex Trading. Segundo executivo da Coimex que preferiu não se identificar, esses fundos têm feito ofertas cada vez mais competitivas em relação a custos e a prazos de vencimento e têm ganho operações que antes eram de bancos. Ele diz que a empresa capta por um ano ao custo de Libor, a taxa interbancária de Londres, mais 1% aproximadamente.

Os ex-diretores de bancos contratados pelos fundos de hedge conhecem bem o mercado de commodities, diz o executivo da Coimex, e têm conseguido acesso direto a empresas. O Rosemount (que desde janeiro passou a contar com a participação da Merrill Lynch) criou já em 2005 uma divisão específica para o crédito à exportação. Depois dele, inúmeros outros fundos de hedge tomaram a mesma iniciativa.

No mercado americano, eles já estão entre os principais fornecedores de empréstimos para as empresas que não são "grau de investimento", ou seja, não têm o selo de investimento não-especulativo das agências de rating e pagam, por isso, rendimentos maiores aos investidores e bancos. São as chamadas empresas de "high yield". Também participam de operações na Ásia emergente e na Rússia.

Na América Latina, os fundos de hedge já tem participação ativa no mercado de empréstimos para empresas do México e do Chile, que são países com o selo de "grau de investimento". Agora, esses fundos estão chegando com tudo ao Brasil. O diretor para a América Latina do BNP Paribas, Ernesto Meyer, pretende visitar os fundos de hedge para vender parte dos empréstimos sindicalizados que estão sob a liderança do banco, informa. "Eles têm uma massa de recursos violentamente grande e recentemente estão mudando de política em busca de rendimentos e ativos diferenciados", diz Meyer.

Como esses fundos querem diversificar sua carteira na América Latina e Brasil, compram operações pequenas, de US$ 10 milhões a US$ 30 milhões, ou fatias de empréstimos maiores. O Citigroup no Brasil criou diversas operações privadas de empréstimo sob encomenda para esse tipo de investidor no ano passado, informa Marcelo Marangon, chefe da área de corporate finance e de corporate banking do Citi.

Se as empresas preferidas são as que não são grau de investimento, a estrutura do crédito à exportação, por outro lado, reduz o risco da operação, pois os recebíveis da companhia podem ser diretamente acessados pelos credores em contas externas nas operações de pré-pagamentos. Nas captações maiores, de eurobônus simples e sem vínculo à exportação, os fundos de hegde exigem mais cláusulas financeiras restritivas das empresas de "high yield".

A baixa liquidez desses empréstimos no mercado secundário não é empecilho aos fundos de hedge, que muitas vezes deixam os empréstimos parados na carteira e esperam que eles sejam pagos gradativamente. Outros, no entanto, negociam esses empréstimos no mercado secundário sob a forma de derivativos de crédito ou notas estruturadas com derivativos, por meio das mais conhecidas "credit linked notes".

"Os novos instrumentos financeiros permitem que os empréstimos sejam negociados como bônus no mercado secundário", explica José Berenguer, vice-presidente executivo do ABN AMRO. O banco de capital holandês, por sua tradição na atuação com empresas médias brasileira, tem sido freqüentemente procurado por esses fundos de hedge, diz João Teixeira, vice-presidente executivo do ABN AMRO.

No final do ano passado, o banco liderou operação de pré-pagamento à exportação de US$ 75 milhões para a Tecsis, companhia de capital nacional instalada no interior paulista, em Sorocaba. A empresa é fornecedora de enormes pás eólicas para empresas de geração de energia a vento. Pagou juros de 6% ao ano sobre a Libor pelo vencimento em três anos em empréstimo vendido a fundos de hedge.

Essa já é a terceira operação desse tipo liderada pelo ABN AMRO. O banco inaugurou esse tipo de estrutura no Brasil e já no final de 2005 estruturou empréstimo de US$ 75 milhões para o Independência. Em 2006, o frigorífico obteve mais US$ 25 milhões dessa forma, pelo prazo de quatro anos e pagando a Libor mais 6%.

A mesma estrutura foi usada para levantar US$ 30 milhões para a International Food Company, com fábrica em Itupeva, interior de São Paulo, uma das principais exportadoras para os Estados Unidos de "beef jerky ", um "snack" de carne bovina defumada. O prazo é de quatro anos e os juros de Libor mais 6% ao ano.

Segundo Rui Silva, superintendente-executivo do ABN, essas estruturas são uma espécie de "pré-bônus" e de "pré-abertura de capital", tornando as empresas mais conhecidas junto aos investidores. Ele lembra que as operações de mercado de capitais exigem muitas informações públicas, que companhias menores e familiares muitas vezes ainda não estão preparadas para fornecer. "A grande maioria das empresas brasileiras não tem rating", exemplifica. O ABN havia distribuído empréstimos de empresas da Ásia e Rússia para fundos de hedge e seguradoras e, com a experiência positiva, trouxe o mesmo tipo de operação ao Brasil, explica ele.