Título: IPCA será até 0,7 ponto mais alto por causa do câmbio
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 14/11/2012, Brasil, p. A6

A inflação ao consumidor vai ficar entre 0,6 e 0,7 ponto percentual mais elevada neste ano por causa da desvalorização do câmbio. A cotação média da moeda, que no ano passado ficou um pouco abaixo de R$ 1,70, vai fechar 2012 na casa de R$ 1,95. Há seis meses, o dólar oscila entre R$ 2 e R$ 2,10, ficando boa parte do tempo próximo a R$ 2,05.

O impacto do câmbio mais fraco sobre a inflação ocorre principalmente pelo canal dos preços de alimentos, diz o economista Thiago Curado, da Tendências Consultoria. É dele a estimativa do efeito sobre o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do real mais fraco. Pelo modelo usado por Curado, 1 ponto porcentual de depreciação do câmbio se traduz numa alta de 0,04 ponto da inflação.

O aumento do câmbio médio de R$ 1,67 em 2011 para estimados R$ 1,94 neste ano implica um IPCA 0,65 ponto percentual mais alto. Para 2012, Curado projeta uma alta de 5,4% para o indicador usado como referência para o regime de metas de inflação. Segundo ele, além dos preços de alimentos, o câmbio mais desvalorizado também se traduz em alta mais forte de alguns itens do vestuário.

No caso dos bens duráveis, como automóveis e eletrodomésticos, o real depreciado não tem sido uma influência relevante no curto prazo, diz Curado. "Há uma ociosidade grande dos produtores globais de bens duráveis." Com isso, é possível que empresas estrangeiras tenham concedido descontos em seus preços em dólares, para compensar o câmbio. Outro ponto é que houve desonerações tributárias para bens como veículos e eletrodomésticos, contribuindo para derrubar os preços.

A Tendências estimou qual seria hoje o câmbio real de equilíbrio com base num modelo que leva em conta os termos de troca (a relação entre preços de exportação e importação), o passivo externo líquido, dado pela soma dos resultados em conta corrente, e a taxa real de câmbio efetiva, calculada em relação a 13 parceiros comerciais do país. O número a que se chega é de algo entre R$ 1,70 e R$ 1,80. Se o câmbio estivesse nesses níveis e não na casa de R$ 2,03, diz Curado, a inflação neste ano seria de 0,6 a 0,7 ponto percentual mais baixa, um resultado muito próximo ao obtido com o cálculo do câmbio médio de 2011 e 2012. Para ele, essa comparação mostra o efeito das intervenções do governo no câmbio sobre a inflação.

O ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman estima em recente estudo que, se o câmbio flutuasse livremente e andasse em linha com as moedas de países latino-americanos como Chile, Colômbia e Peru, como ocorria até 2010, o dólar estaria hoje entre R$ 1,69 e R$ 1,77. Nesse cenário, as cotações das commodities em reais estariam, em outubro, 15% menores, diz ele, sócio da Schwartsman & Associados.

Com o câmbio fixo, eventuais altas dos preços de commodities, como as ocorridas entre junho e setembro, acarretam aumentos das cotações domésticas desses produtos. Quando a moeda flutuava, aumentos das commodities, que compõem grande parte da pauta de exportação brasileira, eram amortecidos ao menos em parte pela valorização do real, evitando que os preços internos subissem na mesma proporção que os externos. Nos 12 meses até outubro, os alimentos no IPCA subiram 10,4%. Para Schwartsman, fixar câmbio é um erro, algo incompatível com o regime de metas de inflação.

O professor Nelson Marconi, da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, não compartilha da visão de Schwartsman e de Curado. Para ele, permitir a valorização do real para controlar a inflação seria um equívoco. Uma moeda que oscila e se valoriza demais afeta decisões de investimento, diz. "O que está pressionando os preços é a alta dos salários e do custo unitário do trabalho. Usar o câmbio para se contrapor a essa tendência é voltar à prática adotada no passado, que contribuiu para prejudicar a estrutura produtiva e os investimentos."

Há diferentes modelos para se chegar a uma taxa de câmbio de equilíbrio. Em 2011, os economistas André Nassif, do BNDES e da Universidade Federal Fluminense (UFF), Carmem Feijó, da UFF, e Eliane Araújo, da Universidade Estadual de Maringá, estimaram que o câmbio deveria estar em R$ 2,90 para alcançar a taxa "ótima" real de longo prazo - a que induz à alocação de recursos para os setores de maior produtividade.