Título: Regime de penas volta a opor relator a revisor
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 14/11/2012, Política, p. A8

Mesmo sem sessão do mensalão, ontem, o ministro relator, Joaquim Barbosa, e o revisor do processo, Ricardo Lewandowski, voltaram a discordar. Enquanto o primeiro afirmou no Senado que os condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) não têm direito à cela especial, o segundo disse na Corte que aqueles que pegaram penas em regime semiaberto podem cumpri-las em liberdade condicional.

"A prisão especial é só para quem está cumprindo prisão provisória, e não definitiva", disse Barbosa após passagem pelo Congresso para entregar os convites para sua posse na presidência do STF no dia 22. Ele esteve com o presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PT-RS), e com o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). O relator evitou "falar sobre pessoas", mas enfatizou que esse seria o caso dos réus do julgamento do mensalão. Assim, na visão de Barbosa, mesmo os condenados com diploma superior - caso do ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu - não poderiam ir para prisão especial, pois esse direito seria reservado aos casos de prisão provisória ou preventiva - em que ainda não há uma decisão final da Justiça pela condenação. O relator disse ainda que cabe ao juiz federal ou estadual definir o local da prisão dos condenados e que, geralmente, a pena é cumprida no local onde o réu mora ou onde tem família.

Já Lewandowski afirmou que os réus que foram condenados a cumprir pena de prisão em regime semiaberto - entre quatro e oito anos - podem ser transferidos para o aberto por falta de vagas nas cadeias. "A coisa mais difícil é ter vaga no semiaberto", disse Lewandowski, antes do início das sessões das turmas do STF. "Eu cansei de conceder habeas corpus [liberdade] para que pessoas cumprissem o aberto", enfatizou o ministro, ressaltando que isso costuma ocorrer nos casos em que as colônias penais agrícolas estão fechadas ou sem vagas. Nessas hipóteses, os condenados ficam em regime de liberdade condicional - não podem sair do país e tem que se apresentar regularmente à Justiça. No regime semiaberto, a pessoa tem que dormir na cadeia. O ex-presidente do PT José Genoino foi condenado à pena que deve ser cumprida no regime semiaberto: 6 anos e 11 meses de prisão. A hipótese descrita por Lewandowski pode favorecê-lo na fase de execução das penas.

Ontem terminou o prazo para os 25 réus condenados entregarem seus passaportes ao STF. Ao todo, a Corte recebeu 23 documentos. Entre eles, o passaporte do publicitário Marcos Valério, que está vencido. Já o ex-deputado Bispo Rodrigues alegou que o documento está na Polícia Federal, que, por sua vez, não confirmou a informação. Por fim, o deputado Pedro Henry (PP-MT) não entregou o documento até às 20h, mas se comprometeu a fazê-lo hoje.

O julgamento será retomado às 14h de hoje com a continuação da definição das penas para 16 réus. Será também a última sessão do presidente, ministro Carlos Ayres Britto, que se aposenta no dia 18 ao completar 70 anos. Ele afirmou que deixa o tribunal sem frustração por não ter concluído o julgamento do mensalão. "Não é que eu gostaria de encerrar. Eu quis tocar o processo num ritmo compatível entre presteza e segurança", justificou. Segundo o presidente, se não for possível o encerramento hoje, Barbosa, vai fazer a proclamação final nas próximas semanas. "Isso não me frustra absolutamente em nada", enfatizou Britto. "Eu não queria incidir, como de fato não incorri em açodamento, em pressa, porque prejudicaria a segurança do julgamento", completou o presidente da Corte.

Em sua última sessão no comando do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Britto defendeu cordialidade entre os integrantes do STF para que os julgamentos ocorram com tranquilidade. "O que interessa num ambiente colegiado é manter alta a taxa de cordialidade e de gentileza porque aí o processo flui", disse o ministro. "O derramamento de bílis não combina com a produção de neurônios", completou.

Britto ressaltou ainda que o Judiciário "tem a coragem de vetar comportamentos antijurídicos e chancelar os retilíneos". Nesse ponto, ele não citou o mensalão, mas sim a decisão do STF que confirmou a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa e a que permitiu ao CNJ fazer correições em tribunais no país. "O STF é uma casa de fazer destino que vem mudando a cultura desse país com a soberania da coragem."

Britto afirmou ainda que o Judiciário é um Poder mal remunerado. "No Judiciário é inconcebível o desmando e, no entanto, ele não é tratado na altura de sua dignidade remuneratória", disse o ministro.

Para ele, as comparações com os salários de juízes de outros países são indevidas, pois nos Estados Unidos, por exemplo, é possível adquirir carros e computadores por preços muito menores, que chegam a um terço do que se paga no Brasil. Ele enfatizou ainda que Brasília é uma cidade cara. Enquanto o ministro falava, servidores do Judiciário promoviam um buzinaço em volta do Supremo Tribunal Federal (STF), um protesto por aumento de salários.

"É chegada a hora de o CNJ zelar pela autonomia do Judiciário. Ela é do mais largo espectro. É administrativa, orçamentária, remuneratória", afirmou Britto. Segundo o ministro, o Judiciário é o Poder "mais cobrado, mais exigido e o menos perdoado quando comete desvios". "E deve ser assim. É um Poder garantidor e fiador da Constituição."