Título: Peso dos repasses já atinge 22% da dívida líquida
Autor: Santos, Chico
Fonte: Valor Econômico, 30/11/2012, Brasil, p. A3

Especialistas divergem quanto à eficácia, em horizonte de longo prazo, do repasse de recursos do Tesouro Nacional a bancos públicos, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Para o economista da diretoria de estudos setoriais e inovação (Diset) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Mansueto Facundo de Almeida Júnior, a ação do governo é uma verdadeira "bola de neve", que eleva o patamar de dívida pública a níveis preocupantes.

Para o economista da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UerJ) e presidente da Associação Keynesiana Brasileira, Luiz Fernando de Paula, no entanto, a possibilidade de repasse do Tesouro ao BNDES confere maior agilidade ao governo para injetar crédito na economia real - e, assim, elevar a taxa de investimento no país.

O economista do Ipea lembrou que as operações da União com BNDES, Caixa e Banco do Brasil têm como estratégia principal a captação de recursos pelo Tesouro por meio de emissão de títulos de dívida. Isso, na prática, aumenta a capacidade de empréstimo dos bancos, sem afetar o superávit primário das contas públicas. Mas, como a taxa paga pelo governo nos títulos é maior do que a cobrada pelo BNDES nos financiamentos, a conta do governo não fecha.

De acordo com cálculos feitos por Mansueto, o estoque de dívida repassada aos bancos públicos passou de R$ 8,2 bilhões em 2007 para R$ 369 bilhões até setembro deste ano. Segundo ele, com a aprovação mais recente do empréstimo do BNDES para a construção de usina de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará, este valor deve atingir R$ 400 bilhões até o final do ano, quando um novo repasse deve ser feito do Tesouro. "O BNDES [com os repasses do Tesouro] tem grande participação na composição disso", acrescentou.

Para o economista do Ipea, os repasses estão ajudando a elevar fortemente o endividamento público. Em 2007, R$ 8,2 bilhões da dívida pública eram integralmente originados de repasses ao BNDES e representavam 0,7% da dívida pública líquida (de R$ 1,1 trilhão), e 0,48% da dívida pública bruta (R$ 1,7 trilhão). Até setembro de 2012, os repasses ao BNDES passaram a representar 21,7% da dívida líquida (R$ 1,5 trilhão) e 13% da dívida bruta (R$ 2,5 trilhões). Em valores, já eram R$ 333 bilhões, incluindo os R$ 250 bilhões autorizados desde janeiro de 2009, além de outros repasses e recursos do Fundo da Marinha Mercante.

Quando contabilizados todos os bancos públicos, os estoques de dívidas representavam, em setembro, 24,1% da dívida líquida e 15% da dívida bruta. Em 2007, o BNDES não tinha mais de 10% do seu passivo vinculado a dívidas com o Tesouro em 2007. Ao final de 2012, esse percentual deve subir para 56%, afirmou o especialista.

O maior patamar de endividamento do governo, lembrou ele, estimula a União a elevar carga tributária, para fechar suas contas. Portanto, esta postura, na análise do especialista do instituto, tem um custo elevado para a sociedade que não está sendo divulgado de forma detalhada. "Estamos fortalecendo o BNDES por meio de dívida, e não por meio de poupança", resumiu Mansueto.

Para Mansueto, o BNDES não precisaria dos aportes sucessivos efetuados pelo Tesouro até o momento. "O BNDES não é um banco pequeno. Ele tem condições de ter um orçamento entre R$ 90 bilhões a R$ 100 bilhões, sem aportes do Tesouro", avaliou. O problema, na sua avaliação, é que o banco concede frequentemente empréstimos que poderiam ser viabilizados por meio de iniciativa privada, ou pelo mercado de capitais. "Um exemplo é a Vale, que pega recursos do BNDES. Mas que necessidade a empresa tem de pegar recursos do banco? Ela tem condições de tomar empréstimos lá fora, tranquilamente", avaliou.

Ao contrário de Mansueto, Luiz Fernando de Paula apoia a iniciativa do governo e o papel dado ao BNDES na política anticrise. Ele lembra a capacidade de estímulo à economia real que o banco possui, já posta à prova em diversas vezes, como na crise global em 2009. Para De Paula, qualquer limitação ao poder do governo de incrementar o orçamento do banco, por meio de recursos do Tesouro, poderia inibir a agilidade da União de reaquecer a economia, em momentos de turbulência.

Outro fator citado pelo economista da Uerj é a ausência, no país, de uma instituição financeira de financiamento de longo prazo do setor privado. Ou seja: o banco de fomento contribuiria para elevar a taxa de investimento na economia em horizonte de longo prazo. "Alguns dizem que, se o BNDES sumir, o mercado encontraria meios de suprir a ausência de mecanismos de financiamento de longo prazos", afirmou, acrescentando duvidar dessa possibilidade.

De Paula, que também preside a associação keynesiana, observou ainda que, em sua avaliação, o banco de fomento tem procurado usar parte expressiva de seu orçamento para fortalecer instrumentos no mercado de capitais brasileiro, como emissões de debêntures, por exemplo - e, assim, diminuir a dependência de empresas por crédito do BNDES. Portanto, o governo, por meio dos repasses do Tesouro, estaria indiretamente contribuindo para a diversificação de fontes de financiamento do país, avaliou Fernando de Paula - o que, no futuro, poderia ajudar a diminuir a necessidade de aportes do Tesouro aos bancos públicos, observou.

Procurado, o BNDES não quis comentar os repasses feitos pelo Tesouro à instituição.