Título: Recursos bilionários encalhados
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Fonte: Correio Braziliense, 07/12/2010, Política, p. 8

Dinheiro de emendas parlamentares que poderia beneficiar a população aguarda a liberação do Executivo, a poucos dias do fim da atual legislatura Josie Jeronimo

A legislatura está prestes a acabar e o governo deve pelo menos R$ 4,6 bilhões em emendas parlamentares direcionadas no início dos mandatos de deputados e senadores. O encalhe de recursos que poderiam melhorar a vida da população é provocado por diversos fatores, como as eleições deste ano, a saturação dos mecanismos de diligência da Caixa Econômica Federal, a morosidade dos ministérios na avaliação dos projetos, a inadequação das prefeituras às regras do governo e a falta de vontade política do Executivo.

A Comissão Mista de Orçamento já abriu a temporada de caça às emendas deste ano. E, apesar de não terem recebido ainda recursos de emendas destinadas em 2007, os prefeitos iniciaram o périplo pelos gabinetes, em busca de uma fatia dos R$ 12,5 milhões a que um parlamentar tem direito para ajudar a sua base eleitoral. Se, para o Executivo federal, R$ 100 mil, R$ 200 mil ou R$ 500 mil não fazem efeito no conjunto da obra, para os prefeitos, essas pequenas emendas se transformam em asfalto, postos de saúde e equipamentos hospitalares que contribuem para as cidades com até 100 mil habitantes.

O Correio esteve no município de Formosa, cidade goiana de 96 mil habitantes a 80 quilômetros de Brasília, para acompanhar o destino de emenda apresentada em 2007, no primeiro ano da legislatura que se encerrará em janeiro. O caminho da emenda passa pelo atual prefeito, Pedro Ivo (PP). Quando o deputado Tadeu Filippelli (PMDB-DF) decidiu contemplar Formosa com R$ 400 mil para a construção de um posto de saúde, no fim de 2007, Pedro Ivo ainda era funcionário da prefeitura e trabalhava no setor de Execuções Financeiras da Secretaria de Obras do município goiano.

O empenho da emenda que garantiria mais um posto de saúde para Formosa foi rápido. Já no início de 2008, quando a cidade se preparava para entrar no clima eleitoral da escolha do novo prefeito, a Casa Civil deu o ¿ok¿ para os R$ 400 mil deixarem os cofres da União rumo a Formosa. A partir daí, a conversa para a criação do posto ficaria entre a prefeitura e o Ministério da Saúde.

Em 2008, o município encaminhou o projeto da 16ª unidade de atendimento de Formosa. Com o ambiente de troca de governo e de grande parte da estrutura da prefeitura, os funcionários contam que o projeto precisou de alterações para se adequar às regras do governo federal. Além de a prefeitura comprovar que não estava inadimplente com a União, a planta arquitetônica do posto precisou ser modificada para comportar ¿duas equipes¿, pois os R$ 400 mil eram ¿muito dinheiro¿ para apenas um posto.

Novo projeto Um ano se passou sem que a emenda destinada em 2007 se tornasse algo concreto para a população formosense. Em 2009, Pedro Ivo assumiu a prefeitura. Naquela época, foi exigida a redação de um novo projeto para o posto de saúde que já tinha os recursos empenhados desde o início de 2008. A primeira-dama e arquiteta Cybele Saad tomou a frente das plantas arquitetônicas. Reformulou o projeto e voltou a bater na porta do Ministério da Saúde. Em julho, teve uma boa notícia. Tudo certo com a papelada, o dinheiro finalmente sairia.

A prefeitura de Formosa iniciou, com os R$ 40 mil da contrapartida municipal, as obras do 16º posto de saúde do município, no Setor Nordeste, região carente da cidade. O dinheiro pagou apenas a base e a construção das vigas do que seria a unidade de atendimento. Depois disso, a administração ouviu do governo que a execução de emendas seria suspensa durante o período eleitoral. Em 10 de novembro, 34 meses depois do empenho, o dinheiro para a construção do posto foi liberado. A unidade ficará pronta em meados de 2011.

Em janeiro, o município vai inaugurar outros dois postos de saúde, construídos com recursos de emendas parlamentares do deputado Sandes Júnior (PP-GO), também destinadas em 2007. As unidades já estão prontas, mas a prefeitura não pode colocá-las em operação este ano, porque uma regra da administração pública proíbe a contratação de médicos e funcionários por apenas dois meses. Atualmente, Formosa conta com 15 postos de saúde e deveria ter pelo menos 27 para atender a demanda.

Problemas municipais O assédio dos prefeitos aos parlamentares faz com que o relatório das emendas individuais se torne uma verdadeira radiografia dos problemas sociais enfrentados pelos municípios. Nos estados do Sul e do Sudeste, a maior parte dos pedidos é para obras de infraestrutura e manutenção e também visando a construção de postos de saúde.

Em 2007, o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) destinou R$ 1,4 milhão para a construção do ¿contorno ferroviário¿ no município de Campo Belo, obra que custou pouco mais de R$ 20 milhões. O empreendimento ficou pronto antes de todo o valor da emenda ser executado.

Algumas Associações dos Pais e Amigos dos Excepcionais (Apaes) de Minas Gerais pode até esperar, mas não contar com os recursos das emendas do deputado Lael Varella (DEM-MG). O parlamentar destinou R$ 100 mil às Apaes de Manhumirim e de Miradouro, mas quando a administração municipal reclama da execução dos recursos, a única resposta que ouve é: ¿Está na fase do pré-convênio¿.

Saneamento No Nordeste, grande parte das emendas parlamentares são para auxiliar obras de saneamento e de contenção de desastres. O senador Sérgio Guerra (PSDB-PE) enviou R$ 300 mil ao município de Orobó, para melhoria de habitações que sofrem infestação de barbeiros que causam a doença de Chagas e outros R$ 100 mil para a compra de um gerador para um hospital de Surubim. (JJ)

Caminho Entenda como funcionam os trâmites de uma emenda parlamentar

Após a aprovação do relatório preliminar do projeto da Lei Orçamentária, abre-se prazo para que os parlamentares apresentem emendas ao Orçamento indicando a entidade, obra ou governo estadual ¿ ou municipal ¿ que receberá os recursos da cota do Legislativo.

Prefeitos, governadores e representantes de entidadesaproveitam o prazo para assediar os parlamentares, pedindo recursos para seus projetos.

Quando os parlamentares decidem encaminhar as emendas, as destinações são indicadas no anexo do Orçamento,como previsão de despesas para o ano posterior.

O cronograma de empenho das emendas depende da avaliação política do governo federal, prioritariamente a Casa Civil, órgão de maior contato com o Congresso. Geralmente, parlamentares da base têm maior índice de empenho de emendas.

Quando uma emenda é empenhada, cabe ao ministério correspondente à obra ou liberação do recurso a análise do projeto apresentado. A situação das contas municipais são levadas em conta para a aprovação da emenda. Quando uma prefeitura está em débito com a União, não apresenta contrapartida para o investimento ou o projeto apresenta falhas de elaboração, a emenda é vetada.

Com a atuação da Caixa Econômica Federal como órgão que controla a execução da emenda, os projetos não precisam mais apresentar prestação de contas após a liberação de recursos. Isso porque a aferição é feita passo a passo durante a obra ou aplicação do dinheiro. Isso melhorou os mecanismos de fiscalização, mas atrasou o ritmo de execução das emendas, porque nem sempre a Caixa tem engenheiros ou técnicos à disposição para fazer a verificação in loco dos projetos apresentados para serem custeados com recursos de emendas parlamentares.