Título: Novos setores são afetados e analistaspregam desoneração
Autor: Landim, Raquel e Cruz, Patrick
Fonte: Valor Econômico, 05/04/2007, Brasil, p. A3

Além de prejudicar exportações e induzir a um forte aumento das importações, o câmbio valorizado afeta decisões de investimento ligadas ao comércio exterior no país, apontam analistas. Com um dólar excessivamente barato, o Brasil deixa de ser atraente para várias empresas interessadas em usar o país como plataforma de exportação - o setor automobilístico é um dos exemplos mais gritantes desse movimento, dizem o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros e o professor Fernando Sarti, da Unicamp.

Como não se espera uma reversão da trajetória de apreciação do câmbio - na verdade, tudo indica que a moeda deve cair ainda mais -, a saída vislumbrada pelos economistas passa por medidas como a redução da carga tributária. Com impostos menores, as empresas conseguiriam compensar pelo menos em parte o impacto do dólar barato. Reduzir os juros mais rapidamente também seria desejável, num cenário em que a inflação está sob controle. Um diferencial menor entre as taxas internas e externas poderia atenuar a tendência de valorização do câmbio.

Mendonça de Barros diz que os estragos do dólar barato não se limitam atualmente aos "suspeitos de sempre", como os setores de móveis, têxteis e calçados. Segmentos que produzem bens duráveis, como automóveis e eletrodomésticos, começam a atravessar dificuldades. "A indústria automobilística está no auge da excitação da demanda interna, mas não há novos investimentos", diz ele. Para Mendonça de Barros, a história do Brasil como um grande exportador de veículos deve se tornar uma coisa do passado. Nos dois primeiros meses do ano, as vendas externas de carros completos caíram 15,6% em relação ao mesmo período do ano passado.

Sarti diz que as montadoras tendem a desviar uma parte cada vez maior da produção para o mercado doméstico, mas vê limites nesse processo, porque não há espaço para vendas anuais muito superiores a 2 milhões de unidades por aqui. "Há dificuldades para compensar a perda de exportações."

Mas Sarti mostra uma preocupação ainda maior: o impacto do dólar barato sobre decisões de investimento. Num momento em que há uma reestruturação global das empresas automobilísticas, com deslocamento de plantas, o Brasil é deixado de lado pelas montadoras em seus novos projetos. "Hoje, qualquer decisão de investimento leva em conta não apenas o mercado doméstico, mas também o potencial de exportação", afirma Sarti, lembrando que um câmbio a R$ 2 e a perspectiva de que o dólar fique barato por muito tempo afetam cálculos de rentabilidade de projetos no país. Para ele, o Brasil tende a perder o bonde também no setor de telecomunicações, um segmento marcado por contínua inovação.

Mendonça de Barros nota que a valorização do câmbio tem elevado o custo das empresas que produzem bens comercializáveis internacionalmente, os " tradables " . Com um real tão forte, os salários em dólar ficar muito elevados, minando muito a competitividade de quem exporta ou compete com produtos importados no mercado interno. "Há salários subindo 30% ao ano em dólar."

Mendonça de Barros diz que o câmbio valorizado veio para ficar, acreditando que a barreira de R$ 2 deve ser testada em breve. Se as incertezas em relação à economia americana diminuírem e houver ainda mais tranqüilidade no mercado internacional, ele considera possível que a moeda caia para a casa de R$ 1,80. O fluxo comercial é muito elevado, devido principalmente às exportações de commodities, cujos preços continuam nas alturas. Além disso, há outras fontes importantes de dólares para o país, como os investimentos estrangeiros diretos e o dinheiro que vem ao país para aproveitar o diferencial entre juros domésticos e externos.

Por tudo isso, ele avalia que o dólar barato veio para ficar. Uma das formas de contornar esse problema seria cortar gastos, diminuir a carga tributária para os setores que estão sofrendo mais com o câmbio e, com isso, melhorar a competitividade da indústria. Sarti também acredita que seria fundamental aliviar o peso dos impostos sobre o setor produtivo, além de considerar importante que o Banco Central (BC) siga comprando muitos dólares no mercado. Mendonça de Barros defende também reduções mais fortes dos juros, o que poderia diminuir um pouco o fluxo financeiro para o país.

Para ele, esse câmbio valorizado tende a levar uma especialização maior da pauta exportadora do Brasil, com uma concentração mais forte em produtos primários, que devem continuar a garantir saldos comerciais gordos.

O economista-chefe da MCM Consultores, Celso Toledo, é um pouco mais cauteloso do que Mendonça de Barros e Sarti quanto aos efeitos do câmbio. Ele avalia que a moeda está de fato valorizada, mas acredita que os efeitos estão ainda muito concentrados em calçados, móveis e têxteis, muito intensivos em mão-de-obra. Os números da balança comercial, que ainda apontam superávit em 12 meses na casa de US$ 45 bilhões, sugerem que não há perdas generalizadas.

Pelos seus cálculos, porém, o dólar está de fato muito barato. Considerando uma média histórica do câmbio desde 1960, ajustada pela paridade do poder de compra, a taxa de equilíbrio estaria hoje perto de R$ 2,60, muito acima dos pouco mais de R$ 2 atuais.