Título: Diminui espaço da indústria para compensar alta do real
Autor: Landim, Raquel e Cruz, Patrick
Fonte: Valor Econômico, 05/04/2007, Brasil, p. A3

A margem de manobra dos fabricantes de manufaturados para compensar a perda de rentabilidade provocada pela valorização do real está diminuindo. Com o dólar rondando a barreira de R$ 2, os exportadores relatam dificuldades para reajustar ainda mais os preços e aumentar a compra de matérias-primas e determinados componentes no exterior. Essas estratégias foram fundamentais para garantir a competitividade e o bom desempenho da balança comercial nos últimos dois anos.

"Estamos batendo no limite para alta de preços", diz Carlos Zignani, diretor de relação com investidores da Marcopolo. Ele conta que elevou em 30% os preços dos ônibus em alguns países, principalmente na América Latina. Outros mercados não aceitaram reajustes dessa magnitude e a empresa perdeu contratos. "Não estamos mais exportando ônibus para o Oriente Médio. Fomos substituídos por Egito e Turquia", diz. A participação das exportações no faturamento da Marcopolo caiu de 55% para 50% no último ano.

A empresa busca incrementar a compra de insumos no exterior, uma forma de aproveitar o câmbio barato, mas a tarefa é árdua. A Marcopolo abriu um escritório na China para buscar novos fornecedores de componentes, principalmente na área eletroeletrônica.

Outra estratégia é elevar a utilização de matérias-primas nos países em que a companhia monta seus ônibus, como Colômbia, México, África do Sul, Portugal ou Rússia. A empresa inaugurará uma planta de montagem na Índia esse ano. "Há três anos, a importação de componentes para ônibus no Brasil era zero", diz Zignani. Segundo ele, o dólar a R$ 2,30 é um bom patamar para a exportação.

O volume de manufaturados exportado pelo Brasil está praticamente estagnado. De acordo com a Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), a quantidade embarcada pelo país cresceu apenas 1,7% no acumulado dos últimos 12 meses e 1,3% em janeiro e fevereiro deste ano. Em contrapartida, os preços dos manufaturados exportados subiram 12% em 12 meses. Em fevereiro, o ritmo expressivo sofreu um solavanco com alta de 7,1%, um pouco fora da curva descrita até agora.

"É impressionante a capacidade de reajuste das empresas brasileiras até agora", diz Fernando Ribeiro, da Funcex. As empresas elevaram os preços dos manufaturados exportados em 12,3% em 2006 e em 10,9% em 2005. No ano passado, os preços de exportação dos automóveis subiram 12%, das peças, 7,9%, do material elétrico, 10,3%, e das máquinas e tratores, 12%. Ainda não há dados disponíveis para o primeiro trimestre.

A Ford projeta um decréscimo de suas exportações neste ano por conta da valorização do real, segundo Marcos Oliveira, presidente da montadora para o Brasil e o Mercosul. Atualmente, os embarques para o exterior representam cerca de 30% das vendas do braço brasileiro da companhia. Ele não precisou, entretanto, de quanto poderá ser o declínio. México e Argentina são os principais destinos das exportações da Ford brasileira.

"No momento, o mercado nacional está absorvendo (a redução das exportações)", afirma Oliveira. "No longo prazo, isso é uma preocupação grande. As exportações ajudam na amortização de custos fixos, como o de equipamentos que são importados", diz ele.

Apesar dos reajustes de preços, a receita obtida pela Agrale no mercado externo caiu 7,5% em 2006. A empresa, que fabrica tratores e chassis de caminhão, conta que já subiu os preços entre 15% e 20% nos últimos dois anos. "São patamares muito expressivos em dólar e a rentabilidade está praticamente no vermelho", diz Flávio Crosa, diretor de vendas e marketing.

O executivo conta que está em busca de componentes no exterior. "Conseguimos algo, mas é um processo lento. Não posso trocar um componente sem testar", diz. Por conta do câmbio, a empresa perdeu negócios pontuais no Chile e na Colômbia e deixou de participar de algumas licitações. No ano passado, as exportações responderam por 18% das vendas da Agrale, abaixo dos 23% de 2005.

Para a Fupresa, que embarca a maior parte de suas mercadorias para a Europa, a perda de rentabilidade provocada pelo câmbio é um pouco menor, porque o euro também se valorizou ante o dólar. "Mesmo assim, estamos fazendo uma ginástica, reduzindo custos", diz André Bevilácqua, analista de custos e orçamento da empresa. Ele conta tenta fechar novos negócios internamente para equilibrar o jogo, mas o mercado é limitado.

A empresa está adquirindo alguns componentes químicos no exterior, mas é inviável expandir muito a estratégia. "Precisamos, por exemplo, de areia. É impossível importar por conta do frete."

Para José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), o "desempenho das commodities é fantástico, é nos manufaturados que estão os problemas". Para a entidade, 65% das exportações do Brasil são commodities - a AEB não inclui na conta produtos como suco de laranja, açúcar ou álcool.

Segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), do Ministério do Desenvolvimento, as exportações de automóveis, em valores, caíram 14,2%, de motores, 11%, de celulares, 16,8%, de janeiro a março desse ano em relação a igual período do ano passado.

Castro avalia que um dólar a R$ 2,50 seria suficiente para resolver os problemas de 80% das empresas exportadoras brasileiras. "Mas o câmbio hoje não é a causa, mas a conseqüência do problema", diz.