Título: Mantega faz trocas na Fazenda e tira crítico do real forte
Autor: Galvão, Arnaldo e Safatle, Claudia
Fonte: Valor Econômico, 05/04/2007, Brasil, p. A4

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou ontem que o atual secretário-executivo, Bernard Appy, vai substituir Júlio Sérgio Gomes de Almeida na Secretaria de Política Econômica (SPE). O ex-ministro da Previdência, Nelson Machado, assumirá o cargo de Appy. Hoje Mantega encontrará o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, para discutir política industrial. Ambos devem conversar também sobre a presidência do BNDES, hoje ocupada por Demian Fiocca. Embora o presidente Lula não abra mão de escolher quem preside os bancos federais, há a expectativa de que, caso saia do BNDES, Fiocca possa ocupar a secretaria do Tesouro Nacional. "Essa é uma hipótese", adiantou uma fonte qualificada do ministério.

Gomes de Almeida, segundo o ministro da Fazenda, lhe entregou na segunda-feira à noite a carta de demissão, antes, portanto, da entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo", onde fez duras críticas à política do Banco Central, de elevadas taxas de juros, e suas consequências sobre a valorização da moeda local. Na terça-feira pela manhã, ambos tiveram uma nova conversa. Mantega aceitou o pedido de exoneração, solicitou que ele aguardasse uns dias e disse, conforme relato de uma outra fonte, que pensava poder acomodá-lo em um algum cargo no governo.

Almeida já não participou da reunião de secretários do ministério com Mantega, na própria terça-feira pela manhã. Na sexta passada, Gomes de Almeida já havia dito à "Folha de S. Paulo" que com a valorização cambial "a indústria vai virar pó". Demissionário, na tarde de terça-feira não poupou críticas ao Banco Central, aos juros e ao câmbio. Mantega tomou conhecimento do teor das declarações de Gomes de Almeida pela agência de notícias "Broadcast".

"O secretário Júlio prestou relevantes serviços e sai por motivos pessoais", disse o ministro, ontem. "Ele já falou (na entrevista ao "O Estado de S. Paulo") como se estivesse fora do ministério. Usou uma linguagem de alguém que já tinha voltado à iniciativa privada", comentou Mantega. "São normas de qualquer governo. Não vamos fomentar brigas. Pode até haver diferenças. É normal. Elas têm de ser amadurecidas e desenvolvidas. Depois, temos as posições do ministério e a do governo, que não se confundem com as posições das pessoas", ponderou o ministro.

Na entrevista, Gomes de Almeida disse que a valorização do real está "dissolvendo as relações interindustriais e as relações de mercado." Citou que cerca de 350 mil trabalhadores perderam seus empregos nas indústrias de vestuário e calçados. Disse ainda que soluções existem, mas não mencionou quais. "Estão colocadas sobre as mesas de todas as autoridades. Todo mundo sabe como resolver. O que falta é decisão", criticou.

"É uma opinião pessoal dele com qual, evidentemente, não concordo", disse Mantega, que acredita que o BC está praticando a política monetária correta. Prova disso é que o país nunca teve condições econômicas tão favoráveis. "É o melhor dos mundos o que estamos fazendo. Inflação sob controle e juros caindo", disse o ministro. Mantega também discordou da tese de que câmbio valorizado está produzindo a desindustrialização do país. Para ele, o início de 2007 teve crescimento de vários setores da indústrias, principalmente os segmentos de automóveis e bens de capital.

A passagem do economista Gomes de Almeida pelo governo ficou marcada por outra polêmica. Em 10 de agosto do ano passado, ele deixou uma reunião interministerial, onde se discutia reduções tributárias para atrair investimentos no setor de semicondutores, para declarar que o governo já tinha chegado ao seu limite e que passar dele seria "arriar as calças". Naquela ocasião, foi desautorizado pelo ministro. Mais recentemente, segundo assessores da Fazenda, ele teria tido desentendimentos com seu adjunto, Nelson Barbosa, que teve que ser realocado para a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae).

Mantega não garantiu se as mudanças no ministério terminaram. Disse apenas que "isso nunca pode ser dito", mas, "no momento", não há novas mudanças à vista além das anunciadas. Portanto, salientou, não precisava confirmar os nomes dos secretários do Tesouro, Tarcísio Godoy, e da Receita Federal, Jorge Rachid, da mesma forma que o presidente Lula não precisou confirmar o seu nome como ministro da Fazenda nesse segundo mandato. Sobre as especulações de que Fiocca pode entrar para sua equipe, o ministro disse: "Não estou cogitando. O BNDES não é minha atribuição. É do presidente da República e do ministro do Desenvolvimento. Não estamos cogitando mudança nesse sentido."