Título: Falta de identidade atinge Pasta desde a sua criação
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 05/04/2007, Política, p. A12

O apagão aéreo expôs publicamente a fragilidade do Ministério da Defesa, mas sua crise de identidade é vivida no dia-a-dia dos militares, com altos e baixos, desde a criação da Pasta, em junho de 1999. Durante a maior parte de sua curta história, o ministério não conseguiu evitar que os três comandos - Exército, Marinha e Aeronáutica - preservassem a gestão das suas forças sem interferência direta de um ministro civil. As decisões sobre compras de armamentos continuam sendo feitas de forma autônoma, sem racionalização de atividades. Muitos militares designados para cargos no ministério ainda vêem esse tipo de função como um sinal de desprestígio e preferem manter-se dentro dos seus comandos. Até a estrutura funcional da Pasta tem problemas, observam especialistas.

Os comandantes das Forças Armadas toleraram a subordinação a um ministro civil, mas jamais concordaram com a criação de uma secretaria-executiva na Defesa. Para eles, isso representaria a existência de uma espécie de vice-ministro, a quem também deveriam responder. Hoje, as principais atribuições de uma secretaria-executiva estão com a Secretaria de Organização Institucional, chefiada por Antônio Rosière, um funcionário público de carreira que chegou a ser cogitado para assumir a Defesa em 2006 - acabou preterido por Waldir Pires. Rosière, no entanto, está hierarquicamente na mesma posição de outros secretários e lhe faltam poderes para articular ações dentro do ministério.

Na avaliação de especialistas, o Ministério da Defesa ainda não teve nomes fortes suficientes para se impor aos militares. O primeiro ministro, Élcio Álvares (1999-2000), foi indicado por acomodação política e caiu na esteira de denúncias de corrupção. Geraldo Quintão (2000-2002) teve atuação discreta. O embaixador José Viegas (2003-2004) coordenou um projeto de reaparelhamento das Forças Armadas e acompanhava de perto a rotina dos comandos, mas caiu após um choque com o general Francisco Albuquerque. Foi substituído pelo vice-presidente José Alencar (2004-2006), que raramente despachava na Defesa e tinha conhecimentos limitados sobre o setor. Waldir Pires, o atual ministro, está na corda bamba desde o início do apagão.

"Os militares não estão preparados para ter um ministro forte", avalia o professor Expedito Santos, especialista em assuntos militares da Universidade Federal de Juiz de Fora. Ele nota que os oficiais de alta patente, chegando à posição de generais, ainda hoje, tiveram sua formação acadêmica e militar construída no período pré-golpe de 1964 e se consideram "fiadores da democracia", com dificuldades para entregar poderes. Para ele, o governo Lula não encara a área de defesa "como algo importante, talvez pelo ranço do passado e pela perseguição da era militar".

O diretor do Centro Brasileiro de Estudos da América Latina, Eliezer Rizzo de Oliveira, concorda que Lula não se empenhou pessoalmente no setor e cedeu às pressões da equipe econômica para cortar recursos à área militar, gerando insatisfação nas Forças. Para ele, o Ministério da Defesa mais bem estruturado e com maior maturidade na América do Sul é o do Chile.

No país andino, desde a redemocratização o governo elabora com a sociedade civil um "Livro de Defesa Nacional", em que traça diretrizes básicas para a defesa nacional, aponta tendência de conflitos, a necessidade de reaparelhamento e como se dá a inserção internacional do país. "Aqui no Brasil, a questão pertinente é: o presidente, como comandante supremo das Forças, tem dado orientações pertinentes? A resposta é não", afirma.