Título: Emendas contrabando contemplam até reedição de MPs
Autor: Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 30/11/2012, Política, p. A10

O Congresso Nacional aprovou na quarta-feira quatro medidas provisórias (MPs) repletas das chamadas emendas contrabando, que são incluídas no texto final na maior parte das vezes sem ter qualquer ligação com o teor original da MP.

Em poucas horas, no fim do dia e à noite, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal aprovaram textos cujo resultado prático foi a multiplicação de artigos das MPs originais e consequente extensão de benefícios fiscais a diversos setores da economia, inclusive com a criação de um fundo de investimento com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), a extinção de um princípio de legislação trabalhista, a redução do valor de multas cobradas pela Receita e a criação de cargos na estrutura do Estado (ver quadro nesta página).

Até mesmo uma MP que já perdeu validade foi reinserida em outra para poder retornar à legislação. Isso ocorreu com a MP 574, originalmente editada pelo governo para renegociar as dívidas de Estados e municípios com o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep). Aprovada pela Câmara em 31 de outubro, não foi votada a tempo no Senado. Mas anteontem o governo atuou para que os senadores incluíssem seus termos na MP 575, que facilita a implementação de parcerias público-privadas (PPPs) por Estados e municípios.

O curioso é que essa inserção se deu não somente a partir do texto original da MP, mas também com todos os contrabandos que os deputados já haviam aprovado nela. Ou seja, um contrabando emprenhado de contrabandos. Alguns deles, formulados pelo próprio governo, como a criação de cargos nos ministérios do Esporte e da Integração Nacional. Outros, pelos deputados, como a reabertura de prazos para o chamado "Refis da Crise".

Foi devido também a um dos inúmeros enxertos incluídos pela Câmara nesta MP 575- a anistia às rádios-pirata - que a flexibilização para as PPPs, uma das medidas do governo de incentivo à economia, pode perder validade. O motivo é que os senadores excluíram essa emenda do texto e por isso ele retorna para revisão dos deputados. O prazo é exíguo: se não for apreciada até o dia 5 de dezembro, perde validade. Entretanto, a se considerar a manobra governista de revalidar MPs inválidas em MPs que estão em tramitação, a perda do prazo já não deve mais ser motivo de preocupação para o governo.

A prática de inclusão dos chamados contrabandos em MPs é antiga no Congresso e utilizada tanto pelo Executivo como pelo Legislativo. A justificativa é que ela agiliza a aprovação de leis pelo rito sumário próprio das MPs, mais célere que o dos projetos de lei.

Quando presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP) tentou disciplinar a conduta e deu ordem de que toda sugestão de emenda teria uma avaliação prévia da Mesa Diretora para verificar se havia conexão com o teor original da MP. Esse procedimento, porém, perdeu força na gestão de Marco Maia (PT-RS).

Mas foi a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no início deste ano que o derrubou de vez. Os ministros determinaram que toda MP deve ter uma aprovação prévia em uma comissão mista composta por senadores e deputados. Só depois segue ao plenário. Primeiro o da Câmara, depois o do Senado. Avaliar a conexão da emenda com o teor original passou a ser privilégio do presidente e do relator desta comissão, que praticamente ignoram a regra.

O problema maior, contudo, é que as MPs só são aprovadas nas comissões após acordo entre seus integrantes, no qual o governo precisa permitir os contrabandos sob pena de a MP perder a validade. Por outro lado, é inegável que o processo fica mais transparente. Antes, apenas o governo incluía seus próprios contrabandos mediante a negociação direta com o único relator de cada MP, que apresentava seus parecer na hora da votação no plenário e nela incluía as sugestões dos parlamentares que bem quisesse. Em razão disso, a seleção dos relatores era feita pelos presidentes de cada Casa e, não raro, nos casos de MPs mais polêmicas, após aval do Palácio do Planalto. Agora o processo é mais plural e claro. Mas o governo não pretende mantê-lo.

"O sistema atual melhorou o processo de análise, dá mais transparência e permite um diálogo mais integrado. Mas precisa ser aperfeiçoado. Por isso o Senado aprovou uma proposta de emenda constitucional nesse sentido", disse o líder do governo no Congresso, senador José Pimentel (PT-CE).

A PEC a que ele se refere foi elaborada pelo presidente do Senado José Sarney (PMDB-AP) antes mesmo da decisão do STF. Seu objetivo inicial era estabelecer prazos aos deputados para a apreciação das MPs, atendendo a uma reclamação dos senadores de que os deputados aprovavam os textos no prazo final de vigência da MP, sem deixar tempo suficiente para que os senadores possam analisá-la. Aprovada em dois turnos, chegou a Câmara e ficou encostada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Os deputados consideraram-na uma crítica aos seus trabalhos.

No entanto, após o advento das comissões mistas, ela voltou a ganhar força entre os deputados, principalmente os governistas. Justamente porque acaba com as comissões e elege a CCJ como o colegiado adequado para mediar as MPs, no qual um relator dali passa a ser o mediador. "O papel da comissão mista passará a ser feito pela CCJ", afirma o senador Pimentel. Uma das vantagens, de acordo com ele, é que facilita o seu monitoramento do governo e dos parlamentares. "A comissão mista é uma terceira instância que sobrecarrega os trabalhos da Casa. O objetivo principal é simplificar o processo", conclui. Em setembro, o presidente da CCJ da Câmara, Ricardo Berzoini (PT-SP), também relator da PEC, aprovou sua admissibilidade na comissão. Em 2013 deverá ser criada uma comissão especial para analisá-la.