Título: Jogo de varrer o lixo para debaixo do tapete
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Fonte: Correio Braziliense, 07/12/2010, Brasil, p. 10

Sancionada há 120 dias, lei que estabelece uma política nacional de resíduos sólidos não sai do papel por falta de regulamentação. Casa Civil e Ministério do Meio Ambiente atribuem, um ao outro, a culpa pela demora Vinicius Sassine

A Política Nacional de Resíduos Sólidos continua sendo uma lei de pouquíssimo valor, mesmo após mais de quatro meses depois de ser sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na cerimônia em que sancionou a lei, após uma tramitação no Congresso Nacional que durou 21 anos, Lula estabeleceu um prazo máximo de 90 dias para a regulamentação de pontos pouco específicos da nova legislação. Sem serem regulamentados, artigos e parágrafos não podem ser aplicados na prática, o que torna a lei inócua. A cerimônia pública que reuniu o presidente, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, empresários da área de reciclagem e dezenas de catadores de materiais recicláveis. O tal prazo está vencido há mais de um mês e, até agora, não existe um esboço final das regras que complementam a lei.

O Correio apurou que não houve regulamentação de nenhum dispositivo da nova política de resíduos sólidos. Casa Civil e Ministério do Meio Ambiente (MMA) atribuem um ao outro a responsabilidade pelo cumprimento da determinação do presidente Lula.

Vinte dias depois da sanção presidencial, um grupo de trabalho formado no MMA chegou a formular uma primeira proposta de regulamentação da política de resíduos sólidos. O teor foi divulgado em 11 de agosto pelo ministério, que não voltou a dar publicidade à minuta que teria sido encaminhada ao governo.

O secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do ministério, Silvano Silvério da Costa, confirmou ao Correio que nenhum dispositivo da nova lei foi regulamentado. Segundo ele, que esteve à frente dos trabalhos de formulação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, a Casa Civil é responsável pela coordenação e pela elaboração do documento que resultará no decreto presidencial regulamentando a nova lei. Por meio da assessoria de imprensa, a Casa Civil informou que ¿o assunto ainda não chegou por lá¿ e que a questão é de responsabilidade do MMA.

¿Na semana que vem (que começou ontem), a Casa Civil chama os diferentes setores para o diálogo em torno da regulamentação¿, disse, na sexta-feira, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. ¿Nossa expectativa é de que ocorram os diálogos finais. Fizemos a parte técnica, e todo o trabalho foi feito em parceria com a Casa Civil.¿

Obrigações Os pontos mais importantes da nova política de resíduos sólidos, comemorados pelo governo e por entidades do setor, são a proibição de lixões a céu aberto e a chamada logística reversa, em que fabricantes, distribuidores e vendedores ficam obrigados a recolher o material futuramente descartado pelo consumidor. Os dois casos dependem de dispositivos extras que expliquem como será destinado o dinheiro para a construção de aterros sanitários e quais serão as atribuições de governo e fabricantes em relação à logística reversa.

Entre as obrigações presentes na nova política para o lixo, estão a construção de aterros, o reaproveitamento de resíduos (o lixo só deverá ser levado a aterros quando não houver nenhuma condição de reciclagem e compostagem), a proibição de importação de qualquer tipo de resíduo e a responsabilidade compartilhada entre sociedade, empresas, prefeituras, governos estaduais e governo federal. Além disso, a lei prevê que indústrias de reciclagem tenham prioridade em financiamentos públicos, assim como prefeituras que desenvolverem iniciativas de coleta seletiva.

Os 800 mil catadores de papel brasileiros devem ser incluídos nas iniciativas de coleta seletiva, com a formação de cooperativas e o financiamento por parte do governo federal. Isso depende, porém, da regulamentação da lei, sob risco de os catadores ficarem excluídos das novas regras para a gestão e o destino do lixo produzido no país. Um decreto presidencial precisa definir como as cooperativas irão funcionar.

Durante a sanção da nova lei, em agosto, o governo federal anunciou que os financiamentos para as mais diferentes iniciativas de coleta seletiva, construção de aterros, cooperativas de catadores e gestão compartilhada do lixo chegariam a R$ 1,5 bilhão, sendo R$ 1 bilhão pelo Orçamento Geral da União e R$ 500 milhões pela Caixa Econômica Federal. Faltam definir os instrumentos para a concretização dos empréstimos e repasses.

São passíveis ainda de regulamentação ¿ como consta na própria lei ¿ as atribuições dos estados no gerenciamento do lixo, as responsabilidades das empresas de construção civil, as exigências para o tratamento de resíduos perigosos e a fabricação de embalagens com materiais que permitam a reutilização ou a reciclagem. Um regulamento deve especificar quais são as embalagens que, ¿por razões de ordem técnica ou econômica¿, não podem ser fabricadas com material reciclável.

¿Vários ministérios participam da discussão. É preciso definir como será a governança dessa política¿, afirma o secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do MMA, Silvano Silvério. Segundo ele, a regulamentação é discutida pelos ministérios do Desenvolvimento, da Fazenda, da Saúde, de Minas e Energia, de Pesca, da Agricultura e do Meio Ambiente. A Casa Civil é a responsável pela coordenação das propostas. ¿Como é um texto muito complexo, não está claro se será uma única regulamentação ou se serão várias.¿

PRESENTE DE NATAL

Nem os empresários de reciclagem nem os catadores de materiais recicláveis receberam qualquer proposta concreta de regulamentação da Política Nacional de Resíduos Sólidos. Representantes do Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre) dizem que a expectativa é que a regulamentação ¿saia a qualquer momento¿, mas que ainda não houve abertura para a discussão pública, como prometeu o Ministério do Meio Ambiente (MMA). É a mesma posição do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR). Segundo Roberto Rocha, um dos coordenadores do movimento, os catadores ¿têm esperança¿ de que a proposta seja assinada pelo presidente Lula em 23 de dezembro, no tradicional encontro de Natal entre o presidente e os trabalhadores.

¿O governo está dizendo que há avanços nesse sentido, mas esperamos a regulamentação chegar até nós para vermos se os catadores são contemplados¿, diz Roberto Rocha. Além de Lula, a presidente eleita, Dilma Rousseff, é aguardada para a confraternização de fim de ano com os catadores. A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, não confirma a assinatura do decreto na confraternização do presidente com os catadores. ¿Existe a possibilidade, mas isso depende da Casa Civil. Eu não sei da agenda do presidente Lula.¿

Se depender do ritmo atual de elaboração do conteúdo da regulamentação da nova lei, o decreto presidencial não deve ser assinado no próximo dia 23, no que diz respeito à totalidade de dispositivos em aberto. ¿É preciso definir os acordos setoriais da logística reversa¿, afirma o representante dos catadores de recicláveis.

A preocupação principal desses profissionais é com a possibilidade de incineração dos resíduos, prevista na Política Nacional de Resíduos Sólidos. A queima pode significar perda de matéria-prima para os trabalhadores e, por isso, eles esperam uma resposta do governo quanto a esse ponto da legislação. ¿Se as prefeituras fazem a coleta e levam para a queima para aproveitamento energético, os catadores perdem o seu papel¿, ressalta Roberto Rocha. (VS)