Título: Maior força do PMDB hoje está no Rio
Autor: Magalhães, Heloisa; Moura, Paola de
Fonte: Valor Econômico, 30/11/2012, Especial, p. A16

Eduardo Paes explica porque não falou sobre aumento de IPTU durante a campanha eleitoral à Prefeitura do Rio: "Não falei porque ninguém me perguntou"

Reeleito no primeiro turno, com aprovação de 65% da população carioca, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), gosta da fama de gestor eficiente. Faz o gênero meio distante da política e diz que só tem uma meta na sua carreira agora: "2016, 2016 e 2016. Nem em sonho penso em outra coisa", afirma, referindo-se à Olimpíada.

A vitória histórica colocou o prefeito entre os nomes nacionais do PMDB. E sete dias depois de reeleito, Paes entrou na nova fase. Lançou o aliado, o governador do Rio, Sérgio Cabral, como pré-candidato à Vice-Presidência numa chapa com Dilma Rousseff, em 2014.

Diz que foi uma proposta pensada. Tinha o objetivo de mostrar ao partido a importância do Rio de Janeiro no cenário nacional. "Eu dei o recado. Não estava ali de inocente nem de bobo. Nem estava atendendo pedido nenhum do Sérgio", afirmou.

Bem-humorado, Paes conversou com o Valor no seu gabinete no 13º andar da sede da Prefeitura do Rio. A sala é repleta de adornos que representam a cidade. Há duas réplicas de ônibus usados nos eixos exclusivos, os Bus Rapid Transit (BRTs), e uma outra do caminhão da empresa de limpeza urbana, a Comlurb. Há, ainda, pranchas de surf pintadas com imagens do prefeito, fotos da cidade e capas de jornais. Abaixo os principais trechos da conversa:

Valor: O senhor iniciou seu discurso de vitória agradecendo os votos daqueles moradores que não haviam recebido nenhuma intervenção da prefeitura nos quase quatro anos do primeiro mandato. Foi um discurso político, diferente dos seus habituais?

Eduardo Paes: Eu tive 80% dos votos na Pavuna, um lugar muito, mas muito degradado. Fica no início da cidade, mas sempre foi tratado como fim. Fizemos Bairro-Carioca, creches e a Arena Carioca. Mas continua um lugar problemático. E, mesmo assim tive lá 80% dos votos. Só quem acordou de mal humor não votou em mim. É diferente de Guaratiba, onde eu tive 78% dos votos, mas eu tinha certeza da boa votação, porque fiz o Transoeste [sistema de transporte coletivo]. Todo mundo foi muito impactado por alguma coisa minha. Na Pavuna não, se o cara não mora perto da Arena Carioca, não mora em uma das 300 ruas que melhoramos, tem mais 800 que ainda não fiz. Eu achei que devia fazer aquele agradecimento.

Valor: Então o senhor se emocionou com o resultado da eleição?

Paes: Vim de uma [primeira] eleição ganhando do jeito que eu ganhei [a vitória sobre o ex-deputado Fernando Gabeira em 2008 foi por apenas 55 mil votos] e, na seguinte, ganhei no primeiro turno com 65% dos votos. Fiquei muito feliz quando me elegi prefeito em 2008, mas eu tinha ali um desafio pela frente. Em 2008, venceu o cara que fez o melhor discurso, que endereçou melhor o tema. Já essa foi muito de realização. Tem muita gente que percebeu que a cidade está muito melhor, mas que ainda não recebeu todo esse benefício.

Valor: Com uma vitória tão importante, o seu nome ficou muito mais valorizado no cenário político brasileiro. A sua carreira saiu um pouco de sua mão?

Paes: Acho que hoje as pessoas já acreditam, a minha agenda é 2016, 2016 e 2016. Nem em sonho eu penso em outra coisa. Existe um defeito de fabricação dos políticos brasileiros, que é aquele negócio de o sujeito chegar no lugar e já pensar no próximo. Ninguém mais duvida que eu não sairei em 2014 para governador. Me tiraram completamente do páreo, com a graça do bom Deus. Acho que fui muito enfático nisto. Não tomo nenhuma atitude pensando se em 2018 vou ser governador do Rio, papa, senador.

Valor: O senhor pertence ao PMDB. O partido agora não vai demandar uma postura diferente, de maior protagonismo?

Paes: Não.

Valor: Mas o senhor fez campanha no interior do Estado no segundo turno e foi a São Paulo apoiar o Fernando Haddad (PT)?

Paes: Tudo bem. Isso sim. Demandam porque eu também sou bom prefeito. Já fui demandado na campanha do Sérgio [governador Sérgio Cabral]. Acho que a minha vitória em 2008 foi muito importante para eleição do Sérgio em 2010. É muito difícil você ganhar do governador e do prefeito da capital. Por isso acho que o Pezão vai ser governador do Rio.

Valor: E se o senador Lindbergh Farias (PT), que faz parte da aliança, também se candidatar? Como vai ser essa divisão?

Paes: O meu candidato é o Pezão. Eu sou a favor da aliança com o PT mas o candidato do PMDB no Rio é o Pezão. Se amanhã houver um entendimento e o candidato for o Lindbergh, tudo certo. Mas meu candidato é o Pezão. O Rio de Janeiro tem essa característica, é muito difícil alguém se contrapor ao governador que não o prefeito da capital. O governo do Sérgio teve muito mais possibilidades de trabalho a partir de 2009 com minha vitória aqui do que tinha antes.

Valor: O senhor costuma dizer que não tem tempo para a política, que não gosta muito e que prefere gerir a cidade. Agora vai mudar?

Paes: Meu negócio é governar a cidade. Mas eu nunca disse que não gosto de política. Estou desde os 22 anos fazendo política. Vim de uma família que não tem políticos. Meu pai é advogado e minha mãe é professora. Ambos completamente conservadores. Já eu adoro política. Acho que tem momentos e momentos. Tenho uma postura hoje menos política porque tenho que cuidar da cidade. E não me interessam as coisas de Brasília.

O meu candidato é o Pezão. Eu sou a favor da aliança com o PT mas o candidato do PMDB no Rio é o Pezão"

Valor: Hoje, qual é sua estratégia?

Paes: Eu estou aqui cumprindo minha função. Estou fazendo política no tom que ela tem que ser feita na minha posição. O que vai me dar benefícios políticos é eu ser um bom prefeito. Apesar de não fazer reflexões sobre o futuro, estou certo de que se eu quiser ter futuro, tenho que ser um bom prefeito. Eu não vou disputar a eleição de 2016. A única certeza que eu tenho é que no primeiro semestre de 2017 vou para a América. Vou fazer meu "application" numa universidade americana. Quando eu me formei eu estava fazendo prova para Harvard. Vou ficar seis meses e depois eu volto.

Valor: O senhor é jovem, tem 43 anos, e recebeu uma votação expressiva. É um nome sem contaminação. Não é um nome que os partidos vão querer investir?

Paes: Nas duas eleições majoritárias que eu disputei em condições de ganhar eu enfrentei dois puros na política: o Gabeira e o [Marcelo] Freixo [deputado estadual do PSOL]. Eles têm o discurso da ética e da moralidade como bandeira. Eu nunca tive este discurso mas sempre pratiquei. O Gabeira é honesto para caramba e eu não tenho dúvida nenhuma disso, mas mais do que eu ele não é. O Freixo é honesto para caramba e eu não tenho nenhuma dúvida disso, mas mais do que eu ele não é. Eu tenho 20 anos de vida pública, com cargos de importância, e não tem nada que desabone minha conduta.

Valor: Tem hoje obra na prefeitura da construtora Delta sem licitação?

Paes: Não, nenhuma. Na verdade, teve, na emergência de 2010, provocada pelas chuvas, como todas outras tiveram. Eu fiz R$ 300 milhões de obras emergenciais. A Delta tinha lá sua parcela, como a Odebrecht, como a OAS, como a Andrade Gutierrez. Eu tenho mil empreiteiras na prefeitura. Tanto que não me patrulhei. A Delta tinha uma obra comigo terminando, eu terminei: o Parque Madureira. Não cancelei contrato nenhum não. Desde que tivesse entregando. Ganhou por licitação. Terminaram a obra, graças a Deus.

Valor: Para o senhor, seu nome está desvinculado do escândalo da relação entre o governo do Estado e o governador Sérgio Cabral com o empresário Fernando Cavendish, que presidia a Delta?

Paes: Eu acho que o Cabral errou e ele admite que errou em ter uma relação pessoal com alguém que presta serviços para o Estado. Eu posso afirmar que em nenhum momento Sérgio Cabral me ligou pedindo para dar uma obra porque ele era amigo do Fernando Cavendish. Acho que no fim o que vai ficar é um político importante que fez uma porção de coisa importante para o Rio e que teve uma relação pessoal com um empreiteiro que se meteu em lambança. Acho que a história vai rever essa situação. Não vejo isso como um problema mortal para o Sérgio. Tem muito desconforto. Se você tivesse ali nas imagens com pessoas brindando e falando "aquela obra que a gente..." Não é isso você tem ali. São casais falando de casamento, de beijo na boca [referindo-se às gravações do governador e do dono da empreiteira Delta em jantares na Europa]. Eram amigos. Acho que a justiça será feita.

Valor: Mensalão, Polícia Federal, o que mancha o governo Dilma Rousseff na sua opinião?

Paes: Eu acho que não mancha. Acho que mostra o enorme equilíbrio da democracia brasileira. Mostra o fortalecimento das instituições, do país. Se a Dilma estivesse intervindo, mas isso não ocorre. Para mim, sempre foi uma questão complexa, por ser aliado do Lula e ter participado muito do processo de investigação [durante a CPI do Mensalão]. Mas eu não posso julgar o PT com seus 2 milhões de filiados por equívocos que alguns cometeram, não só do PT, mas também do PMDB. Eu não quero ser julgado pelos equívocos que alguém do PMDB cometeu. O partido está no Brasil inteiro, gente para caramba. Teve uma investigação política, participei dela e depois teve o julgamento do Supremo Tribunal Federal. A vida como ela é. Você pode não gostar, ficar chateado, se indignar, mas é assim. A presidente está tendo uma reação super equilibrada. Está garantindo as instituições. E o Lula também fez isto ao longo dos oito anos de mandato dele.

Valor: Como o senhor avalia hoje o episódio em que lançou o governador Sérgio Cabral a vice-presidente na próxima campanha eleitoral? Como foi encontro com o vice-presidente Michel Temer depois disso?

Paes: O Michel Temer é um homem experiente. Eu já cheguei falando. Eu sabia que ele não tinha vindo aqui para fazer campanha, mas para almoçar com a gente. E dei o recado. Para bom entendedor, meia palavra basta. Sinceramente, eu acho que a maior força do PMDB no Brasil hoje está no Rio de Janeiro. O que eu disse para ele foi: eu acabei de resolver minha agenda política. Serei prefeito até 2016, com todas as possibilidades políticas. E temos outras com o Sérgio Cabral. Ninguém está pedindo emprego não. Ao contrário dessa interpretação comum, o Sérgio não está atrás do emprego. Nós conhecemos as características do PMDB. É um partido que tem sua força política no Congresso. Ninguém está duvidando disso. Mas nós temos 13 deputados federais. A maior bancada do PMDB é a nossa. Eu dei o recado. Não estava ali de inocente bobo. Nem estava atendendo pedido nenhum do Sérgio. O Michel Temer tem compreensão das coisas. Um homem com aquela experiência..., ninguém quer dar golpe de mão. E tem a questão de posicionamento do Rio. O Rio de Janeiro é hoje referência em várias políticas públicas, inclusive a de segurança. É uma questão legítima.

O caixa da prefeitura não [perde com a mudança nos royalties]. Mas isto inviabiliza o Estado do Rio"

Valor: Quando o senhor olha a cidade hoje, qual é o maior desafio até 2016? A realização da Olimpíada?

Paes: Eu não vejo a Olimpíada como um desafio. Ela é uma boa desculpa. Quem for tentar entender a Olimpíada como evento, está morto. Quando eu fiz uma crítica dizendo que o Brasil estava perdendo uma oportunidade com a Copa [do Mundo], não era uma crítica ao governo federal, ao estágio de construção de obra. No Brasil, ninguém percebe que esses eventos não são eventos, são manifestações mundiais geopolíticas, são oportunidades para transformar, são boas desculpas para servir de norte, de bússola para fazer aquilo que precisa. Eu uso tudo para a Olimpíada agora. Não é como festa em casa de solteiro, onde tá tudo zoneado. A gente arruma tudo, faz a festa e no dia seguinte tá tudo bagunçado de novo. Uso a Olimpíada como instrumento para transformar, para mudar. Se eu não trouxer coisas para a cidade, não teremos outra chance. Eu não olho para o evento em si, são 15 dias, 20 dias... Eu olho para a oportunidade que traz. A África do Sul foi festa em casa de solteiro. O tempo todo diziam que ia dar errado, foi um bonito evento, mas acabou. O próprio tempo ajuda. A gente mostra que as coisas estão encaminhadas, "on schedule". Eu vejo esse evento como uma forma de atrair as pessoas para a cidade.

Valor: Como estão os prazos??

Paes: Eu te garanto que vou entregar minhas obras todinhas nos prazos que os caras estão dando. Vou fazer melhor que Londres. Londres usou dinheiro público, está lá com IBC [International Broadcast Center] e não sabe ainda o que vai fazer, são R$ 700 milhões. Vou fazer o meu com dinheiro privado. A vila dos atletas deles foi toda pública, a minha vai ser toda privada. Vai ser a primeira vez na história que vai ter um parque olímpico construído por PPP, no prazo e em dia.

Valor: A cidade do Rio perde muito com a mudança dos royalties?

Paes: O caixa da prefeitura não. Mas isto inviabiliza o Estado. Eu acredito que a presidenta vá vetar. Porque ela deixa a gente numa situação política muito difícil.

Valor: Mas o senhor não acha que a presidenta pode não querer se indispor com os outros entes da federação?

Paes: Não vai se indispor. Eu estou sofrendo aqui pelo royalty que ia ter e não tenho? [os campos do pré-sal não licitados]. Já contabilizamos a perda ou o não ganho. Vai surgir royalty para caramba. A gente não está reclamando do royalty do futuro. O Campo de Paraty, que não foi aberto ainda, está bem de frente para a cidade do Rio de Janeiro. Ia me dar uma baba de dinheiro. Como eu não tenho este dinheiro, é mais fácil aceitar que não terei. O que estamos falando aqui é de contrato existente, o impacto é no Rio não nos outros Estados e municípios. Tem muita bravata neste discurso. Não vai se indispor com outros Estados e sim com o Rio. Essas discussões no Congresso são muito complicadas.

Valor: Dentre as primeiras medidas que o senhor anunciou depois das eleições está o aumento do IPTU. O senhor não acha que a população que votou no senhor pode se sentir traída?

Paes: Não teve reação ruim. Ninguém gosta de aumento, muito menos de imposto. Eu me comprometi no primeiro mandato que não aumentaria o IPTU. O IPTU do Rio tem uma série de problemas, não é arrecadatório. Essa mudança não vai representar grandes mudanças nas contas públicas. É uma questão de justiça fiscal. Mas não mandei para a Câmara ainda. Eu joguei no ar a discussão. Tem uma discussão a ser feita. Eu fui à Pavuna, na primeira visita que fiz após ser eleito e avisei, vou botar IPTU, tem que pagar aqui [no Rio, regiões consideradas áreas de risco, onde há chances de ter tiroteios, são isentas de IPTU]. Todo mundo concorda. Vai comparar o IPTU do Rio, com o de São Paulo. Você não pode comparar agora com a valorização imobiliária. Mas se você olhar o seu IPTU ele tem um valor venal muito abaixo do que o imóvel vale. Hoje, as pessoas pagam mais de IPVA, de condomínio, do que de IPTU. Isso sim é uma distorção.

Valor: Então não decidiu se vai mandar ou não?

Paes: Não. Eu quero que a cidade discuta. As pessoas começaram a perguntar por que se não falou sobre isso na campanha. Primeiro porque ninguém me perguntou. É um tema que é difícil você colocar racionalmente no processo eleitoral. Ele é totalmente irracional. Queriam que eu chegasse no meio da eleição e dissesse, "gente, atenção, vou aumentar o seu IPTU. Ninguém me perguntou, mas vote em mim".

Valor: E como vão as finanças da prefeitura?

Paes: As finanças estão todas organizadas. Estou lá com meus três graus de investimento. Estamos com capacidade de investimento altíssima, financiando a Olimpíada totalmente.

Valor: Há dinheiro para pagar todas as obras?

Paes: Sim. Mas dadas as circunstâncias da prefeitura, é patético você viver amarrado a uma medida provisória da época da renegociação da dívida do governo Fernando Henrique [Cardoso]. Não é a Lei de Responsabilidade Fiscal que nos amarra é a lei de renegociação da dívida. Não é aumentar o gasto absurdamente. A Prefeitura do Rio é uma das que têm toda condição de captar mais, de investir mais e de se endividar mais. A Lei de Responsabilidade Fiscal me permite um endividamento de 120% das minhas receitas correntes líquidas, algo assim. Eu tenho 40%. Eu tinha condição de triplicar meu endividamento pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Aqui vai minha pressão política. A gente baixa juros no banco para isso, quer baixar TIR [taxa interna de retorno], mas o governo federal com os entes da federação continua como se a gente tivesse vivendo na época do juros lá nas alturas. Está dando uma de banqueiro, não dá.

Valor: E como faz para se viabilizar?

Paes: Eu estive com o [ministro da Fazenda, Guido] Mantega e ele concorda. Eu acho que falta alguma vontade política. Eles temem o discurso da irracionalidade. O que eles dizem é "de fato Eduardo, sua situação permite. Mas se eu der para você, vai ter uma fila". E aí? Você faz o dever de casa, renegocia sua dívida, aumenta a capacidade de investimento. Hoje eu só invisto menos do que o governo federal, mais do que São Paulo. Tudo o que a burocracia federal emperra sai mais caro. Principalmente quando você tem prazos para cumprir. Ou alguém tem dúvida de que o Maracanã trabalhando 24 horas por dia, sete dias por semana, com 5 mil homens lá dentro é mais caro do que se tivesse começado a ser feito dois anos antes? Por isso eu me organizei muito para a Olimpíada. Todas as grandes obras e intervenções foram licitadas, encaminhadas e iniciadas. Não é só por planejamento e querer mostrar que eu sou organizado, é que eu vou gastar menos assim. Não vou ter que fazer plantão, não sofro pressão de empreiteira por aditivo porque a obra não termina.